Fátima Oliveira: Nossa boca é essencial contra os fundamentalismos!

Tempo de leitura: 3 min

Boko Haram

A nossa boca é fundamental contra os fundamentalismos!

Fátima Oliveira, em O TEMPO

[email protected] @oliveirafatima_

“Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio. Uma só pra mim é pouca, talvez não me chegue. Rezo cristão, católico, embrenho a certo, e aceito as preces de compadre meu Quelemém, doutrina dele de Cardéque. Mas quando posso vou no Mindubim, onde um Matias é crente metodista: a gente se acusa de pecador, lê alto a Bíblia, e ora, cantando hinos belos deles. Tudo me quieta e suspende” (Guimarães Rosa, em “Grande Sertão: Veredas”).

Considero todas as religiões bélicas, perpetuadoras do patriarcado e contra o “faça amor, não faça guerra!” Porém, respeito todas as religiões, por entender que é um direito humano ter uma religião ou não. Recorri ao trecho de Guimarães Rosa como uma iluminação para escrever “As sequestradas nigerianas abandonadas pelo mundo”, quando o grupo islâmico Boko Haram – que em língua hausa significa “a educação ocidental é proibida”– sequestrou “entre 230 e 270 estudantes de um internato feminino na cidade de Chibok, no Estado de Borno, na Nigéria” (O TEMPO, 13.5.2014).

O Boko Haram tem cometido crimes em série desde sua criação, em 2002; e, em 2014, matou 10 mil pessoas – em nome de implantar um Estado islâmico no Nordeste da Nigéria! Entre 3 e 8 de janeiro em curso, conforme a Anistia Internacional, em Baga, no Estado de Borno, poucas semanas antes das eleições presidenciais, em diferentes povoados, o Boko Haram assassinou mais de 2.000 pessoas. O Exército da Nigéria diz que foram “apenas” 150! Todavia, o arcebispo da cidade de Jos, Ignatius Kaigama, afirmou: “É uma tragédia monumental. Deixou a todos na Nigéria muito tristes. Mas parece que estamos desamparados. Porque, se fôssemos capazes de deter o Boko Haram, já o teríamos feito. Eles continuam a atacar, matar e a tomar territórios impunemente”.

O mundo não adotou nenhuma postura de indignação contra o fundamentalismo religioso que matava aos montes na Nigéria, até que islâmicos radicais, na França, bradando “Alá é grande”, no dia 7 último, quinto dia do massacre na Nigéria, promoveram um atentado à sede do semanário “Charlie Hebdo”, uma revista satírica que se pauta pelo secularismo – logo, mira todas as religiões –, no qual morreram 17 pessoas e várias ficaram feridas. Pontuo que, em 2014, a “Charlie Hebdo” já havia sido atacada por ter publicado uma charge sobre o profeta Maomé – os dois atentados foram, inequivocamente, contra a liberdade de expressão.

O Ocidente caiu! Até o presidente da Nigéria, Goodluck Jonathan, que não abriu a boca sobre o que estava acontecendo em Baga, prestou contritas condolências às vítimas de Paris! No mesmo dia, “em seu perfil no Facebook, Jonathan postou fotos do luxuoso casamento de uma sobrinha, sem ter feito comentários de qualquer natureza sobre os ataques em seu país!”

O arcebispo Kaigama foi cirúrgico em entrevista à BBC: “A mobilização internacional contra o extremismo não pode ocorrer somente quando há um ataque na Europa… Precisamos que esse espírito se multiplique, não apenas quando isso ocorre na Europa, mas também na Nigéria, no Níger ou em Camarões”. Perfeito!

Na prática, as lutas pela liberdade de expressão, pela liberdade religiosa e contra o fundamentalismo religioso são muito íntimas, e a nossa boca é fundamental contra os fundamentalismos! O mundo seria mais acolhedor sem as guerras religiosas, sem tanta mortandade em nome de Deus/Alá, se o sincretismo de Riobaldo fosse a tônica: “Bebo água de todo rio”.

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Comentários

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Edgar Rocha

E, por acaso os dois pesos e duas medidas utilizados no tratamento aos dois episódios de terror que a doutora aborda, são culpa da religião? Ou seria uma questão de geopolítica? Ninguém está matando a mando de Alah, muito menos contra a liberdade de expressão. Há muito o terrorismo extrapola o discurso religioso. A culpabilização da religião é absolutamente insustentável, neste e em outros casos.

Respeito a Fátima Oliveira. Seus textos são de uma clareza e seriedade louváveis. Mas, tenho que discordar do que pensa sobre isto. Percebo que a análise está comprometida pelo mesmo vício ideológico histórico das pretensas vanguardas do país. Quando um princípio, valor ou instituição são evocados para sustentar uma injustiça, a reação é sempre a mesma: a de destruir o que foi instrumentalizado, como se este fosse o causador do problema e não um alvo de distorções e de perversão ideológica. Ao invés de proteger e apropriar-se do referido princípio / valor / instituição em questão, tenta-se destruí-lo. Isto só fortalece ainda mais os que dele se apropriam, já que vão ganhando espaço pouco a pouco, sem obstáculos capazes de deslegitimar tal ato. Foi assim com a moral, com a ética, com a fé, com a política… São termos os quais uma vida em sociedade não pode existir, não pode deles se desviar, sob pena de se autodestruir.

    Fátima Oliveira

    Caro Edgar, obrigada pela leitura e pelo comentário.

    Entendo que não sou detentora do monopólio da verdade, sou feliz sendo apenas uma livre-pensadora e acolho bem todas as críticas porque considero a diversidade de opiniões um valor, mesmo quando não concordo com elas. Afinal eu escrevo para tocar as pessoas.

    Acabei de enviar para o jornal O TEMPO, para a minha coluna semanal da próxima terça (3 de fevereiro), o meu artigo: “O terrorismo religioso não expressa o Deus de amor”, no qual afirmo que
    São variações do mesmo tema, o terrorismo religioso de vertente islâmica: o atentado à revista Charlie Hebdon; o suicídio/assassinato(?) do promotor federal argentino Alberto Nisman; e o assassinato de mais de 2000 pessoas pelo grupo islâmico Boko Haram – tangenciado pela mesma mídia que já esqueceu das 276 estudantes nigerianas raptadas pelo Boko Haram, em 14.04.2014, que não voltaram para casa até hoje!

    Enfim, repito e demonstro que “Considero todas as religiões bélicas, perpetuadoras do patriarcado e contra o ‘faça amor, não faça guerra!’; e ilustro com as ‘Guerras Santas’ das ‘grandes religiões’ monoteístas – cristianismo, islamismo e judaísmo – desde os primórdios, em nome de Deus!”

    Vinícius

    Eu entendo que ser “bélico, perpetuador do patriarcado e contra o faça amor, não faça guerra” é uma distorção causada pelo homem e não pela religião. Não é diferente com a política: muitas pessoas distorcem conceitos de esquerda ou de direita em nome de uma causa maior (igualdade, liberdade, etc).

    Eu, por exemplo, enxergo no AMOR uma religião. É neste sentimento que se realiza a “religação”. Qual religação? A religação com as origens. Uns podem chamá-las de “Deus”, outros “Allah”, outros “natureza”, e assim por diante. Deus e espiritualidade são coisas incorruptíveis. A corrupção e o pecado está no homem.

Gerson Carneiro

Lembro de ter dito à Doutora Fátima Oliveira no twitter que eu estava aguardando a procissão em memória das vítimas na Nigéria passar quando ela, Doutora Fátima, anunciou a marcha dos líderes mundiais em Paris aparentemente em prol da vítimas do atentado à Charlie Hebdo. Em um primeiro momento a Doutora Fátima Oliveira demonstrou não entender minha rebeldia. Eis que agora a procissão solitária liderada pela Doutora Fátima Oliveira passa em minha porta. E eu tenho que acompanhá-la.

    Fátima Oliveira

    Oi Gerson, releia nossos tuítes daquele dia…

    Entender o que vc dizia eu entendia, acontece que nos tuítes vc delegava a outras pessoas a tarefa de manifestação contra o assassinato dos nigerianos e condicionava o seu apoio contra o atentado à revista Charlie Hebdon a que todo o mundo se posicionasse contra a carnificina da Nigéria. Naquela conjuntura, na qual a Europa estava sendo atacada, imagina se o mundo queria sabe o que acontecia na África! É triste, mas o mundo gira assim.

    Eu achava que vc deveria falar e falar, ainda que solitariamente, sobre a carnificina de Baga! E não ficar dando uma de, talvez “espada do mundo”, que não deixa de ser confortável em algumas ocasiões…

    Em vários tuítes disse-lhe que, embora forçado pelo clamor popular, o presidente da França chamou manifestações de rua, enquanto o digníssimo presidente da Nigéria até hj diz que o Boko Haram não matou 2.000 pessoas em Baga, “apenas 150” – e postou no Face fotos do riquíssimo casamento de sua sobrinha! Quer dizer que se nem o presidente da Nigéria “sente” pelos seus mortos, como o mundo vai sentir?

    Obrigada pela companhia!

    C’est la vie…

FrancoAtirador

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Matar, em nome de Deus, é tão Diabólico…
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    FrancoAtirador

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    Falando em Deus e o Diabo na Terra do Eclipse Solar

    esse Papa ‘Comunista’ será baleado pelo Tea Party.
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    Lukas

    Ou por algum “comunista”, que depois vai colocar a culpa no “Tea Party”.

    FrancoAtirador

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    Olha a Ku Klux Klan, aí, Klaus!
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