O naufrágio do plano de Aécio de incentivar turismo em Montezuma

Tempo de leitura: 7 min

20140810_184928

por Luiz Carlos Azenha, de Montezuma, em Minas Gerais

Houve um tempo em que as piscinas do balneário de Montezuma, na região do Alto Rio Pardo, em Minas Gerais, ficavam abarrotadas de gente.

A foto acima foi feita diante de um dos restaurantes da cidade, de comida muito honesta, numa recente noite de domingo.

O vazio de uma das principais ruas do centro reflete a “maldição” que se abateu sobre o município, de mais ou menos 8 mil habitantes, desde que o prefeito decidiu reformar o balneário.

A dona do restaurante nos disse que sobrevivia “de teimosa”, graças especialmente às quentinhas que fornece a moradores da cidade.

Oficialmente, o incentivo ao turismo foi a explicação dada pela assessoria do candidato Aécio Neves para a reforma do aeroporto de Montezuma, que custou cerca de R$ 300 mil e foi feita quando ele era governador de Minas Gerais. O aeroporto, nunca homologado pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), é hoje um elefante branco, praticamente abandonado.

IMG_2954

Fotos Luiz Carlos Azenha

No caminho entre Montezuma e Mortugaba, no sul da Bahia, fica a Perfil Agropecuária e Florestal, de cerca de 900 hectares, que pertenceu ao falecido pai de Aécio — ex-deputado estadual e federal — e hoje faz parte do patrimônio do candidato do PSDB ao Planalto.

Deu em O Globo, em reportagem assinada por Chico de Gois, a explicação da assessoria de Aécio para a obra do aeroporto. O argumento: Montezuma “está situada em uma das regiões mais pobres do estado e tem como principal eixo estratégico para o seu desenvolvimento a atividade turística a ser desenvolvida a partir do balneário de água quente”.

Fato. Porém, se este era o plano, por enquanto inapelavelmente fracassou.

Seria jornalisticamente desonesto atribuir ao ex-governador Aécio Neves a sucessão de erros que se deu desde a reforma do aeroporto, em 2008. Talvez fosse mais adequado falar de Montezuma como um microcosmo da política brasileira, onde as diferentes esferas de governo não se falam, onde planos de governos são descontinuados, onde grupos políticos disputam o poder sem considerar o interesse público, onde há muita improvisação e, certamente, corrupção.

Experimentei pessoalmente as águas quentes de Montezuma em um hotel que fica bem diante do balneário, hoje tão fantasma quanto o aeroporto da cidade.

Dos 22 quartos disponíveis na pousada, apenas três estavam ocupados. O funcionário da recepção nos disse exatamente o mesmo que a dona do restaurante repetiria mais tarde: o proprietário manteve o empreendimento aberto “de teimoso”.

Tentou cavar um poço em sua propriedade, em busca da mesma água quente do balneário, mas não foi bem sucedido. Acabou fazendo um acordo com o prefeito, que permitiu ao dono do hotel transferir a legítima água quente de Montezuma para a piscina do estabelecimento.

Foi onde tive um prazeroso banho nas águas naturalmente quentes ao lado de dois outros hóspedes.

Cópia de agua suja

Água parada numa das piscinas do balneário, que atraia turistas de toda a região

O retrato que encontramos em Montezuma, hoje, contrasta em muito com o do passado, segundo o relato de moradores. Em fins-de-semana, dezenas de ônibus chegavam trazendo turistas para as termas, com vários piscinões abastecidos com água corrente, com temperaturas de 37 a 41 graus centígrados.

Não há registro de que o asfaltamento da pista do aeroporto tenha de fato incentivado a chegada de visitantes, já que nunca houve vôos regulares para Montezuma. Era turismo popular, através de ônibus fretados, com a entrada no balneário custando em tempos mais recentes 20 reais. Nos fundos ficavam apartamentos para aluguel e uma área com mesas e bancos de concreto.

Hoje, tudo abandonado.

Montezuma, em si, é uma cidade bastante simpática. Pinturas rupestres na serra da Macaúba são outro atrativo que poderia compor um “pacote” capaz de atrair turistas. Mas é uma proposta altamente discutível, do ponto-de-vista econômico, se essa atividade seria mesmo suficiente para sustentar vôos regionais. Só o tempo dirá.

Moradores afirmam que o auge do otimismo local se deu logo depois da obra no aeroporto, quando houve forte especulação sobre investimentos bilionários na exploração de minério de ferro no norte de Minas, uma das regiões mais pobres do Estado. Como informamos anteriormente, Montezuma deu um salto considerável no IDH, o Índice de Desenvolvimento Humano, graças a uma série de investimentos estaduais e federais, diretos ou através de projetos sociais. Porém, o IDH regional continua bem abaixo da média de Minas Gerais.

As jazidas de minério de ferro, estimadas em 20 bilhões de toneladas de baixo teor, teriam o poder de transformar o panorama regional se o lucro com a exploração revertesse para as populações locais, o que nem sempre é o caso. Em geral, o dinheiro enriquece mesmo as grandes mineradoras. De qualquer forma, um jornal mineiro chegou a falar em R$ 7 bilhões despejados no norte de Minas até 2016, dinheiro que fez bocas salivarem, mas que pelo menos até agora nunca se materializou.

Independentemente da promessa de riqueza, nunca ficou claro o motivo do investimento no aeroporto ter sido destinado a Montezuma, de 8 mil habitantes, e não a cidades bem maiores, como Taiobeiras ou Rio Pardo de Minas — ambas com cerca de 30 mil habitantes –, especialmente considerando que esta última está na lista oficial de municípios cujo subsolo contém jazidas de minério de baixo teor de ferro.

IMG_2957

Houve até o sonho de que a modesta construção no aeroporto daria lugar a um terminal para receber turistas e gente da mineração

Segundo a Folha Regional, que traz notícias da região do Alto Rio Pardo, foi o ex-prefeito Erival José Martins quem deu início às obras de reforma do balneário. O dinheiro para a revitalização, R$ 1,7 milhão, veio do governo de Antonio Anastasia, sucessor de Aécio Neves, também do PSDB. A empresa contratada foi a Construtora JRN Ltda.

Porém, dois anos completos já se passaram e o balneário nunca reabriu. O comércio que dependia do turismo definhou. Hotéis e restaurantes que dependiam dos visitantes entraram em crise.

Moradores ainda frequentam piscinas menores, nos fins de semana, às quais tem acesso sem pagar.

Enquanto tomam banho sob jatos de água quente, descrevem uma intensa briga entre facções políticas locais.

Estimam que a renda passada do balneário, se bem investida, teria sido suficiente para mantê-lo permanentemente aberto. Alguns elogiam o ex-governador Aécio Neves, citando investimentos estaduais especialmente nas estradas da região. Porém, ninguém consegue explicar convincentemente o motivo da existência da imensa pista asfaltada, de cerca de 1.300 metros, bem na entrada da cidade. “Coisa do Aécio”, balbuciou mineiramente um dos entrevistados. A cidade foi informada do suposto escândalo através do Jornal Nacional.

Brincando, sugiro a um grupo de banhistas que a cidade está sofrendo de uma variedade da maldição de Montezuma, a praga que o imperador azteca rogou no invasor espanhol Hernán Cortés.

Alguns se mostram desconfiados do forasteiro cheio de perguntas.

Não sei se é fato, mas um deles explica que Montezuma é o sobrenome do caçador que descobriu a fonte de água quente, que no tempo dos vaqueiros se tornou famosa no norte de Minas e no sul da Bahia*.

Santana da Água Quente foi o primeiro nome do povoado, que só se tornou município nos anos 90, com o nome de Montezuma.

À minha brincadeira o banhista brinca de volta: “A maldição de Montezuma foi maldição política”.

Ele provavelmente se referia a fatos recentes da disputa local pelo poder.

Cópia de agua correndo

Essa eu garanto: o banho é delicioso nas águas naturalmente quentes de Montezuma

O ex-prefeito Erival José Martins, que iniciou a reforma do balneário, foi reeleito em primeiro turno, em 2012, com 50,92% dos votos, ou seja, 2.194 sufrágios. Derrotou Ivo Alves Pereira, do PP, que teve 2074. Uma diferença de apenas 120 votos.

Erival liderava uma coalizão que pode até parecer estranha. Nem tanto, se considerarmos que na campanha presidencial deste ano banqueiros e socialistas atuam lado a lado numa das campanhas, sem terra e usineiros em outra. Coisa do pragmatismo brasileiro.

Erival, conhecido como Grande, juntou na mesma chapa o PDT, o PR, o PCdoB e o PSDB.

Porém, em maio do ano passado, ele e sua vice foram cassados por abuso de poder econômico durante as eleições de 2012.

Imagens divulgadas à época, utilizadas como prova pelo Ministério Público, mostraram a distribuição a eleitores, sem qualquer tipo de cadastro e em carros de campanha, de cestas básicas enviadas pelo governo de Minas para vítimas da seca. O candidato também teria trocado votos por sacos de cimento e material de construção, segundo o MP. O prefeito recorreu mas a decisão da Justiça Eleitoral foi mantida.

Com o tucano Erival cassado, eleições suplementares foram realizadas no final do ano passado. Ivo Pereira, o derrotado em 2012, desta vez venceu. Ele tem prometido aos moradores que até dezembro de 2014 o balneário voltará a funcionar.

Cópia de gerando emprego

Hoje, na porta do balneário, uma placa do governo de Minas foi parcialmente coberta, provavelmente por conta do período eleitoral. Visível, apenas a inscrição “trabalhando e gerando emprego”.

Alguns homens de fato trabalham na limpeza do local.

Pelo menos até o fim deste ano, a fabulosa pista asfaltada do aeroporto local continuará abandonada, a não ser pelo desembarque eventual de candidatos em busca de votos, dizem os moradores.

Com sorte, nenhum dos montesumenses que usam a pista para fazer caminhadas e manter a forma física, de manhãzinha e no final da tarde, será atropelado durante pousos que, por conta da falta de homologação da ANAC, são formalmente ilegais.

Se a ideia de reformar a pista era mesmo estimular o turismo, passou a ser impossível fazê-lo desde que o balneário foi fechado, há 24 meses.

Em outras palavras, se os planos eram genuínos, o choque de gestão acabou congelando uma importante atividade econômica da cidade.

Tem mesmo razão aquele banhista: se alguma maldição se abateu sobre Montezuma, em tempos recentes, foi mesmo a da política.

* Veja nos comentários uma explicação melhor fundamentada para o nome do município

Captura de Tela 2014-08-25 às 10.53.17

PS do Viomundo: Este site se reserva o direito de manter em sigilo o nome dos entrevistados, considerando que numa cidade pequena declarações consideradas politicamente inconvenientes podem resultar em represália.

Leia também:

O que a Globo vai descobrir se o jatinho do JN pousar em Montezuma

Choque de gestão: Montezuma tem aeroporto, mas não tem maternidade

[A série de reportagens do Viomundo é conteúdo exclusivo bancado pela generosidade de nossos assinantes; torne-se um deles]

Clique abaixo, sobre as laterais da foto, para ver um álbum do balneário de Montezuma:


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Cláudio

Com Dilma, a verdade vai vencer a mentira assim como a esperança já venceu o medo (em 2002 e 2006) e o amor já venceu o ódio (em 2010). ****:D:D . . . . ‘Tá chegando o Dia D: Dia De votar bem, para o Brasil continuar melhorando!!!! ****:L:L:D:D ****:D:D . . . . Vote consciente e de forma unitária para o seu/nosso partido ter mais força política, com maioria segura. . . . . ****:L:L:D:D . . . . Lei de Mídias Já!!!! ****:L:L:D:D ****:D:D … “Com o tempo, uma imprensa [mídia] cínica, mercenária, demagógica e corruta formará um público tão vil como ela mesma” *** * Joseph Pulitzer. ****:D:D … … “Se você não for cuidadoso(a), os jornais [mídias] farão você odiar as pessoas que estão sendo oprimidas, e amar as pessoas que estão oprimindo” *** * Malcolm X. … … … Ley de Medios Já ! ! ! . . . … … … …:L:L:D:D

Paulo Roberto

Se não fosse pela fazenda da família do Aécio até que dava para acreditar nas boas intenções do governo de Minas. Só um detalhe, cidades com menos de 200 mil eleitores só têm um turno na eleição municipal.

Taiguara

Com o alegado “incêndio” dos documentos, a gente pode considerar que o avião da Marina era uma espécie de “PREFEITURA QUE SABIA VOAR”?

Caracol

Obrigado, Azenha, pelas informações sobre Montezuma. Muito bom mesmo, este seu trabalho. Em meio ao que se lê por aí, é um verdadeiro colírio.
Abraço.

FrancoAtirador

.
.
Gente Humilde

Música: Garoto
Letra: Vinícius de Moraes e Chico Buarque de Holanda
Interpretação: Quarteto em CY

Tem certos dias
Em que eu penso
Em minha gente
E sinto assim
Todo o meu peito
Se apertar

Porque parece
Que acontece
De repente
Como um desejo
De eu viver
Sem me notar

Igual a como
Quando eu passo
No subúrbio
Eu muito bem
Vindo de trem
De algum lugar

E aí me dá
Como uma inveja
Dessa gente
Que vai em frente
Sem nem ter
Com quem contar

São casas simples
Com cadeiras
Na calçada
E na fachada
Escrito em cima
Que é um lar

Pela varanda
Flores tristes
E baldias
Como a alegria
Que não tem
Onde encostar

E aí me dá
Uma tristeza
No meu peito
Feito um despeito
De eu não ter
Como lutar

E eu que não creio
Peço a Deus
Por minha gente
É gente humilde
Que vontade
De chorar…

(http://letras.mus.br/quarteto-em-cy/588396)
(http://youtu.be/ytrMdwnU1VY)
.
.
(http://abre.ai/balneario_montezuma_fotos)
(http://abre.ai/verba_balneario_montezuma)
(http://abre.ai/descaso_balneario_montezuma)
.
.

Raymond

Parabéns Azenha pela reportagem. Já que a Globo não se dispunha a enviar ao menos um fotógrafo.

Vera

Conforme está escrito no livro “Efemérides Riopardenses” do Cônego Newton D´Angelis – 1998, o nome Montezuma vem de uma homenagem ao deputado baiano Francisco Gomes Brandão Montezuma, que conseguiu junto ao imperador D.Pedro II, que Rio Pardo de Minas fosse elevada à categoria de vila em 1832. Na gestão anterior do atual prefeito Ivo Alves Pereira que é médico ginecologista, foi construído um bom hospital que tive oportunidade de visitar, pena que os sucessores dele não investiram na continuidade deste hospital. Acredito que agora ele esteja investindo nisso.

Arlindo

Luiz Carlos, acho que você está fazendo mais bem a Montezuma que os governos tucanos de MInas: está fazendo a cidade ser conhecida. Quem sabe até instigando o turismo para lá! Parabéns pela reportagem. Porque você não joga isso na Record? Não interessa aos dirigentes?

Urbano

Diz-se categoricamente que coincidências não existem; e creio que esse último enredo de jatinhos e pistas de pouso clandestinas provam muito bem isso.

Hélio Jacinto Pereira

Azenha parabéns pela reportagem.
Achei muito interessante este local e como não acredito na “Maldição de Montezuma”,pretendo conhecer este local.

Deixe seu comentário

Leia também