João Herkenhoff: Por uma Justiça democrática

Tempo de leitura: 3 min

por João Baptista Herkenhoff, em Direto da Redação

Quero me ocupar neste artigo de três condições que me parecem essenciais para que se possa ter no país uma Justiça verdadeiramente democrática.

A primeira condição, a meu ver, é esta: que a Justiça seja aberta. O espaço da Justiça é um espaço público. Justiça não é negócio entre compadres. Justiça fechada contraria premissa básica da Democracia.

Dos três Poderes da República, o Judiciário é o que se mostra mais avesso à transparência, é o mais resistente a qualquer forma de fiscalização. De longa data fecharam-se as cortinas da Justiça aos olhares públicos, como se a Justiça pertencesse a pessoas e a famílias, reminiscência dos feudos medievais. Abusa-se da utilização do chamado segredo de Justiça. Um processo só pode correr debaixo de sigilo quando razões de respeito à pessoa humana o exijam.

Neste caso, o segredo é imperativo porque as questões íntimas jamais podem ser devassadas. Mas o que temos por aí não são sessões secretas fundadas no interesse público ou no respeito à dignidade da pessoa humana, mas sessões secretas porque ainda resta um pouco de pudor, e esse pudor remanescente impede que se cuide, às claras, de proteger interesses particulares, nomeação e promoção de parentes, barganhas imorais.

A segunda condição para que se construa uma Justiça democrática suponho que seja eliminar todos os óbices à presença do povo nos corredores judiciários. Um óbice aparentemente inofensivo, porém grave, advém da exigência de roupa ou calçado para ingressar nos recintos judiciais. Num país de pés descalços, cobrar que os cidadãos calcem sapatos, para transpor os umbrais do fórum, é uma afronta à cidadania.

Outro óbice à democratização da Justiça, bem ligado a esse primeiro, não é de natureza física, mas sim de natureza mental. Trata-se do uso de linguagem cifrada nos tribunais, estratagema proposital para vedar ao povo a compreensão do Direito. É perfeitamente possível lavrar uma sentença com palavras que o homem comum possa entender. Não se pode considerar aceitável aquela situação em que um cidadão submetido a julgamento porque engaiolou um pássaro em extinção, depois de ouvir uma longa sentença, redigida em frases emboloradas, pergunte, de cabeça baixa, humildemente, ao magistrado: “doutor, com todo o respeito, o senhor me condenou ou me absolveu?”

Sem prejuízo de se fazer entender, o discurso jurídico deve ser rigorosamente correto. Não se podem tolerar erros de português em petições, arrazoados, sentenças ou acórdãos. Se um magistrado não sabe Português e comete erros grosseiros, saberá ele Direito? Muito provavalmente, não. A incorreção da linguagem desprestigia a Justiça e lança a suspeição de incompetência, não apenas gramatical, mas também jurídica, daquele que não sabe conjugar verbos, nem sabe grafar palavras.

A terceira condição para que se alcance uma Justiça democrática, e até mesmo ética, consiste em exigir que as decisões judiciais sejam sempre motivadas. Ou seja, não basta que o juiz diga: julgo a ação procedente, ou julgo a ação improcedente. É sempre obrigatório que a decisão seja fundamentada, isto é, que sejam explicitadas as razões que levaram o julgador a decidir desta ou daquela maneira.

Também nos órgãos colegiados a fundamentação é imprescindível. Cada julgador deve declinar as razões do seu entendimento. É muito comum, nos tribunais, o desembargador ou ministro, na hora do seu voto, dizer: voto com o relator, e ponto final. Dizer que vota com o relator não é fundamentação, é preguiça que merece execração pública. A expressão “voto com o relator” é uma fraude ao princípio que determina que as decisões judiciais sejam sempre motivadas.

João Baptista Herkenhoff, magistrado aposentado, é professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES), palestrante e escritor. Autor do livro: Filosofia do Direito (GZ Editora, Rio de Janeiro).


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Comentários

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SILOÉ

Se o governo de Dilma primar pela transparência, a justiça inteligentemente fará o mesmo pra não perder o bonde da história.

sakamotosilva

Eu gostaria de salientar que mais perverso ainda é a imunidade de que se cerca o Judiciário. Um juiz corrupto é meramente afastado para outra comarca ou, se o caso for mesmo escabroso, é forçado à aposentadoria. No meu entender, um prêmio.

Marcio

Perfeito, Seo João Batista.
Eu fui vitima de um acordo "entre cumprades": juizes e reu que jogavam futebol society nas tardes de sábado. Cometeu-se uma grande injustiça, mas certamente o whisky 12 anos era dos bons. E eu, o ofendido, moralmente atacado, com uma testemunha honestissima, fui considerado o ofensor.

Mas o Judiciário mudar? Só se elefante voar com as próprias asas.

Luiz Felipe O Lopes

Bom dia a todos. Sou advogado militante e acho até que o Professor pegou leve. Não foi comentado sobre as festas que os grandes escritórios fazem e convidam os Drs Desembargadores, regada a whiskie 12 anos e outras coisinhas mais. Nas filas dos cartórios ouvimos as discussões dos estagiários sobre quem faz a melhor festa. Evidente que o magistrado que não prolatar sentença favorável ao escritório que fornece a festa, ficará sem ser convidado para as próximas. O interessante é que tem festas interessantíssimas. Sem contar que, uma minoria é claro, vende suas sentenças. Isto ficou claro na greve dos serventuários que colocaram uma barraquinha indicando "compre aqui sua sentença". Não foi tocado também na impunidade. Não consigo entender como uma pessoa tem seus direitos lesados e, quando vai ao tribunal, leva R$ 1.000,00 de Danos Morais. Isto pra mim é impunidade. Está chegando a um absurdo tão grande que o preposto vai até o local da audiência, vê do que se trata e vai embora sem entregar sua defesa, pois sabe que será agraciado com uma sentença inodora, insípida sem peso. Aí, não vale a pena a empresa investir em atendimento, é preferível continuar pagando estas sentencinhas. Não é a toa que a FGV de São Paulo fez uma pesquisa e confirmou que apenas 33% confiam na justiça. Esta pesquisa foi publicada no site brasilianas.org do Nassif. Para mudar este quadro faz-se necessárioalgumas medidas:
1 – Eleição entre os operadores de direito para os tribunais superiores;
2 – O artigo 5º da Constituição é cláusula pétrea, portanto não pode ser mudado, mas, acredito que uma vírgula após o inciso XXXV, incluindo a frase "atendido os pressupostos processuais" não estaria sendo modificado. Após, incluir-se-ia no CPC a obrigatoriedade, como pressuposto processual, de passar por um Tribunal Arbitral para a parte negocial. Quando chegasse no judiciário seria para julgar, pois a parte negocial já teria sido extinta no Tribunal Arbitral.
3 – Alterar a Lei dos Tribunais Arbitrais, obrigando os árbitros a serem advogados, com formação e autorização pela OAB e fiscalização do judiciário, com representação obrigatória de advogados (partes assistidas), e com presença obrigatória das partes sob pena de revelia.
Não sei qual o percentual de acordos, mas este percentual de acordos seria feito fora do judiciário. Juiz é para julgar. E a medida mais importante seria a parte do controle externo do judiciário, podendo o órgão externo intervir em qualquer processo que tiver decisão contrária ao que existe nos autos.

mauro silva

Caros
Se não me engano, na Grã-Bretanha, o juíz é convidado para o cargo depois de anos de militância advocatícia como uma espécie de homenagem ao advogado exemplar.
No Brasil, proliferam os notórios "cursos preparatórios para concursos" onde alunos abonados, à peso de ouro, pagam por aulas onde, em verdade, entrega-se "maçetes" de provas de concursos acompanhados de recados do tipo: "fulano que participa da seleção tem trabalhos nesse tópico".
Vencida a etapa do macete, na entrevista com sustentação oral, é comum, antes da apresentação de hipotéticos candidatos de nomes, por exemplo, zuleica vieira de albuquerque almeida e souza, que um dos inquiridores agradeça a presença do "desembargador" adolfo vieira de albuquerque almeida e souza, a acompanhar o evento.

Elton

A questão é que todo mafioso se protege, todo membro de quadrilha se protege e sempre se comunica em "códigos" próprios. Evita se expor. Essas são algumas das razões que ao meu ver, retiram a justiça dos pobres, mantém-na aos privilegiados.

Gerson Carneiro

Outro mal que urge acabar: os presidentes dos Tribunais nunca são juízes de carreira. São sempre membros da OAB que adentram pelo 5º Constitucional. Daí costumam tomar decisões que normalmente destoam da realidade da primeira instância. Resultado: sofrem os servidores, e o povo.

Exatamente isso: presidentes de tribunais proveniente dos quintos.

Outra realidade: enquanto mais afastada da primeira instância, mais rarefeita a possibilidade de se fazer justiça.

    Emilio Matos

    Concordo especialmente com a parte sobre o afastamento das decisões da primeira instância. É preocupante essa tendência do judiciário brasileiro de desprivilegiar completamente as decisões dos juízes de primeira instância. É quase como se eles não servissem para nada. Acho que é o dinheiro público mais mal gasto no Brasil: o pagamento de salários para esses juízes.

    Gerson Carneiro

    Pagamento de salários para os juízes de primeira instância são os mais justos. Pois são estes que enfrentam o batente, que atende a população. Acho que você está se referindo aos das instãncias superiores, não é?

    Emilio Matos

    Eu quis dizer que é meio coisa de maluco pagar aos juízes de primeira instância para depois desconsiderar todo o trabalho deles. Na verdade, a frase é de um juiz, de primeira instância, amigo da minha esposa: "O meu salário é o maior desperdício de dinheiro público." Ele fala como uma espécie de desabafo ao ver que as decisões dele surtem muito pouco efeito prático. Quanto a ser um pagamento justo com relação ao trabalho deles, eu concordo.

    Gerson Carneiro

    Perfeito. Entendi, e concordo. Verdade, não havia pensado nisso. Mas está perfeito.

carmen silvia

Desqualifica-se públicamente os membros dos poderes executivo e legislativo, e mal sabem aqueles que fazem isso, que uma boa parcela das "maracutaias" e falcatruas que os membros desses dois poderes fazem, são protegidas no judiciário, tornando possível assim a perpetuação dessas práticas.Pra sermos realmente um país respeitado precisamos inverter a máxima de que cadeia é só pra pobres, pretos e putas.É urgente que se abra essa caixa preta.

Roberto Locatelli

Por uma Constituinte para, entre outras coisas, estabelecer eleições diretas para juízes, procuradores e desembargadores em todos os níveis.

    Gerson Carneiro

    Não funciona. Quais juízes seria "eleitos" em São Paulo nesse período de domínio dos demotucanos?
    É muito fácil de saber.

    Quer mais que a Assembléia Legislativa de São Paulo? Eleita em eleições diretas e não se consegue sequer instalar uma única CPI.

    Ou seja, eleições diretas para juízes, procuradores e desembargadores em todos os níveis, é transformar o judiciário nessa política que impôe a alternância de poder no Governo de São Paulo: ora o Serra, ora o Alckmin.

Bertold

Olha que é raro um juiz falar com tanta franqueza das mazelas do judiciário. Está de parabens e assino tudinho em baixo o que ele escreveu. Acrescentaria ainda ao que ele estipula nos ritos escritos ou orais as inuteis e desnecessárias falas ou sentenças em latim. Nada a ver com a aplicação da justiça, apenas "ipsis litteris" exibicionismo literario de mente colonizada. Tai de veras um tema que é uma verdadeira trava para a democracia plena: mudar e democratizar verdadeiramente o judiciário brasileiro. Gostaria que surgisse parlamentares corajosos que encampe a proposta e mobilize a sociedade para lutar por isso.

pedroso

Também concordo com o nobre magistrado. Tenho formação jurídica, e sempre fui um crítico contumaz do "juridiquês" dos autos processuais e ttbém da falta de democracia e transparência do poder judiciário brasileiro que dos três poderes é o mais conscervador e elitista. Há um excelente trabalho, uma tese de doutorado, de uma professora de filosofia da USP , sobre a magistratura e o poder judiciário chamdo A NOBREZA TOGADA, circulando e à disposição na web.

Alciele

O Prof. João Baptista tem motivos para escrever este texto afinal o judiciário capixaba não é lá um exemplo de virtudes, corre a boca pequena nos corredores do CNJ que é o 4° pior do pais (deixo para vocês, leitores, o entendimento da palavra "pior"). Suspeitas de fraudes em concursos públicos, decisões sem pé nem cabeça, e por aí vai.

Parabéns ao Prof. pelo texto.

Ps.: tipo de texto que você não vai ler na imprensa escrita ou televisiva capixaba, com certeza.

    marcelo

    O pior, sem dúvidas, é o do Paraná

Gustavo Zottich

Querido Professor e Prezado Azenha,

Ocorrendo isso, a população verá que o trabalho desempenhado pelo judiciário não é tão complicado como parece.

Esse discurso bolorento, a vestimenta, a suposta seriedade estampada em semblantes sisudos, faz por enobrecer, enaltecer suas figuras, tornando-os superiores em relação a massa.

Ou o cidadão comum paga para se aproximar, ou desiste por ser complicado demias.

Abraços,

Gustavo

vera oliveira

se a justiça não é democrática ,ela nem poderia ser chamada de JUSTIÇA.

bentoxvi-o santo

AZENHA.

Quero desejar a todos que fazem do blog VIOMUNDO, um ponto de encontro e troca de idéias,um FELIZ NATAL E UM 2011 COM SAÚDE E PAZ.A LUTA CONTINUA…SEMPRE…

Gerson Carneiro

Como havia comentado ontem no blog mariafrô:

O Poder Judiciário é o primeiro a disseminar descrença na população. O primeiro a tornar a população carente e descrente, passando a clara mensagem de que "a democracia é para poucos, para os que podem ter os direitos fundamentais preservados”

Há vários casos concretos dessa dura realidade, um deles é o caso do médico Roger Abdelmassih, condenado a 278 anos de prisão por 52 estupros. Alguém acredita que ele cumprirá sequer um dia de prisão? É só permanecer por um dia na frente da mansão dele para flagrá-lo em sua comemoração à tal decisão.

Quanto ao Poder Legislativo, ainda na data de ontem, 15/12/2010, os deputados cometeram a aberração de em uma sessão relâmpago aprovarem aumento de 130% em média para os próprios salários. Um escárnio.

ebrantino

Fui advogado muitos anos, e o Juiz João Batista tem toda a razão. Linguagem acessivel, correta, nas petições, arrazoados, despachos e sentenças. Relatórios claros, provando que o juiz realmente examinou todo o processo. Sentenças e despachos devidamente motivados, pelo exame dos fatos e conhecimento da lei. E uma fiscalização ou corregedoria atuando espontaneamente (de oficio) por amostragem, ou sempre que provocada legitimamente.
Com isso já começaríamos a aperfeiçoar a justiça. E é urgente.
Ebrantino

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