Jonathan Cook: Netanyahu troca os judeus liberais por cristãos evangélicos

Tempo de leitura: 4 min

Netanyahu abandona judeus estadunidenses por aliança com cristãos evangélicos e Alt-Right

por JONATHAN COOK, no Counterpunck, 07.12.2017

Por muitas décadas os judeus dos Estados Unidos vem usando o argumento da “exceção israelita”: assumem posições decididamente progressistas nas questões domésticas, mas são falcões na sua causa do coração.

O racismo que eles vigorosamente combatem nos Estados Unidos, aceitam em Israel.

Informações deste fim de semana dão conta de que Donald Trump vai reconhecer Jerusalem como capital de Israel, jogando uma chave inglesa em qualquer plano de paz.

Se acontecer, o presidente dos Estados Unidos terá decisivamente priorizado apoio a Israel — e os lobbies pró-Israel em casa — sobre o ultraje dos palestinos e do mundo árabe.

Mas, paradoxalmente, no momento em que os judeus norte-americanos parecem próximos de vencer a batalha doméstica em defesa de Israel, muitos se sentem alienados do estado judeu como nunca estiveram antes.

Sempre houve um minoria de judeus americanos cujas preocupações estavam focadas na ocupação. Mas até agora o apoio deles a Israel não estava em jogo, apesar do racismo institucionalizado contra os 20% da população de Israel que são palestinos.

A Lei do Retorno nega a não judeus o direito de imigrar para Israel. Comitês de admissão barram a entrada de palestinos em centenas de comunidades. A negação ao direito de reunificação rompeu famílias em casos onde um parceiro vive em Israel e outro em territórios ocupados.

A maioria dos judeus se justificava alegando que esta e outras violações de direitos eram necessárias, depois do holocauto na Europa, pois eles merecem ter um estado forte. Os palestinos teriam de pagar o preço.

Dado que metade dos judeus vive fora de Israel — a grande maioria nos Estados Unidos — o apoio deles a Israel é crítico. Doaram enormes somas de dinheiro, ajudaram a construir cidades e plantar florestas. E fizeram lobby agressivamente para garantir apoio diplomático, financeiro e militar para sua causa. Mas está se tornando cada vez mais difícil ignorar sua hipocrisia.

A divisão se tornou um abismo depois que o governo direitista de Benjamin Netanyahu passou a atacar os direitos civis. Agora mira não apenas palestinos, mas o que sobrou da sociedade liberal em Israel — em desprezo aberto aos valores da maioria dos judeus americanos.

O catalisador peculiar desta batalha envolve o mais significativo símbolo do judaismo: o Muro das Lamentações, a parede de um templo há muito perdido em Jerusalem.

Os judeus norte-americanos subscrevem, em sua maioria, os valores progressistas do secularismo ou do Judaismo reformista. Em Israel, por outro lado, os ortodoxos linha dura dão as cartas em questões religiosas.

Desde a ocupação de 1967, os rabinos ortodoxos de Israel controlam as orações no Muro, marginalizando as mulheres e outras vertentes do Judaismo. Isso ofende profundamente os judeus dos Estados Unidos.

Preso entre os doadores liberais dos Estados Unidos e os rabinos poderosos de Israel, Netanyahu inicialmente concordou em criar um espaço misto no Muro para os judeus não ortodoxos. Mas com a oposição crescendo em casa, cedeu. O choque continua reverberando.

Avraham Infeld, um veterano contato de Israel com a comunidade dos Estados Unidos, disse ao diário Haaretz esta semana que a crise era “sem precedentes”.

Os judeus norte-americanos concluiram que “Israel não dá um tostão por eles”.

Agora, um aliado próximo de Netanyahu atiçou o fogo.

Numa entrevista na TV no mês passado, Tzipi Hotovely, a vice-ministro de relações exteriores, acusou os judeus norte-americanos de serem parasitas.

Ela condenou o fracasso deles de se alistarem nos exércitos dos Estados Unidos ou de Israel, dizendo que preferiam viver ” vidas convenientes”.

Os comentários causaram escândalo. Foi um eco do que dizem os rabinos ortodoxos, que argumentam que os judeus da reforma não são verdadeiros judeus — e possivelmente são inimigos.

De acordo com uma notícia do jornal israelense Makor Rishon, de extrema direita, que é de propriedade de Sheldon Adelson, um bilionário dos cassinos e apoiador de Netanyahu, numa recente reunião a portas fechadas com apoiadores o primeiro-ministro apresentou sua lógica para sacrificar o apoio dos judeus liberais que vivem no Exterior.

Ele teria dito que os judeus não ortodoxos vão desaparecer “em uma ou duas gerações”, por causa da baixa taxa de natalidade, de casamentos com não judeus e de assimilação geral. Os judeus liberais seriam uma “causa perdida”, ligados a uma visão mundial incompatível com o futuro de Israel.

Por questões demográficas e ideológicas, acrescentou, Israel deveria investir em cultivar ligações mais fortes com judeus ortodoxos e cristãos evangélicos.

A previsão demográfica de Netanyahu pode ser falsa, mas certamente está dirigindo as políticas adotadas por ele em casa e fora.

Na verdade, no momento em que os ataques de Israel aos liberais parecem fazer eco com a retórica e as políticas de Trump em relação às minorias nos Estados Unidos, os judeus americanos estão sendo forçados a rever seu antigo duplo padrão aplicado a Israel.

O governo Netanyahu tem atacado organizações anti-ocupação como B’Tselem e o grupo Breaking the Silence como traidores. Na semana passada ele ampliou o ataque.

O ministro da educação, Naftali Bennett, acusou o grupo legal  Association for Civil Rights in Israel (ACRI) – equivalente em Israel da American Civil Liberties Union (ACLU) – de “apoiar terroristas”. Quarenta anos de programas da ACRI correm risco.

O ataque veio depois de recentes decisões que permitem a estudantes de Israel usar respostas racistas em exames e de expandir a segregação de gênero nas universidades.

Além disso, duas novas leis promovidas pelo partido de Netanyahu permitiriam violar a liberdade de expressão de israelenses que promovem boicotes, mesmo contra os assentamentos [considerados ilegais pela ONU]. Um projeto propõe penas de até sete anos de cadeia, o outro multa de 150 mil dólares.

Novas decisões deram poder à polícia de barrar acesso da mídia a locais de incidentes, para evitar cobertura crítica, especialmente de violência policial.

O ministro da Defesa Avigdor Lieberman tenta obter mais poder contra ativistas políticos, judeus ou palestinos, inclusive duras leis de restrição ou detenção sem acusação ou julgamento.

E, pela primeira vez, judeus vindos de fora são obrigados a responder perguntas ao desembarcar em Israel sobre suas opiniões políticas. Alguns tiveram de assinar juramentos de “bom comportamento” — uma promessa de não participar de atividades anti-ocupação. Judeus que apoiam boicotes podem ter a entrada negada.

O governo Netanyahu, ao que parece, prefere seus aliados cristãos evangélicos e a extrema-direita dos Estados Unidos, que ama Israel tanto quanto despreza os judeus.

Israel está seguindo por um caminho que vai forçar judeus americanos a fazer duras escolhas. Eles vão continuar a se identificar com um estado que abertamente vira as costas para eles?

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Comentários

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Patrice L

Netanyahu é, como que em um oxímoro, um judeu nazista.

Deveria ser uma contradição nos termos, uma impossibilidade de essas palavras estarem lado a lado na mesma frase, adjetivando uma pessoa, mas não é.

E ele não é o único caso de judeu nazista.

Temos por aqui ouvido falar de apoiadores judeus do Bolsonazi e interesseira reciprocidade, entre outras coisas, talvez ligada à indústria armamentista israelense.

Marina Le Pen, já em conflito com o pai que não esconde o antissemitismo radical (uma inconveniência por ora para o Front Nacional liderado pela filha), é outra que parece procurar apoio de judeus da extrema-direita para suas diatribes fascistas com foco nos árabes e muçulmanos.

Tem que sempre haver um alvo étnico, racial, sexual, religioso, político, um bode expiatório, enfim, para excitar e mobilizar a turba fascista, nao é mesmo?

A coisa toda não deixa de encerrar uma grande dúvida: até quando a direita não-judaica hoje em apoio a Netanyahu se controlará para esconder o seu histórico, incontornável e abjeto antissemitismo?

Dystopus

Alguém lembrou de “Papers, Please”?

Carlos Marques

Que legal! Um site democrático apesar de ser de Esquerda!

Carlos Marques

Não existe este papo de “judeus liberais” (bons) versus “judeus de direita” ou “sionistas” (maus). Isto é mais uma tolice maniqueista, um disparate da mídia mistificações, simplificações, com a adesão feliz de desinformados. Senão, como entender os Sionistas de Esquerda, dos antigos MAPAM e MAPAI, como Chain Weitzman, David Ben Gurion, Aba Bebam, Gilda Não é, que formavam o âmago lutador e ideológico do Sionismo? Que fundaram o Estado de Israel e o lideraram pelos primeiros duríssimas trinta anos? Enfrentando os fascistas da Síria e os reis sauditas? E os governos árabes corruptos e demagogos Unidos? Que criaram os kibutzim pioneiros? Intrinsecamente ligados ao Povo Judeu e à Terra de Israel? Vocês precisam se informar melhor!!

Wagner

O artigo é bom, mas a “alt-right” não apóia isso.

Na verdade isso está causando um caos divisório na alt-right, os poucos que falam não se importar com isso estão sendo acusados de serem traidores ou espiões infiltrados.

A alt-right elegeu Trump justamente por ele “aparentar” ser anti-sionista, se dependesse da Hillary, os EUA já estaria com tropas na Síria, Irã e talvez isso até provocasse uma guerra contra a Rússia.

Já o Trump cumpriu a promessa de cortar o financiamento da CIA aos “rebeldes moderados” na Síria, e agora Assad praticamente venceu a guerra “civil”.

Acreditem, Trump é menos pior que a Hillary, nenhum presidente americano vai deixar Israel na mão simplesmente pq judeus mandam nos EUA, não tem como.

Mesmo Obama teve que ceder várias vezes, na sua gestão o estado israelense conseguiu comprar equipamentos militares a preço de banana, e os EUA até aumentaram o suporte financeiro ao estado judeu, o Obama anti-israel nunca passou de um teatrinho.

Acredito que Obama serviu para pavimentar o caminho para o próximo presidente ajudar Israel a acabar com o Irã, mas será que a Rússia vai permitir outro conflito no seu quintal? Difícil…

Julio Silveira

Respeito bastante o judaismo, a religião judaica, mas desprezo o sionismo. E tem muita gente que ignora suas diferenças, acreditando ser tudo a mesma coisa. O sionismo é um movimento politico recente, articulado a partir de meados do século dezenove com o objetivo de garantir um estado para judeus, nas terras que teriam sido dis juddus nos primordios da historia da formação desse grupo que fez da religião sua etnia. Para isso seus arquitetos historicamente concentradores de riquezas e poder articularam sua rede de apoiadores para esse fim, se aproveitando das nacionalidades, nos países que usaram e usam como plataforma para o poder, e das fragilidades politicas e economicas do povo palestino. Que foram desterrados com apoio das forças da cumplicidade arranjada nos paises que acobertaram o ato, Brasil inclusive.

    Carlos Marques

    Pois os judeus agradecem sua opinião mas desprezam os anti-semitas disfarçados de “antisionistas”. São o sal da terra.

    Julio Silveira

    Sal da terra são os imbecis que trabalham na ignorancia dos povos para escaparem da justiça através da camuflagem, como esses sionistas que plantam suas defesas no anti semistismo alheio, escondendo dos ignorantes que suas vitimas contumazes os palestinos são semitas.
    Agem como sorgo contaminando num milharal e se passando por milho.

CaRLoS

Muito bom texto. Esclarecedor. Trump representa um perigo para toda a humanidade. Faz escola. No Brasil existem muitos alunos. Como sempre os “evangélicos” sendo usados, tornando-se pessoas agressivas, e pregando tudo aquilo que NÃO ensina o evangelho.

    Carlos Marques

    Os evangélicos são pessoas ingênuas e sem opinião própria. Ainda bem que contamos com você, tão esclarecido, para nos iluminar a todos, companheiro.

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