Adrián Fanjul: Reitor Zago, a greve da USP tem mesmo impacto zero?!

Tempo de leitura: 4 min

Marco Antonio Zago

Reitor Marco Antonio Zago. Foto: Cecília Bastos/Banco de Imagens da USP

Impacto Zero?

A universidade na percepção do reitor da USP

por Adrián Pablo Fanjul, especial para o Viomundo

A greve de funcionários e professores da Universidade de São Paulo já se aproxima aos 80 dias e, longe de decair, o início de agosto, que deveria ser o de um novo semestre, fez com que ela crescesse em adesão, continuando onde já acontecia e incorporando novas unidades.

Apesar de não haver uma informação sobre a porcentagem de não entrega de notas do primeiro semestre pelos docentes, os índices que ela atingiu nas unidades em greve fazem supor que alcançou em torno de um 50% das turmas na universidade como um todo.

Na primeira semana de agosto, a reitoria se viu obrigada a deslocar a “Feira de Profissões” para fora da Cidade Universitária. No campus, paralelemente, auditórios ficaram lotados com as aulas públicas de greve e com os debates propostos pelas entidades representativas de docentes e de técnico-administrativos. Em uma tentativa de quebrar o movimento, já na segunda-feira foi revelado um corte de ponto que alcançou desigualmente setores de funcionários. Mas não adiantou. Às novas paralisações de docentes, que atingiram mais dois centros (o Instituto de Biociências e a escola de Enfermagem), começaram a somar-se as manifestações de colegiados em repúdio a essa medida, caracterizada por muitos como “confisco salarial”.

Depois de uma semana na qual a reitoria não parece mostrar qualquer ponto ganho na sua queda de braço com os grevistas, o reitor Marco Antônio Zago voltou à mídia e, dentre outras aparições, deu uma entrevista, no sábado de manhã, à rádio CBN. Das muitas afirmações do reitor, uma chamou muito nossa atenção, a de que a greve, como tal, não tem “nenhum impacto” (sic), e que o único que teria algum impacto seriam os ocasionais “trancaços” dos portões de acesso ao campus e alguns bloqueios de prédios. O resto, não teria consequências sobre a Universidade. Para Zago, impacto zero.

A avaliação de impacto feita pelo reitor convida a indagar qual universidade está sob sua percepção, a que instituição se refere, se por acaso é a mesma que frequento todo dia desde há 14 anos. Descrever o significado, digamos “extensional”, isto é, aquilo que essa representação da universidade abrange no espaço e nas pessoas, e que não deixaria ver nenhuma consequência prática da greve. E essa descrição nos permitirá perceber algo de outro modo da significação, o “intensional” (sim, com “s”), que indaga os traços que diferenciam um objeto de outros. Não apenas quanto e o que abrange a universidade percebida pela reitoria como “sem impacto”, mas também como ela é, qual é o seu caráter, a quais concepções ela se adéqua.

Essa universidade resulta de vários recortes. Em primeiro lugar, um recorte composicional. Nela simplesmente não existem a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, a Faculdade de Educação, a de Filosofia e Ciências Humanas, a Escola Superior de Agronomia, o Instituto de Biociências, o Instituto de Psicologia, a Escola de Enfermagem, a Faculdade de Saúde Pública nem alguns cursos da Escola de Comunicações a Artes. Todos esses espaços onde não há aulas há meses, ou havia e agora deixou de haver, não pertencem à universidade sobre a qual o professor Zago diagnostica “impacto zero”. E conste que somente relaciono aqueles com aulas paradas, sem entrar no detalhe de laboratórios que dependem do trabalho de técnicos, onde a greve sem dúvida tem maior alcance.

Essa universidade não impactada resulta também de um recorte socioeconômico. Na mesma entrevista, o reitor nos lembra de que a USP fornece alimentação aos estudantes por um preço baixíssimo nos grandes refeitórios conhecidos como “bandejão”. Ora, eles não funcionam desde o início da greve, isso não é “impacto”, não traz consequências para os milhares de estudantes que os frequentam? O recorte do “impacto zero” deixa fora, também, modalidades de acesso ao conhecimento, já que muitas bibliotecas, dentre elas uma das maiores da USP, a Florestan Fernandes, da FFLCH, não funcionam.

O que resta? O que é que não sofre impacto? Como é a universidade “impacto zero”, blindada contra greves, que surge da percepção expressada pelo reitor?

Ela está composta apenas por faculdades e institutos nos quais dificilmente os professores interrompam as aulas porque não têm a universidade como sua principal ocupação, ou porque as fundações privadas que ali atuam permitem um ganho extra, espaços sobre os quais já avançaram projetos de pôr a universidade a serviço de interesses privados. E esses espaços parecem ser o único que existe no panorama percebido, sobre o qual a greve não teria efeitos. É uma universidade que pode prescindir das ciências humanas, e também das biológicas e da saúde se, como agora, setores delas deixam de aceitar as decisões da reitoria e entram em greve. Ou pode pensar em terceirizá-las, como ensaiaram esta semana na Feira das Profissões, contratando pessoal externo porque os professores do Instituto de Psicologia e da Faculdade de Educação decidiram não participar do evento.

Essa universidade na qual não se percebe “nenhum impacto” é frequentada por alunos que não necessitam um restaurante econômico. Também não necessitam biblioteca, podem comprar ou baixar da internet (muitas vezes, pagando) tudo que devem ler, e o que não está nesses espaços, não importa, não se lê.

Não é difícil perceber o que prefigura essa representação de universidade, nem como ela é distante de uma universidade pública e de qualidade voltada para a democratização do acesso ao conhecimento.

Porém, o que mais espanta na percepção de “não impacto” manifestada pelo reitor tem a ver com outro lugar cuja existência precisa ser negada nessa avaliação: o Hospital Universitário, em greve pela primeira vez em 30 anos.

No mesmo dia em que Zago dava a referida entrevista à CBN anunciando que a greve nada afeta, os principais jornais de São Paulo dedicavam amplas matérias à paralisação do HU e às duras consequências que ela acarreta. E uma informação se repetia, independente dos pontos de vista a partir dos quais era avaliada: a decisão da reitoria de cortar o ponto dos funcionários longe de restabelecer a “ordem” piorou imediatamente a situação: “o equilíbrio instável foi para a falta de equilíbrio”, em palavras do diretor médico do Hospital, José Pinhata Otoch a O Estado de São Paulo. O médico informa ainda que 80% das 8.000 consultas agendadas para julho não foram feitas, bem como 320 cirurgias.

A partir de que percepção pode alguém com responsabilidade pública afirmar que essas ocorrências equivalem a um “impacto zero?”

A intransigência se torna irracionalidade de visão pequena quando é levada ao extremo da negação do adversário.

Adrián Pablo Fanjul, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

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Comentários

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Wilton Lima

Todas as vezes em que a USP se torna o foco das discussões os comentários e opiniões divergem por conta da USP ser considerada uma entidade de “elite”, ou que se está priorizando isso ou aquilo em detrimento da escola básica. Talvez, todos nessa discussão estejam corretos. O fato é que graças aos docentes e funcionários é que a USP é considerada a melhor universidade do país. Os culpados pela crise gerada não são esses trabalhadores e sim de quem a gerencia e, portanto, eles deveriam estar prestando contas com o TCU e principalmente com o governador do Estado. Nenhum desses trabalhadores também, são culpados pelo sistema de ingresso em universidades públicas. Qual a sugestão para o impasse? Tornar a USP tão ruim quanto o ensino básico? Ou tentar transformar o ensino básico tão bom quanto a USP. Aos invés de se estar apontando a USP como vilã, deveríamos estar cobrando o poder público por buscar formas de tornar o ensino público de base, tão eficiente quanto o que encontramos nas universidades públicas. Para que isso aconteça, é necessário sim, pagar bem. Se tivéssemos hoje em escolas municipais e estaduais a qualidade de ensino que temos hoje na USP, o acesso a ela não se tornaria um verdadeiro abismo para quem não pode pagar uma escola particular de ponta. Isso sim, seria uma democracia.

Valdir

Caros Azenha e Conceição Lemes,

Poderiam publicar este manifesto dos docentes da Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto, à propósito da atual greve das Universidades Públicas?

http://www.if.usp.br/pub/temp/CARTA_ABERTA.doc

    Conceição Lemes

    Vamos postar, sim, Valdir. Obrigada. abs

    Paulo F. Obase

    Prezado Valdir,
    Gostaria de saber se o “manifesto dos docentes da Faculdade de Direito da USP de Ribeirão Preto” é uma posição oficial dessa Faculdade. Se sim gostaria do link para poder passar para mais pessoas.
    Desde já grato.

    Ribeirãopretano

    Caro Paulo,

    Essa foi uma versão prévia da carta, que foi divulgada antes de ser assinada pelos docentes. Não é a posição da Unidade, até porque nem foi discutida pelos colegiados da FDRP, mas apenas dos que a subscreveram. Um abraço.

augusto2

minha sobrinha nao está podendo nem comprar sua MEIA passagem de onibus no sistema SPTrans em funçao da greve de funcionarios. Todos nessa situaçao pagam o dobro, diariamente.

Leila

Esse cara está acabando com a USP !!!

Jair Almansur

Essa Universidade, reduto racista da elite branca, de grátis nao tem nada. Custa verdadeira fortuna subtraída das creches e ensino fundamental de nossa periferia negra. Que vão grevistas e Zago a pop.

    A… F…

    Prezado Jair Almansur,
    Acredito que você tenha “provas consistentes” para publicar tal AFIRMAÇÃO:
    “…custa verdadeira fortuna subtraída das creches e ensino fundamental…”
    Pois imagine-se (apenas como suposição) diante de uma possível “ação”? Acredito que precisaria provar o que – aparentemente – afirmou.
    E outra, quando escrever algo como: “…vão grevistas e Zago a…” é bom que conheça a fundo ambos posicionamentos, pois desabafar nos comentários, qualquer pessoa pode. Esteja o comentarista com a razão ou não.
    A propósito, trabalho na USP e sei de alunos que beiram a mendicância. A classe dos alunos é formada por todas os níveis sociais, raças, naturalidades, etc…
    Um Grande Abraço!

    Pedro Ramos de Toledo

    Sei não, mas parece que rolou um “despeito” aqui. As verbas que alimentam as Universidades Paulistas tem origem diversa dos recursos da Educação. Tem que fazer a lição de casa, meu caro. Abobrinha não é abacaxi.

    Vinicius Rodrigues

    Minha mãe é professora de ensino básico e ganha uma miséria. Não sou da peliferia, mas não sou da elite também e me sinto ofendido pelo seu comentário.

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