Alexandra Mello: Nada mais cruel do que reduzir as relações humanas a lados opostos

Tempo de leitura: 4 min

por Alexandra Mello, especial para o Viomundo 

Ao buscar no google por alienação parental, encontrei em quase todas as ocorrências o mesmo conteúdo.

Alienador de um lado. Alienado de outro. Vilão. Vítima.

É claro que se trata de uma prática extremamente violenta e prejudicial ao desenvolvimento dos filhos envolvidos.

A questão é se ela não acaba, muitas vezes, sendo atribuída de maneira precipitada e/ou equivocada. E se pensarmos que, na maior parte das vezes, são as mulheres as acusadas de alienadoras, isto se torna ainda mais complexo.

Em muitos casos, a alienação parental é explícita e, portanto, inquestionável. Ainda assim, é preciso investigar com mais cuidado e com mais imparcialidade, onde e como esta disputa teve início.

Não para proteger ou defender o alienador. Mas para se ter uma compreensão mais ampla e menos dicotômica. Se todos os envolvidos puderem ser vistos como parte de uma dinâmica maior, certamente, os resultados ao fim do processo serão muito mais favoráveis.

Suponhamos um casamento de anos, em que tenha ficado para a mulher a responsabilidade maior com os filhos. Desde os cuidados básicos, agenda de médicos, vacinação, aulas, compra de materiais, roupas, presentinhos para os amigos até a percepção maior com relação às necessidades afetivas, doenças, fragilidades, etc.

Será que não é esperado que, ao se separarem, a mulher leve um tempo maior para renunciar com segurança a estas responsabilidades, abrindo espaço para que o pai comece a assumi-las?

Acompanhei alguns casos em que o pai, logo após a separação passou a exigir que a mãe não fizesse qualquer tipo de interferência nas decisões que ele viesse a tomar com os filhos.

Eu pergunto. Isto também não pode ser visto, de alguma maneira, como prática violenta?

Se durante todos os anos em que estiveram juntos, essa divisão de tarefas e responsabilidades foi consensual, não é necessário um tempo para que todos se adaptem a um novo arranjo?

E isso não pode ser construído de uma forma mais cuidadosa e menos belicosa?

Insinuar que a mãe esteja tentando dificultar o vínculo com o pai, ao menor sinal de “interferência” não pode ser um tanto quanto precipitado e cruel?

Ao fazer isso, sem um entendimento maior da maneira como as relações foram estabelecidas naquela família não pode acentuar ainda mais as desavenças que surgem nesse momento de separação?

Na maior parte dos casos, é com a mãe que os filhos menores ficam. E claro, isso é pra ela um alento. Para os pais, uma dor maior.

Por outro lado, ela passa de, uma hora pra outra, a acumular mais funções. Nos casos em que havia uma divisão de tarefas equilibrada e justa, pode ter suas funções dobradas, sem que ninguém se dê conta disso.

Elas, com suas tarefas dobradas, não fazem mais do que suas obrigações. Eles, por cumprirem os seus deveres básicos, são pais incríveis e especiais.

Por que não se pensa também em uma maneira de garantir que as demandas diárias dos filhos continuem sendo responsabilidade de ambos?

Essa sobrecarga não é também uma maneira de privá-la do convívio mais leve com os filhos, sem tantas tarefas e compromissos?

Por que não enaltecemos as mães como fazemos com os pais?

Há dores e perdas para todos. E todos precisam de tempo para assimilar a nova condição.

O casamento é a única relação entre duas pessoas da qual se espera e se exige exclusividade. Como se um possuísse o outro.

Em todas as outras, fidelidade ganha seus outros sentidos mais nobres e mais próximos da lealdade, seu sinônimo nos dicionários. Não é à toa, portanto, que seja o casamento a mais exigente e opressora das relações.

Podemos pensar que a relação entre pais e filhos seja ainda mais complexa. Talvez seja mesmo. Mas a sua condição de perenidade não a coloca em constante ameaça.

Por mais crises que existam, pais continuam sendo pais e filhos continuam sendo filhos. Continuar ou não nesta condição não está em pauta.

Já nos casamentos, há sempre o momento em que um dos dois terá dúvidas se deve ou não seguir adiante. Se quer ou não . Se ama ou não. As razões são as mais diversas. Desgaste, cansaço, renúncias, infidelidade, abusos, crises existenciais, etc, etc.

E nessa hora, a lente faz zoom em tudo aquilo que não funcionou. O que não deu certo ocupa todo o espaço e justifica a decisão, que muito raramente, é tomada por ambos.

É o começo que se faz a dois. Para o fim, basta um. Há os que dizem assim: se tentarem terminar com a mesma cumplicidade e união com que começaram, não terminam.

O que decide precisa tornar feia a história vivida e, por um tempo, negar o tanto de coisa boa que viveram juntos.

Os idealistas resistem: não se maltrata o que já foi tão belo, apesar dos erros, das mágoas, dos enganos, dos vícios, das incertezas.

Chega a hora de culpar o outro pelo fracasso. Hora de olhar de frente pra tudo que até então foi encobert o. De apontar o dedo. De tirar a sujeira debaixo do tapete. De recolher os cacos.

Os idealistas insistem, em vão, em fazer dos cacos um caleidoscópio. Os pragmáticos querem apenas recolher todos numa pá, jogar fora e seguir adiante.

Não há como evitar esse acerto de contas. Afinal, as emoções estão todas muito confusas. Mas até mesmo nessa hora, é preciso que haja uma certa tolerância. Um esforço para que não se comportem como adversários. Ou para que entendam que se isto acontecer, é passageiro e pode, no momento seguinte, ser compreendido e revertido.

Há os que resistem à amizade. Há os que acreditam que amizade nenhuma pode ser mais profunda do que esta entre duas pessoas que compartilharam uma vida.

Há os que precisam focar nos problemas vividos. Há os que precisam guardar os bons momentos no canto mais especial do coração. E garantir que ao menos isso seja preservado e bem cuidado.

Nada pode ser mais cruel para as relações humanas do que reduzi-las a lados opostos. Somos seres complexos demais pra isso. Como dizia Cazuza, “tem o certo…tem o errado… e tem todo o resto”. Termino com um poeta que aos 20 anos já sabe tanto sobre o amor.

PODE IR

vai, mas volta
te deixo solta
porque é mais difícil fugir
quando tá aberta a porta

no fim o amor é isso
(pra nós)
e pronomes possessivos
são só palavras
-sem voz-

nem pertenço,
nem domino
a liberdade fertiliza
meu raciocínio

(Pedro Mello)

Alexandra Mello é psicóloga e psicopedagoga.


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