A terceira morte de Vlado e os servidores do Arquivo Nacional

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A respeito do texto de autoria do Ricardo Kotscho, publicado no Balaio (clique aqui) e reproduzido pelo Viomundo (clique aqui), registro o recebimento de nota da Associação dos Servidores do Arquivo Nacional:

Em recente artigo intitulado “A terceira morte de Vlado Herzog”, publicado no dia 19/2, o jornalista Ricardo Kotscho expôs as já conhecidas dificuldades interpostas à consulta no Arquivo Nacional de documentos da época da ditadura militar. É o segundo caso recente de repercussão na mídia de denúncia contra o AN referente a embaraços no acesso aos documentos.

Esses embaraços são fruto direto das opções das políticas públicas (ou ausência delas) sobre a questão. Entretanto, no domingo, dia 20/2, o Portal IG publicou declarações do diretor-geral do Arquivo Nacional nas quais ele atribui o episódio a um “mal-entendido” e que o jornalista, no caso, seria atendido sem ter que apresentar todas as documentações exigidas anteriormente a ele.

Não há mal-entendido algum. O que há são peças legais e regulamentares, principalmente, suas interpretações, e diretrizes de dirigentes de arquivos públicos, que restringem o direito constitucional à informação pública (inciso 33 do art. 5 da CF, “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral”) a ponto de, na prática, virá-lo do avesso.

Ao atribuir publicamente o problema ocorrido a um “mal-entendido” e dar o caso por resolvido, o diretor-geral desvia o foco da opinião pública do cerne da questão – as severas restrições em vigor ao acesso à informação pública – e permite que esta responsabilize então o servidor público que realizou o atendimento (citado no artigo) pelo “entendimento errôneo”. Os servidores que simplesmente cumprem seu trabalho de acordo com as diretrizes que lhes são dadas pelas suas chefias, que cotidianamente convivem com as dificuldades impostas aos consulentes por essas orientações, não podem ficar de “bucha de canhão”, questionados inclusive quanto ao exercício de suas profissões, quando tomam repercussão pública os problemas causados pela falta de uma política que garanta de fato o acesso aos documentos que são de interesse geral de todo cidadão brasileiro.

Por esse motivo, a Assan cobra que o senhor diretor-geral do Arquivo Nacional se retrate junto ao servidor – e, através deste, a todos os demais que desempenham funções relacionadas ao atendimento a consulentes – por suas declarações prestadas à imprensa.

Não se trata de resolver o caso de um jornalista conhecido ou de quem tenha relações pessoais com autoridades públicas que os fizessem merecedores de tratamento diferenciado. Trata-se de enfrentar o problema da contribuição que as práticas e as normas vigentes nos arquivos públicos emprestam à cultura do sigilo e do silêncio. A Associação dos Servidores do AN é solidária aos movimentos que lutam pela abertura dos arquivos da ditadura e, por esse motivo, em dezembro passado enviou contribuição ao então governo de transição que, em um dos seus pontos, abordava o que segue:

Para abrir os arquivos, abrir o Arquivo

A Assan manifesta sua mais alta solidariedade a todos os segmentos da sociedade civil e movimentos sociais que lutam pela abertura dos arquivos da ditadura. Todos sabemos da sensibilidade política que o tema da abertura dos arquivos da ditadura desperta na sociedade, e o Arquivo Nacional, como órgão vinculado à Casa Civil e tendo seus dirigentes nomeados pelo governo, não está ao largo disso, mas repudiamos que haja qualquer forma de interferência ou controle de caráter político que restrinja o acesso a informações públicas, privilégios ou limitações que não aquelas que estejam claramente estabelecidas em lei ou regulamento. No momento em que tramita o PLC 41/2010 no Congresso, chamamos a atenção para a necessidade de se superar a insegurança jurídica em torno da questão da liberação do acesso aos documentos.

Há hoje uma disputa de interpretações que leva a diferentes orientações em instituições arquivísticas e, o que é principal, lamentavelmente serve de pretexto para que se crie nesses órgãos mecanismos de controle e restrição, favorecendo a cultura do segredo e permitindo eventuais manipulações. É necessário estabelecer regras claras as quais estejam submetidos os arquivos públicos e que, inclusive, estabeleçam salvaguardas jurídicas para seus profissionais.

É de fundamental importância estabelecer uma política séria de acesso à informação no Brasil, que estabeleça a abertura da documentação como norma geral e livre o país de uma “tradição do sigilo” identificada por diversos especialistas nos recentes seminários realizados sobre o tema no Arquivo Nacional e na Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Especificamente no Arquivo Nacional faltam normas claras e procedimentos unificados que favoreçam o acesso, ausência essa que só fortalece essa cultura do silêncio, como exposto na recomendação feita pelo MP ao órgão sobre a questão.

Além disso, as sucessivas reportagens – como a da Carta Capital, que apontou a relação obscura entre a direção do Arquivo Nacional e a Associação Cultural do Arquivo Nacional – Acan –, repleta de militares e civis ligados ao antigo regime; ou a repercussão da renúncia dos historiadores Carlos Fico e Jessie Jane ao conselho do Memórias Reveladas – apontam para a necessidade de uma clara redefinição política do governo federal sobre o assunto.

O debate sobre o pleno exercício do direito à informação pública, que abarca muito mais do que os arquivos da ditadura, deve ser objeto da atenção não apenas de estudo interno do Ministério da Justiça, mas de toda a sociedade civil, dos movimentos sociais e da academia ligados ao tema.


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Comentários

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Julio Silveira

Nesse e em outro interins estou cada vez mais decepcionado com os rumos que este governo está tomando. Pior que a minha decepção é a crença cada vez maior de que foi feita uma opção pela capitulação aos interesses dos que sempre dominaram a população pela coação e pelo arbitrio. O Lula foi um presidente muito competente na ampliação de beneficios a uma camada da população, sempre muito assistida nos discursos politicos, mas desassistida de fato. Ainda assim, nada fez que garantisse nas instituições a preservação dessas conquistas, independente de governos. O que fez foi muito mais um ato de se garantir pelas camadas sociais que beneficiou, como uma prisão aos seus seguidores, pelo completa orfandade que viviam. Nesse aspecto agiu como qualquer coronel, garantindo feudo a si e a seus seguidores, sem nenhuma garantia que ali na frente, havendo mudança politica, haverá a continuidade dos beneficios.

Alvaro Tadeu Silva

Simples assim: determinar o tempo de sigilo de documentos oficiais produzidos DURANTE A DEMOCRACIA. Abrir TODOS os documentos produzidos durante a Ditadura. Julgamento de todos os funcionários públicos, civis e militares, envolvidos em torturas. Extinção imediata das aposentadorias e pensões dos considerados culpados. Proibição de logradouros públicos com nome dos envolvidos em torturas e no Golpe. Expusão post mortem das Forças Armadas de todos os envolvidos em torturas. Os livros de História do Brasil devem citar, expressamente e de forma definida em lei, que Castelo Branco, Costa e Silva, Médici e Figueiredo foram ditadores usurpadores do poder. Ponto.

    beattrice

    Só para constar, na Argentina não se localiza nem um beco com o nome do Videla ou do Massera, enquanto nestas bandas…

abarbosafilho

Infelizmente, nossa América Latina não tem duas Cristina Kirschner. Nem um Alfonsín, sequer….

abarbosafilho

Não é admissível que documentos que estão em poder do Estado, e são públicos, sejam negados a um pesquidaor da maior honorabilidade. Ridículo é que funcionários públicos desconheçam quem é Audálio Dantas.
O ministro deve saber do que se trata. A direção do Arquivo Nacional também.
Ou estamos tratando com um bando de incompetentes do partido do holetite?
Numa Democracia, tal omissão e grosseria daria algumas demissões, e muitos pedidos de desculpas.

SILOÉ

Não é só abrir os arquivos que importa. Não podemos ficar calados enquanto os algozes da ditadura ficarem impunes. É fundamental que se faça JUSTIÇA, sem a qual, jamais conseguiremos virar esta página manchada de sangue: a mais cruel e covarde de toda história do Brasil.

luis

Tudo isso é fruto de uma mal resolvida situação. Quando nossa corte maior entende que torturadores, estupradores e assassinos devem ser ignorados perante a lei, isso que está ocorrendo é parte e consequencia disso tudo.
Nossa sociedade tem que se mobilizar no sentido da construçao de nossa verdadeira história. Temas que são tabus estão mais do que na hora de serem esclarecidos. Entre eles estão a punição a todos os servidores públicos que praticaram crimes contra a humanidade.
Que a suprema se envergonhe do que fez e ratifique as determinações de tribunais internacionais.
É uma grande vergonha para o pais ficar a merce de meia duzia de idiotas que fazem pressão para que não contemos direito nossa história

Hélio Jorge Cordeiro

Não tenho certeza, mas nos arquivos do Congresso dos Estados Unidos da América tem muitasinformações acerca dessa época ainda obscura de nossa história. É só tentar consultar os arquivos americanos e ver o que lá existe a esse respeito.

Regina Braga

Parece a história da escrivã…Abafa tudo.Quem disse que a ditadura acabou? Só acaba qdo as punições ocorrerem.Ou deveriamos ficar de olhos fechados no caso da escrivã? Entaõ,Ministro,vamos esconder os erros do passado e do presente?Foi revanchismo o afastamento dos delegados?

Aracy_

Quem não teme não esconde.

Ceiça Araújo

Sou cidadã, mãe e professora brasileira. Quero saber a verdade de nossa história política, para poder falar sobre ela com conhecimento e segurança. Temos esse direito! Por que tanto mistério? Qual o medo? O tempo do "cala a boca" já morreu!

jaime

É exatamente assim que a burocracia substitui a democracia – ou nos dá uma democracia maquiada, a qual é, por baixo da máscara, pura burocracia. Não é só no Arquivo Nacional que isso acontece. Dê um giro de horizonte e vai ver, tudo está infestado por essa erva daninha. É um faz de conta, uma democracia de papel.

Damiel Vieira

ives qqer coisa martins, defende que o passado, passou, tem porque desenterrar defunto. Sim foi isso mesmo que li numa revista hoje, "destaque",salvo engano. Judiciário tem poder infinito, eterno?

    beattrice

    O seu ives qualquer coisa é porta-voz do OPUS DEI que apoiou Franco que apoiou Hitler, precisa ter mais referência deste senhor?

Luci

O paredão formado por atores do período ditatorial não permitirão abertura dos arquivos.O professor Fábio Konder Comparato escreveu "A Servidão Voluntária", que espero que o Vi o Mundo publique. Ou nos conscientizamos da realidade que nos cerca ou acreditamos em Papa-Noel. Precisamos um combate à miséria das mentiras.

FrancoAtirador

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SERÁ POR ISSO QUE EXISTE "TRÁFICO DE INFLUÊNCIA"?
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Roberto Locatelli

Todos os países da América Latina que tiveram ditaduras (implantadas pelo Tio Sam, diga-se de passagem) já acertaram as contas com o seu passado. Muitos ditadores e torturadores estão na prisão. É o caso, por exemplo, da Argentina.

Só o Brasil vive essa situação absurda. Enquanto militantes de esquerda foram processados, presos, torturados, estuprados e assassinados, os agentes da ditadura são protegidos das punições.

Joel Bueno

Espero que minha opinião seja publicada aqui. O Ricardo Kotscho não permitiu que eu opinasse no seu próprio blog. Problemas políticos à parte, o Arquivo Nacional pediu ao jornalista Audálio Dantas três documentos para dar acesso aos documentos: certidão de óbito, certidão de casamento e procuração da viúva. Um negócio burocrático, é verdade. Mas será que a Clarice Herzog gostaria de ter os dados de seu marido devassados por qualquer um, sem a sua autorização? Seria assim tão difícil conseguir esses documentos?

A reação dos dois jornalistas – Audálio Dantas e Ricardo Kotscho – foi lamentável: um tremendo "você sabe com quem está falando?" e a tentativa de conseguir "por cima" a autorização – repito, sem nenhum documento que validasse a pretensão.

Não estou fazendo juízo de valor sobre o Arquivo Nacional, sobre a abertura de processos da ditadura, sobre a possivel influência da arapongas. Minhas considerações são restritas ao fato, segundo o relato do próprio Kotscho.

O Brasil seria maravilhoso, se todo ranço autoritário fosse de remanescentes do regime militar, um "entulho" a ser varrido, se não de outra forma, pelo tempo. Temos uma cultura autoritária. Alguns são "mais iguais" que os outros, ou pretendem ser. Inclusive bravos companheiros da esquerda… que pena.

    Pardalzinho

    Caro Joel, aconteceu o mesmo comigo… O Kotscho não publicou meu comentário que, em linhas gerais, mas num português mais pobre que o seu, dizia mais ou menos a mesma coisa. Aqui mesmo no Azenha fui massacrado; logo eu, tão alinhado com o posicionamento político da maioria dos frequentadores progressistas que aqui comparecem regularmente. Abraços.

    SILOÉ

    Pardalzinho;
    Nós temos o direito de discordar de vez em quando de qualquer um.

    Pardalzinho

    Concordo, SILOÉ… Eu também tenho. Abraços.

    Carlos Antonio

    Concordo plenamente Joel,

    Não justificando a burocracia do Arquivo Nacional e a falta de legislação mais flexível a seu acervo, mas temos em todas as áreas , pessoas que se acham acima de regulamentos. No transito isso se torna mais evidente.

Beto Crispim

Bem melhor que o texto, que mais parecia "dor de cotovelo" do Ricardo Kotscho. Além de esclarecedor é propositivo. Vamos nos juntar à ASSAN e deflagrar uma grande campanha pela normatização do acesso aos Arquivos públicos. Chega da "cultura do segredo" nos Arquivos públicos, façamos valer a lei (inciso 33 do art. 5 da Constituição Federal. Azenha, podemos começar por aqui.

    marta

    e vc acredita q não estamos mais tendo aula sobre a ditadura no curso de historia da unesp de franca????

    Márcia Aranha

    Você só pode estar de brincadeira… Isso é realmente sério? Você tem como provar isso? Em caso positivo, o nome do curso deve ser imediatamente mudado para Estória.

    Jairo_Beraldo

    Zezão Cardozo tem mais o que fazer que liberar o acesso aos Arquivos públicos….zelar pelos interesses de Daniel Dantas, o dono do Brasil!

    Beto Crispim

    Camarada Jairo, não morro de amores pelo Zé Eduardo. Porém creio que devemos deixar a "paixão" de lado, esta dificuldade de se ter acesso aos arquivos não é especifico do Arquivo Nacional, outros também trazem as mesmas ou piores e ainda que fosse só do AN, bom lembrar que o Zé Eduardo acabou de assumir o Ministério e que a guarda do mesmo a pouca mais de um mês era da Casa Civil e os problemas eram os mesmos. Não vamos esquecer que FSP teve de receorrer a Justiça para acessar informações sobre a Dilma e nós ficamos torcendo para não conseguirem, pois não sabiamos como eles "manipulariam" as informações. Insisto, é preciso regulamentar o acesso a todos os Arquivos públicos, uma legislação que retire todos os entraves, conforme determina a CF. Porém, não podemos abrir mão de resguardar a privacidade das pessoas e de seus familiares.

Henderson Sousa

O Brasil vive um momento de concórdia.Não há, pois, motivos para que voltemos a este assunto.
O Brasil em sua totalidade já superou essa época. Infelizmente, pessoas (esquerdistas) há que inda querem ver o circo pegar fogo.

Saudações democráticas.

    Elton

    O mesmo 'papinho aranha" de sempre. Nessa hora entram os direitistas dando uma de "turma do deixa disso".

    Jorge Leite Pinto

    Este é o tipo do comentário que os "filhotes da ditadura" gostam. "Momento de concórdia"? Sobre o que? Acabamos de ser condenados na corte internacional sobre este assunto. O Brasil AINDA NÃO SUPEROU NADA, muito pelo contrário, Henderson… E o Brasil precisa urgentemente tirar esta sujeira a limpo, justamente para deixar de ser considerado "um circo", neste assunto…

    Maria José Rêgo

    Henderson, não concordo com você. A verdadeira história recente do Brasil precisa ser revelada. Doa a quem doer. Então meus netos não vão saber que houve uma ditadura feroz no Brasil onde centenas de jovens idealistas, jornalistas e políticos foram torturados e assassinados? Para pessoas que tiveram familiares como vítimas, esses fatos não foram superados. Coloque-se no lugar de um deles.

    Ramalho

    Entendo o seu ponto. Por outro lado, imagine que sua filha, ou sua mãe, foi presa no período da ditadura, espancada, torturada, violentada, morta, que tenham dado sumiço no seu corpo e que os criminosos continuem soltos por aí, gozando uma boa vida. Você certamente não teria superado essa época, tampouco a superaram os que foram violentados naquela época.

    Não se trata de esquerdismo, ou direitismo, meu caro, mas de justiça.

    SRN.

    Pardalzinho

    Perfeito, Ramalho…

    Silvio

    Henderson:
    Voltamos novamente às palavras chaves históricas do Brasil. A concórdia, vamos a colocar todo baixo do tapete. Não vamos abrir nenhum documento ao público, porque pode chocar a sensibilidade de um povo cordial etc.etc. Desta forma desde os tempos imemoriais Brasil vem sofrendo de essa concórdia, que no e mais que negociatas, conversam mole, conversa de bastidores, arreglos políticos entre amigos.

FrancoAtirador

http://wikileaksbrasil.org/?page_id=26

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