Souto Maior: Juiz é cidadão como outro qualquer em qualquer situação

Tempo de leitura: 3 min

Jorge Luiz Souto Maior

Profissão juiz

por Jorge Luiz Souto Maior, via e-mail

Nas últimas duas manifestações contra o aumento da tarifa do transporte público em São Paulo (uma que foi da Paulista à Prefeitura, e outra que ocorreu no bairro do Tatuapé), muitos fatos me chamaram a atenção, mas alguns, particularmente, me atingiram mais de perto.

No primeiro deles, algumas pessoas se chegaram a mim, quando o ato estava se arrumando para iniciar a caminhada, e disseram: “vamos ficar perto de você, pois você é juiz e se a polícia vier nos bater você nos protege!” No segundo, o interlocutor foi direto: “Se me prenderem, você me solta?” E, finalmente, o terceiro, indagou o que eu achava que ia acontecer durante o percurso, já que eu, sendo juiz, teria conhecimento de como a polícia agiria…

Essas falas refletem bastante o sentimento que impera entre os manifestantes, que é o de medo da polícia, considerando que ela está lá, de fato, pronta para atacá-los. Na visão dos manifestantes, a polícia fica apenas esperando uma oportunidade qualquer para agredi-los, quando não está em concreto preparando a situação para tanto. Mas não é bem disso que pretendo falar…

De fato, as falas referidas conferem-me a oportunidade para um importante esclarecimento: juiz é apenas o nome que se dá ao profissional que exerce o poder de dizer o direito (e fazer aplicá-lo), dentro dos limites institucionais de sua atuação. Bem verdade que o exercício do poder estatal e a garantia da independência funcional são características próprias da profissão do juiz, mas elas se limitam ao ato da prestação jurisdicional, dentro da lógica de prestação de serviços à sociedade (e de forma mais ampliada à humanidade, para não se submeter às influências de fatores econômicos e políticos locais), que se concretiza na atuação processual.

O poder e as garantias conferidas ao juiz não são pessoais, mas institucionais, e, portanto, fora da atuação profissional, o juiz não as detém. Aliás, não sendo pessoais, não conferem ao juiz uma cidadania diversa das demais pessoas, mesmo quando está no exercício da profissão. O juiz, portanto, é um cidadão como outro qualquer, dentro e fora da jurisdição, ainda que alguns juízes imaginem que as garantias da jurisdição lhe confiram alguma superioridade, que lhe integra como um atributo pessoal, considerando, inclusive, que as possam exercer nas relações sociais, para, por exemplo, não pegarem fila, não pagarem multa de trânsito, não perderem o voo etc.

Participando de uma manifestação, jogando futebol, sentado à mesa de um bar, no trânsito, utilizando-se de transporte público, no cinema, na fila do banco, torcendo para o Corinthians (o que “é de lei”), o juiz não é juiz, sendo correto identificá-lo se não pelo nome ao menos pela forma generalizante de manifestante, motorista, passageiro, torcedor, jogador (craque, esforçado ou perna de pau) etc., jamais como juiz.

Durante quase 22 anos de magistratura sempre separei de forma bastante nítida o cidadão que exerce a profissão de juiz, atuando no processo, do cidadão que participa das demais relações sociais. Tenho, portanto, a plena convicção de que devo me submeter às situações que atingem a todas as pessoas nas mesmas circunstâncias, enfrentando fila, esperando no trânsito, andando de ônibus (ou metrô), jogando bola etc. Abomino, por conseguinte, qualquer prática de “carteirada” ainda que se a entenda por uma “boa causa”, até porque essa postura não representa o efeito de mera compreensão pessoal, sendo, isto sim, uma imposição da ordem jurídica.

O outro lado dessa moeda é que é exatamente essa separação que me permite, como cidadão, participar de atos da vida social, sobretudo daqueles que me auxiliem a perceber a realidade a partir do olhar do oprimido, o que, ademais, se reflete em benefício da atuação profissional, notadamente para um juiz que lida com causas sociais, em especial, trabalhistas. Fato é que se o juiz não pode atuar como juiz fora do processo, isto é, na realidade social, por consequência não é possível lhe negar a cidadania para a prática de atos que se permitam a todos os demais cidadãos.

Em conclusão, o que espero dos valorosos companheiros manifestantes e demais lutadores sociais é que me vejam como um igual e como alguém que, acreditando na causa, estará sempre disposto a engrossar a multidão, para vibrar com as vitórias e sofrer junto nas derrotas.

São Paulo, 23 de janeiro de 2015.

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Comentários

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Vicente

O STF está precisando de gente assim. Espero que a presidenta pense nisso agora, quando poderá nomear mais dois ministros.

lauro c. l. oliveira

Agora conta a do papagaio!

FrancoAtirador

.
.
O cidadão Jorge Luiz,
pelos direitos civis,
engrandece a Humanidade.
Já aquele outro juiz
apequena seu País
só por Poder e Vaidade.
.
.

Vlad

Meus cumprimentos.

Pena que é a exceção que confirma a regra.

E só vai começar a deixar de ser exceção quando o judiciário não puder definir em causa própria(e com que desenvoltura define!)seus próprios benefícios, vencimentos, atrasados, férias, recessos, gratificações, indenizações, etc.

Vai dar mais um passo à frente quando juiz corrupto for exonerado a bem do serviço público e não aposentado com vencimentos integrais.

Mais um passinho será quando juiz deixar de ser, na prática, inimputável como se índio ou louco fosse, e responder civilmente por suas ignomínias.

Ponto.

Léo

Assim como as policias, ninguém tem o direito de querer ser tratado por “vossa excelencia”, “senhor”… No entanto, boa parte das autoridades usam o poder que tem no exercicio do poder, fora da sua profissão. Mesmo quando alguém questiona autoridades de “nariz impinado” de uma atidude dele, ainda que quem o tenha questionado não saiba quem o é ele (autoridades prepotentes) fazem questão de dizer “sabe com quem, você está falando?”

Um caso recente foi um caso de um bebado ter usado de sua função para oprimir uma agente estadual (não lembro o estado agora).

Edvard

Jorge Luiz Souto Maio, estou tratando pelo nome porque me dirijo à pessoa e não ao juiz.
Parabéns pela forma de pensar e de agir.
Gostaria que um número muito maior de magistrados também pensassem desta forma. Somos todos servidores, você na Magistratura e u na docência.
Vai Corinthians!!!!

Edvard

Amaro Doce

NEM BELZEBU ACREDITA
(Azenha, eu sei que está fora de pauta, mas esta história é INCRÍVEL!!!

Delator vai receber COMISSÃO pelo dinheiro roubado. Eu também quero.
http://tijolaco.com.br/blog/?p=24368

O crime compensa. E com aval do Judiciário.
24 de janeiro de 2015 | 08:22 Autor: Fernando Brito

alberto

É inacreditável a alegria pelo “bom negócio” feito pelo doleiro Alberto Youssef contina das declarações de seu advogado tucano hoje na Folha.

Já havíamos ficado sabendo que o acordo de delação restringe a pena de Youssef a três anos em regime aberto. E que ele vai conservar parte do patrimônio adquirido com o seu papel de “lavador” das roubalheiras de Paulo Roberto Costa.

Agora, graças aos repórteres Mario Cesar Carvalho e Gabriela Terenzi, ficamos sabendo que ele vai ganhar “comissão” sobre o dinheiro roubado, num valor que pode chegar a R$ 10 milhões, uma quantia impensável para nós, mortais comuns e honestos, mesmo depois de uma longa vida de trabalho honesto.

O advogado Figueiredo Basto comemora: diz ele que a ” delação premiada” contém a noção de que o criminoso “vai ganhar algum prêmio no final do processo”.

O prêmio, claro, na visão dele, deve ir além de uma pena menor.

É em dinheiro, mesmo.

No caso, em dinheiro público surrupiado nas negociatas.

Imagine: você rouba um banco, é preso. Aí, negocia entregar seus cúmplices. E também os não-cúmplices que, do jeito que são a Justiça e a mídia brasileira, passam a ter de “provar” que não roubaram.

A polícia vai atrás do dinheiro e você, depois de um pequeno castigo, recebe uma mala de dinheiro – os tais R$ 10 milhões – e é mandado embora, com um “muito obrigado”….

No caso de Youssef, com o agravante de que já negociou um acordo de delação e continuou a roubar, nas barbas do juiz Sérgio Moro, porque Youssef prometeu a ele que, depois de operar criminosamente dinheiro do Banestado, do Governo do Paraná, até porque ninguém foi saber o que ele fazia durante sua “liberdade condicional”.

E, também, a cara-dura do Ministério Público de dispor do dinheiro que vier a ser recuperado para o pagamento de comissões ao ladrão.

Quem sabe o MP não resolve estender a “promoção” para seus demais delatores. Vai ser uma festa. Todo mundo saindo livre e ainda com uma “mala” de dinheiro bem lavado.

Se o acordo com Youssef for assim, é difícil crer que se queira “restaurar a moralidade”.

Não se pode fazer isso com a imoralidade desta corrupção legalizada e referendada pelo Judiciário, como a que se propõe para o doleiro ladrão

Giordano

“O mau juiz é o pior dos homens”. Assim falou o jurista e escritor brasileiro José Américo de Almeida por intermédio de um personagem de sua obra prima, A Bagaceira. Parabéns ao Dr. Souto Maior.

Julio Silveira

Vai dizer que são como outros quaisquer cidadão para eles. Só sai incolume se for da familia. Rsrsrsrs.

Gerson Carneiro

Dentre as histórias, das muitas que já ouvi dessa figura rara, é a de que terminadas as audiências no Fórum, ele largou a toga de lado e subiu no telhado para limpar a calha que estava entupida e fazia jorrar água pra dentro do Fórum.

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