No Congresso e no STF, Dia D para o futuro de indígenas e quilombolas

Tempo de leitura: 6 min

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MAMA ÁFRICA E SONHOS DE CURUMIM

3 de dezembro de 2014: o Governo Federal, o Supremo Tribunal Federal e Congresso Nacional, o que poderá restar de esperança?  

por Eduardo Fernandes de Araújo e  Maria Augusta Assirati, especial para o Viomundo

Tacape atômico baixa no soho/ E o grito de socorro é universal(…)

Reteso o arco da nova aliança/ Dor signo flecha cruza o céu da aldeia global/

A esperança é que no fim do episódio Sonhos de Curumim. (Chico César) 

Em outubro desse ano Dilma Roussef foi reeleita presidenta do Brasil com o apoio de setores da esquerda, do campo popular democrático, e da classe trabalhadora, cuja militância na reta final das eleições, foi fundamental para a definição de uma apertada disputa contra a direita tucana.

A opção eleitoral enquanto resíduo das esperanças depositadas por mais de 20 anos no Partido dos Trabalhadores e no governo instaurado em 2003 com o Presidente Lula ganharam um último suspiro.

Ou seja, a vitória de Dilma pode ter sido uma derrota da direita, no entanto, os fatos e práticas pós-eleitorais têm colocado em questão a capacidade que essa vitória terá de impedir retrocessos no campo político das conquistas históricas nas dimensões dos direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais.

Por certo que a reeleição e manutenção do Partido dos Trabalhadores no Governo Federal manifestou a opção pela continuidade de um projeto de Estado brasileiro centrado na afirmação, ampliação, e consolidação de direitos humanos combinada com a participação democrática popular eficaz e maior efetividade, transparência e capilaridade das instituições do Estado – Governo.

Porém, a conjuntura econômica internacional, a efervescente movimentação à direita e as relações que se estabelecem como um mantra pela garantia da governabilidade não favorecem ações que avancem na radicalização das conquistas sociais populares.

Num arco de coalizão governamental tão flexível, a difícil tarefa de composição ministerial demonstra que o passo à esquerda virou uma dança em que ninguém tira os pés do chão, e as inclinações, acenos e cenas centram as escolhas em nomes que representam o agronegócio, os bancos privados, a indústria e o mercado especulativo.

No Congresso, as forças conservadoras ganharam terreno e continuam a pautar o governo e o poder judiciário.

Justamente por tudo isso, sinalizar qual será o campo em que cada qual irá jogar nos próximos quatro anos, é essencial na trilha da consolidação desse projeto democrático.

Mas ainda que não se chegue a tanto, é responsabilidade obrigatória desse governo, tentar, ao menos, impedir retrocessos em relação ao que se conseguiu conquistar.

Uma ótima oportunidade para o governo federal externar sua posição está dada.

Hoje (03/12), duas iniciativas explicitam mais uma vez que a bancada ruralista e seus aliados não medirão esforços para concretizar seus planos de expansão na concentração de terra.

Não por acaso no mesmo dia, Legislativo e Judiciário se tornarão novamente arenas de disputa entre a possibilidade de aprofundar as garantias e a promoção de direitos, e o risco de retrocesso em relação a conquistas que aparentemente estavam consolidadas normativamente.

O Congresso Nacional estará centrado na discussão de um projeto de lei do Senador Romero Jucá que visa regulamentar o artigo 231 da Constituição Federal, e do Substitutivo do Deputado Osmar Serraglio à PEC 215.

E o Supremo Tribunal Federal terá novamente na pauta a discussão da ADI 3239, interposta com a finalidade de que se declare a inconstitucionalidade do Decreto Federal 4887/03.

Essas medidas que estarão em pauta, se aprovadas e implementadas ou acatada no âmbito do STF, darão concretude ao retrocesso por meio da redução dos direitos que indígenas e quilombolas têm sobre suas terras, repercutindo em temas caros como o modelo de desenvolvimento, a relação da sociedade com o Estado, e as questões ambientais, fazendo perpetuar a violência física e simbólica contra essas comunidades, pois, trata-se de direitos expressamente consagrados no ordenamento jurídico brasileiro.

No que tange à questão indígena a PEC 215 e seu Substitutivo são, de igual modo, flagrantemente inconstitucionais.

A proposta de regulamentação do parágrafo 6º do artigo 231 é repleta de impropriedades jurídicas, até pelo simples fato de extrapolar os limites daquilo que o próprio dispositivo assegura e prevê como objeto de intervenção infraconstitucional.

São iniciativas de parlamentares conservadores, ligados e fortemente apoiados pela Confederação Nacional da Agricultura – CNA, pelo agronegócio, por agentes do campo da exploração ilícita de recursos naturais, como garimpo ilegal e extração irregular de madeira, e do latifúndio.

A ação direta de inconstitucionalidade 3239/03 proposta pelo Partido Democratas para contestar a constitucionalidade do Decreto Presidencial n. 4.887/03 que regula a ADCT 68 tem enquanto amicus curiae (entidades que se colocam no processo para fortalecer o convencimento dos ministros) ao lado do DEM a Confederação Nacional da Indústria e a Associação Brasileira de Celulose e Papel.

Ao lado do Decreto do Governo estão a Coordenação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Mato Grosso do Sul, a Concectas Direitos Humanos, a Justiça Global, o Instituto Socioambiental, a Terra de Direitos, a Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do Pará, a Procuradoria do Estado do Pará, o Centro de Assessoria Jurídica Popular Mariana Crioula, a Associação de Moradores Quilombolas de Santana, Associação dos Quilombos Unidos do Barro Petro e Indaiá, o INCRA, a Conferência Nacional dos Bispos e o Estado do Paraná entre outros.

Para muito além, contudo, de entrar no mérito das complexas minúcias do debate técnico-jurídico pertinente a essas proposições, o que importa frisar, é que essas mediadas pretendem circunscrever aos interesses do capital, as condições do acesso de quilombolas e indígenas às terras a que têm direito.

E por isso, contrapõem-se, para dizer o mínimo, ao espírito democrático e social em que se funda nossa Constituição Federal de 1988, restando na contramão de um esforço normativo voltado à promoção de justiça social, de equidade, de minimização das desigualdades.

O êxito, portanto, da ADI 3239/03 e a aprovação das medidas que visam alterar os dispositivos constitucionais indigenistas inviabilizaria a regularização das terras quilombolas e as demarcações de terras indígenas.

Certamente, esperamos que o Movimento Indígena e o Movimento Quilombola, assim como, suas assessorias, coordenações, parceiros, parlamentares, Procuradoria Geral da República e outros atores, por meio das diversas formas de mobilizações contrárias a essas medidas, possam impedir o avanço dessas iniciativas e dar mais um passo fundamental na luta em defesa dos direitos dos indígenas e quilombolas.

E o Governo, Presidenta Dilma, tem posição sobre o tema? Esperamos que sim.

Esperamos uma ótima resposta em defesa da constitucionalidade do Decreto 4887/03 junto ao STF, e uma manifestação pública e expressa de que o Governo Federal é contra a alteração da Constituição Federal no que se refere à demarcação de terras indígenas.

Esperamos, ainda, a publicação dos atos que demarcam terras indígenas e regularizam terras quilombolas que se já encontrem aptos para tanto.

Precisamos acreditar, Presidenta, nós do mesmo campo democrático-popular que apostou em sua vitória como uma derrota da direita, que o Governo Dilma cumprirá seu papel na afirmação e defesa de uma posição firme contra os retrocessos, e em favor do aprofundamento das conquistas sociais.

Que os resíduos de esperança sejam festejados em torés e saudações afro-brasileiras, sob os olhares sábios dos Encantados, e ao som da música de Chico César Mama África: “Mama África, tem tanto o que fazer/Além de cuidar neném/Além de fazer denguim/Filhinho tem que entender/Mama África vai e vem/Mas não se afasta de você…”

Eduardo Fernandes de Araújo  é professor do DCJ da UFPB, membro do Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH/UFPB), orientador no Projeto Ymyrapytã: Povos Tradicionais e Meio Ambiente. Fundador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Afrobrasileiros e Indígenas (NEABI/UFPB). Pesquisador e coordenador do GT Povos e Comunidades Tradicionais, Questão Agrária e Conflitos Socioambientais do IPDMS. Diretor da Ong Dignitatis e integrante da Rede Nacional de Advogadas(os) Populares, atualmente é doutorando pela Universidade de Coimbra no Centro de Estudos Sociais (CES) do doutoramento Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI. [email protected]

Maria Augusta Assirati é advogada e mestre em Políticas Públicas pela Escola Nacional de Saúde Pública – FIOCRUZ. Presidiu entre 2013 e 2014 a Fundação Nacional do Índio – Funai, onde antes foi Diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável. Exerceu cargo de Diretora na Secretaria Geral da Presidência da República e de Assessora Especial no Ministério da Justiça. Foi Coordenadora Geral na Secretaria de Gestão Participativa do SUS. Atualmente é doutoranda no Programa Direito, Justiça e Cidadania no Século XXI pela Universidade de Coimbra no Centro de Estudos Sociais (CES).

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Fátima Oliveira: “O CFM não tem a menor noção do que é Saúde da População Negra. Deu atestado de ignorância em sua nota”


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Cláudio

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Sonhando com uma Ley de Medios e postando:
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Cláudio

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Ouvindo A Voz do Brasil e postando:
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David

Google está aí para ser usado. Não sabe ao que o texto se refere? PROCURE! SE INFORME! FORME OPINIÃO! Simples. =)

Mauro Assis

Porque o decreto e a PEC são ruins? Fiquei sem saber, pelo texto, já que esse não diz o que são.

    Fernando Lopes

    O texto está ruim mesmo… Não se consegue saber nem o decreto e a PEC propõe, nem o que dispõe a constituição… Valia a pena o blog publicar algum texto complementar explicativo pois deste texto não dá entender nada!

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