A questão étnico-racial na educação do país: CNE está aberto ao debate

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Tendências/Debates

na Folha de S. Paulo

Antonio Carlos C. Ronca, Francisco Aparecido Cordão e Nilma Gomes

É preciso considerar quem são os leitores e que efeitos de sentidos, usos e funções serão atribuídos a uma determinada obra literária na atualidade

O Conselho Nacional de Educação (CNE) tem função normativa e é sua atribuição, como órgão de Estado, pronunciar-se sobre temas relativos à educação nacional. A questão étnico-racial é um desses temas.

Recentemente, a Câmara de Educação Básica (CEB) aprovou, por unanimidade, o parecer CNE/CEB nº 15/2010, com orientações quanto às políticas públicas para uma educação antirracista, no qual faz referência ao livro “Caçadas de Pedrinho”, de Monteiro Lobato.

O referido parecer foi elaborado a partir de denúncia recebida, e no seu posicionamento apresenta ações e recomendações; dentre estas, reafirma os critérios anteriormente definidos pelo MEC para análise de obras literárias a serem adotadas no Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE).

Em nenhum momento a CEB cogitou a hipótese de impor veto a essa obra literária ou a outra similar, impondo qualquer forma de censura, discriminação e segregação, seja com relação a grupos, segmentos e classes sociais, seja com relação às suas distintas formas de livre criação, manifestação e expressão.

O CNE entende que uma sociedade democrática deve proteger o direito de liberdade de expressão e, nesse sentido, não cabe veto à circulação de nenhuma obra literária e artística. Porém, essa mesma sociedade deve também garantir o direito à não discriminação, nos termos constitucionais.

Reconhecendo o importante valor literário da obra de Monteiro Lobato, especificamente do livro “Caçadas de Pedrinho”, mas também sendo coerente com todos os avanços da legislação educacional brasileira, o parecer discute a presença de estereótipos raciais na literatura e apresenta sugestões e orientações ao MEC, à editora e aos que atuam na formação de professores.

Uma dessas orientações é a de que a editora tome o mesmo cuidado em relação à temática étnico-racial como o que já foi adotado em relação à questão ambiental no livro, sugerindo a inclusão, na apresentação, de uma nota de esclarecimento, a fim de contextualizar a obra, sem perder de vista o seu valor literário.

Mais do que focar a análise no autor em si, o que está em questão é colocar em pauta a necessária discussão sobre a temática étnico-racial na educação e sua efetivação como política pública.

O CNE está aberto ao debate. A repercussão do seu posicionamento revela o quanto ainda é preciso falar sobre a questão racial e discutir formas de superação do racismo e o quanto esse é um tema de interesse nacional.

Os receios, as ressalvas e os apoios feitos ao parecer são compreendidos pelo CNE, especialmente no que tange à necessidade de se contextualizar obras clássicas.

Entendemos que, assim como é importante o contexto histórico em que se produziu a obra, tão ou mais importante é o contexto histórico em que se produz a leitura dessa obra. É preciso considerar quem são os leitores e que efeitos de sentidos, usos e funções serão atribuídos a determinada obra na atualidade. A obra permanece, mas os leitores e a sociedade mudam.

É em função desse novo contexto que cabe, sim, interrogar em que condições a sociedade e, sobretudo, a escola lerão obras produzidas em momentos nos quais pouco se questionava o preconceito racial e o racismo. O propósito central do parecer e do CNE é, portanto, pautar a questão étnico-racial como tema relevante da educação nacional.

Antonio Carlos Caruso Ronca é  presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE).

Francisco Aparecido Cordão é presidente da Câmara de Educação Básica do CNE.

Nilma Gomes é a relatora do parecer nº 15 da Câmara de Educação Básica do CNE.


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Comentários

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ariany

como esta caindo as mascaras do povo?Por que?

Baixada Carioca

É o seguinte: pra debater um tema como esse, é preciso colocar a disposição o trecho do conto Caçadas de Pedrinho assim como partes do parecer que aceita as argumentações do professor que fez a observação junto ao MEC.

Os racistas vão continuar a existir e continuarão a existir aqueles racistas que acham que não são racistas, mas vivem falando bobagens e aviltando negros e negras. Se estes não forem educados para que se aceitem enquanto racistas para combater essa educação eurocêntrica que tivemos nos longos anos de escolaridade.

continua…

    Baixada Carioca

    continuação

    Ana Maria Gonçalves nos presenteia um excelente texto para reflexão:

    "'Só porque eu sou preta elas falam que não tomo banho. Ficam me xingando de preta cor de carvão. Ela me xingou de preta fedida. Eu contei à professora e ela não fez nada''

    [Por que não querem brincar com ela]''Porque sou preta. A gente estava brincando de mamãe. A Catarina branca falou: eu não vou ser tia dela (da própria criança que está narrando). A Camila, que é branca, não tem nojo de mim''. A pesquisadora pergunta: ''E as outras crianças têm nojo de você?'' Responde a garota: ''Têm''.

    Depoimento de crianças de 6 anos no livro "Do Silêncio do Lar ao Silêncio Escolar: racismo, discriminação e preconceito na educação infantil", de Eliane Cavalleiro – Editora Contexto

    Colocando-se no centro da discussão, como se a "censura" não existente ao livro de Lobato as ofendesse pessoalmente, e como se fosse só isso que importasse nessa discussão, tenho visto várias pessoas fazendo os comentários mais absurdos, inclusive interpretando e manipulando outros textos ficcionais de Lobato para provar que ele não era racista, ou que era apenas um homem do seu tempo.

    Algo muito importante que não devemos nos esquecer é que nós também somos homens e mulheres do nosso tempo, e que a todo momento estamos decidindo o que a História escreverá sobre nós. Tenho visto também levarem a discussão para o cenário político, no rastro de um processo eleitoral que fez aflorar medos e sentimentos antes restritos ao lugar da vergonha, dizendo que a "censura" à obra de Lobato é mais um ato de um governo autoritário que quer estabelecer a doutrina de pensamento no Brasil, eliminando o livre-pensar e interferindo na sagrada relação de leitores com seus livros.

    continua…

Regina

Descupem, mais o Lobato foi o homem mais julgado da literatura…até suas posturas políticas como- O petróleo é nosso…Querem fazer um debate prá valer,VAMOS FAZER!!!! Vamos deixar o Lobato fora,pois foi acusado pela Igreja de permitir o casamento da Emília com o Visconde de Rabicó.Vamos falar do cursos Universitários como a Uniban,o Mackenzie…Vamos falar das Universidades que ainda estaõ nas maõs de brasileiros – Parece que é só a Unipe…Querem inovar,VAMOS FALAR DE VALÔRES HUMANOS OU DIREITOS HUMANOS SE PREFERIREM…Vamos começar a ensinar a tolerância…Vamos começar a nos preocuparmos, Naõ, com o Lobato mas com a qualidade dos professores e com os secretários de educaçaõ que aplicam a exclusaõ…Chamem a Marilene Chauí para ver o que ela acha? Meu voto é prá ela começar um debate real!!!!

Josélia Bonfim

Sinceramente? Creio que quem quiser debater com seriedade esse asunto, deve se dar ao trabalho de ler:
Lobato: Não é sobre você que devemos falar, de Ana Maria Gonçalves. Ajuda muito pra gente não falar besteira.
Recomendo: http://www.geledes.org.br/em-debate/lobato-nao-e-
APENAS UM TRECHINHO: "Fique um pouco de tempo lá, no lugar dessa criança, e tente entender como ela se sente. Herdeira dessa ferida da qual ela vai ter que aprender a tomar conta e passar adiante, como antes tinham feito seus pais, avós, bisavós e tataravós, de quem ela também herdou os lábios grossos, o cabelo crespo, o nariz achatado, a pele escura. Dói há séculos essa ferida"

Magda Mª Magalhães

Para dizer a verdade, o que sei a respeito de Monteiro Lobato são as suas obras. Li uma minima biografia. Não acho que em "Caçadas de Pedrinho" há uma conotação racista. No livro existem frases que, se ditas hoje, considerando o patamar em que se encontra a sociedade, podem ser classificadas de racistas. Mas analisando a época e o contexto dos livros de Monteiro Lobato, não as considero racistas. Os autores deste artigo dizem que "O propósito central do parecer e do CNE é, portanto, pautar a questão étnico-racial como tema relevante da educação nacional." Discordo pois, entendi que o parecer estava vetando a obra para distribuição nas escolas, por nela se encontrar frases onde as ações da preta Tia Anastácia foram comparadas as ações de uma macaca. Este veto privaria as crianças brancas, negras, amarelas e vermelhas de literatura de qualidade, de sonhos. Quem nunca sonhou em morar em um sítio como o de Dª Benta?
O que é preciso mudar? Introduzir a história dos negros nos livros de História, tratando-os com respeito e fazendo com que crianças, sejam lá de que raça fôr, passem a se orgulhar deste povo trabalhador. Foram os negros que levaram o Brasil nas costas, depois de sequestrados de seus países e feitos escravos por quase quatrocentos anos, sem receber recompensa. Este trabalho deve visar, primeiramente, melhorar a autoestima dos negros. Concomitantemente, ensinar a todas as crianças a respeitarem pessoas de cores diferentes – a raça é uma só, humana.
Também sou a favor de ações afirmativas e campanhas contra o preconceito. Nunca vi tanta gente de olhos azuis como na televisão brasileira. A maioria do povo que vejo nas ruas, pelo menos em Minas Gerais, têm olhos cor de jabuticaba.
Não vou passar a chamar a Zezé Motta de afrodescendente, a não ser que me obriguem por lei. E, como todos são iguais perante a lei, passarei a chamar a Xuxa de eurodescendente.

    Jair de Souza

    Pois é, Magda, recomendo a você que leia o parecer. Sem ler, a gente acaba repetindo o que outros que também não leram andam dizendo.

ROSI SOUSA

Mario, não simplifique as coisas.
Imbecil e estúpido é não perceber que livros como este, entregues às crianças sem nenhum tipo de ressalva podem trazer sérias consequências, como por exemplo, o uso dos termos ali usados para bullying.
Caso você seja negro, o que eu duvido, senão entenderia o que está sendo falado, gostaria que alguém dissesse a sua filha na escola que ela parece um a "macaca de carvão"?
Monteiro pode não ter tido a intenção de ser racista. Eu não o qualifico como tal. Mas, com certeza, o papel reservado aos negros em suas obras não é dos mais dignificantes.Sei podemos encontrar outros escritos mais interessantes e menos conflitantes para entregar aos nossos filhos. Livros, que entre outras coisas possam promover a convivência e o respeito à diversidade humana..

Mário Salerno

Tenho pena do Monteiro Lobato, e ainda mais pena das crianças. Enxergar racismo em Monteiro Lobato é uma das afirmativas mais imbecis e estúpidas que vi nos últimos tempos.

    Paulo Afonso

    Onde está a imbelicilidade, mestre? Não julgue os outros por si. Com certeza és branco. E nesse assunto a tua opinião não vale um centavo de real. E sabe por que? Porque por mais que um branco seja solidário com quem sofre racismo – O QUE NÃO É O SEU CASO REALMENTE – eles jamais saberão o que é o racismo, pois só sabe o poder destruidor do racismo quem o sente.
    Se tua família não te ensinou a respeitar as outras pessoas, é uma pena, mas a JUSTIÇA pode ainda te dar limites. Os limites que fazem de você uma pessoa desrespeitosa e ridícula.
    É uma abuso de liberdade de expressão a sua postura antidemocrática de dizer que os respeitáveis professores doutores: Antonio Carlos C. Ronca, Francisco Aparecido Cordão e Nilma Gomes, são imbecis

    Mário Salerno

    Não se sinta sozinho, Paulo. Você também é.

    Cléo

    Concordo. E parece que todo mundo esqueceu do Saci. Maurício de Souza tem algum personagem negro tão carismático? Cresci vidrada em Sítio do Pica-pau Amarelo. O Saci é o máximo. Pro meu filho, de 4 anos, mais ainda. Adora. Nem eu nem ele somos racistas. Mas esse é o menor dos males. Maldita liberdade de expressão. Com ela a gente tem de aceitar QUALQUER EXPRESSÃO. Povo fala que quer a danada mas pretende proibir Caçadas de Pedrinho??? Quá quá quá. Participei de um grupo na Unicamp que fazia leitura para crianças. Ganhamos mais de 100 gibis da turma da Disney. Jogaram no lixo pq incentivam o "capitalismo desenfreado". E pessoal contra racismo vem falar de LIBERDADE???? Quá quá quá again. É liberdade qdo é a minha, é isso? Dos outros não vale, pego a bola, que é minha, e acabou o jogo na rua? Me poupe, por favor. Ofendeu sua honra? Foi caluniado? Sofreu injúria? Difamaram vc? Nããõoo??? Então segure sua onda. Não compre, não leia o livro. Simples assim. Do mesmo jeito que pode ter passeata gay, pode ter homofóbica. Pode ter neonazista e pode ter a favor de afrodescendentes e nordestinos. Não quero que meu filho viva num país onde só leia obras edificantes. Quero que viva num país onde possa escolher o que ler. Simples assim. Liberdade.

Orlando

Acho que estão caindo as máscaras. Enfim, é bastante salutar esse debate, embora tardio, em relação à questão étnica no Brasil. Nosso muro da discórdia/vergonha – a farsa da democracia étnica brasileira – começa, finalmente, a ruir.

A consciência de que, no Brasil, somos racistas não irá, de forma alguma, acabar com o racismo. No entanto, seremos menos hipócritas.

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