Wálter Maierovitch: Supremos momentos

Tempo de leitura: 3 min

por  Wálter Maierovitch, em CartaCapital

Têmis, a deusa mitológica da Justiça, sempre desfrutou de grande prestígio. Dante lembrou-se dela no Purgatório. Ovídio, na Metamorfose, contou em poema épico a solução do oráculo para Pirra e Deucalião povoarem o planeta devastado pelo Dilúvio Universal. Assim, os dois saíram a atirar, sem olhar para trás, pedras que se transformavam, ao tocar o solo, em mulheres e homens, conforme lançadas pelo casal.

A venda nos olhos de Têmis foi colocada por artistas alemães da Idade Média, como lembra o jurista Damásio de Jesus e para simbolizar a imparcialidade. No Brasil, seria melhor termos uma Têmis de olhos bem abertos e com representantes no Supremo Tribunal Federal (STF), com mandato improrrogável de cinco anos. Como ironizou Mario Quintana, o poeta das coisas simples: “A Justiça é cega e isso serve para explicar muita coisa”.

A propósito, o STF, nos últimos 40 anos, condenou à pena de prisão fechada apenas um deputado, e ele era do baixo clero: Natan Donatan (PMDB-RO). Em 2 de agosto, começará o julgamento do processo criminal que ficou conhecido por mensalão, com 38 réus, 234 volumes, 495 anexos e 50.119 páginas. Têmis estará lá, entronizada que foi na parte externa da sede do Pretório, com venda nos olhos e de costas para os 11 julgadores.

O nome “mensalão” completou sete anos de idade e restou cunhado pelo então deputado e delator Roberto Jefferson. Refere-se, conforme o Ministério Público Federal em denúncia apresentada e recebida pelo STF, a um esquema de compra, habitual e em dinheiro, de apoio de parlamentares e a envolver crimes de formação de quadrilha, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta, evasão de divisas e corrupção ativa e passiva.

Jefferson, um dos réus, admitiu ter recebido 4,5 milhões de reais. Até hoje, ele não declinou, de modo a conferir impunidade, os nomes dos parlamentares do seu partido político e para os quais repassou o dinheiro. Talvez pelo silêncio com relação aos seus, Jefferson, um varão de Plutarco às avessas, mantém-se como presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). A propósito, ele contou ter embolsado vivos 4 milhões de reais e o restante mandou seu motorista buscar no restaurante do Banco Rural.

O ministro Ayres Britto, presidente da Corte excelsa, quebrou lanças para tentar julgar o caso antes de se aposentar em 18 de novembro próximo. No momento, os ministros do STF gozam férias e Brito tentou suspendê-las para poder antecipar o julgamento. Apesar do recesso e movido pela preocupação de uma quase certa falta de tempo para se colher o voto do ministro Cezar Peluso, que se aposenta compulsoriamente em 3 de setembro, o presidente Britto tenta mudar o cronograma já divulgado. Ele trabalha, junto aos seus pares, para marcar três sessões semanais e apressar a solução final.

De olho num desgaste de adversários em período eleitoral, muitos aplaudem a pressa de Britto. Lógico, se esquecem da lentidão do processo chamado “mensalão tucano”. Na verdade, e a Têmis bem sabe, o julgamento açodado compromete o processo justo. A pressa jamais pode ser o objetivo principal em um julgamento.

No caso do “mensalão”, os ministros realizaram, sem ouvir os advogados constituídos pelos réus, uma divisão de tempo para a sustentação oral em plenário da Corte e o acusador ganhou prazo maior. Dessa maneira, os ministros transformaram o poder discricionário em puro arbítrio.

Diante desse quadro e com dois ministros impedidos por flagrante parcialidade (Gilmar Mendes e Dias Toffoli), surgirão incidentes processuais que poderão furar o cronograma. E até impossibilitar, pelo decurso do tempo, o voto de Peluso, ainda que se cogite de antecipar o voto, depois dos lançados pelo relator e o revisor.

Nada justifica tal apressamento, e aqui cabe um data venia em homenagem a Ayres Britto. Em clima impróprio por pressões e cúmulos de interesses variados, o julgamento poderá transmudar-se de técnico para político. O STF, diversas vezes, optou por decisões políticas. Por exemplo, ao decidir pela legitimidade da denominada lei da anistia, aprovada por Parlamento biônico e cunhada pelos militares para garantir a impunidade em face de consumados crimes de lesa-humanidade, os ministros,  por maioria e conduzidos pelo voto de Eros Grau, deram uma decisão política, além de canhestra.

Numa apertada síntese, deveria ser esquecida a pressa e se focar no fazer Justiça no melhor dos climas. Peluso, que é homem honrado e que  nunca tirou coelho de cartola,  deveria pendurar a toga na volta do recesso pela razão de não poder, colhido pela aposentadoria, acompanhar o voto dos demais.

Até o final do julgamento, o julgador pode se retratar diante dos argumentos apresentados nos votos dos demais. Se Peluso votar e cair fora, será vencido, e aqui cabe outro data venia, pela soberba. Com dez ministros (contando Mendes e Toffoli) e empate, vai valer o in dubio pro reo, pois todos são presumidamente inocentes.

Leia também:

Altamiro Borges: “Mensalão” tucano e silêncio da mídia

Elvino Bohn Gass: Gilmar Mendes, Veja e o conluio dos desesperados


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Almeida Bispo

O medo é Britto estar a repetir seu e meu conterrâneo Cabo Anselmo.

spin

O Estado brasileiro é composto por Executivo, Legislativo e Judiciário. Se um deste poderes agem como tem agido o STF se instala a insegurança jurídica. Isso não deveria estar acontecendo depois de anos de ditadura o que, ao que parece, não foi suficiente como lição

Francisco

Se depender de Álvaro Dias, o STF monta uma franquia do partido Colorado, do Paraguay, e condena tomo mundo à senzala (cadeia não é o suficiente…).

Se condenar, troam os tambores, se inocentar, graças à zuada irresponsável da mídia cachoeirana, o Brasil fica o “país da inpunidade”.

Sei é o seguinte: a nossa direita iria conviver bem com Stalin (a despeito dos reclamos cotidianos). Processo de Moscou é com ela mesmo!

Hércules

Eu acho que o STF proferirá julgamento técnico e seus ministros têm decência e integridade suficientes para resistir a campanhas midiáticas ou ao medo de serem desmoralizados por alguma revista ainda popular, apesar de que mantinha contatos tão íntimos com o crime organizado. Juiz com medo é inconcebível. Além disso, julgamento político é privativo do Congresso Nacional, competência que não caberia ao STF usurpar. Quanto ao termo “mensalão”, a impressão que o noticiário dá é de se tratar de caso de Caixa 2, diferenças de campanha eleitoral não contabilizada. A melhor conclusão de tudo isso, na minha visão, seria que o Congresso debatesse o Financiamento Exclusivamente Público de Campanhas. Enquanto setores privados continuarem a fazer os financiamentos, as faturas serão cobradas depois de cada eleição e então sofremos um verdadeiro “sequestro” do regime democrático, uma privatização que ofende e acinta a Constituição de 1988 e o desenvolvimento da própria Democracia.

    José Ricardo Romero

    Seo Hércules, que ingenuidade a sua achar que os juizes no Brasil, e ainda por cima os do supremo, vão votar de forma imparcial e que são honestos. Em que planeta o Sr. pensa que está?
    Não basta toda a história recente do judiciário e ainda o Sr. acredita nos urubus togados?

Zezinho

Já está decidido de antemão, aqueles que votarem pela condenação dos réus serão execrados por terem votado politicamente. Aqueles que votarem pela absolvição serão louvados pela ética e imparcialidade. Só espero que mais do que os 5% não sejam tão cegos…

    mfs

    Sim, claro, e se eles forem absolvidos, o PIG nunca irá dizer que acabou em pizza?

Nilson

Lembro de um julgamento que assisti pela TV Justiça, no qual, apesar de já sacramentada a decisão por maioria, o Min. M A Melo fez questão de ler o seu longo voto vencido, dizendo que não poderia ser afastada a hipótese de que sua tese pudesse convencer outros ministros a mudarem seus votos. E quando um ministro vota e se aposenta, como quer fazer Peluso? Se um voto contrário à tese que ele adotar puder, depois de sua aposentadoria, convencê-lo de que estava errado em seu raciocínio, como é que fica?

Marcelo de Matos

“Em clima impróprio por pressões e cúmulos de interesses variados, o julgamento poderá transmudar-se de técnico para político”. Data venia, o julgamento não irá transmudar-se em político porque, por todos os títulos, já o é. O estafeta da Rede Globo, acadêmico Merval Pereira, ao que consta, visita periodicamente o revisor Ricardo Lewandowski para saber sobre o andamento dos trabalhos. Augusto Nunes e demais escribas da Veja pedem insistentemente a celeridade da revisão. Não me consta que o PIG cobre a celeridade do processo do mensalão mineiro, ou do análogo distrital. O julgamento é político e possível prejuízo para as candidaturas petistas será seu único alvo, já que, por falta de provas, ninguém será punido. Como lembrou o colunista, nos últimos 40 anos, o STF condenou à pena de prisão fechada apenas um deputado. É só pressão, como no funk: “Ei Mag eu to de chevete. Vai comer poeira aqui é aro dezessete. Sai da minha frente. Porque eu to com a minha gang. De carro rebaixado a 10 por hora ouvindo funk. Sente a pressão”.

Deixe seu comentário

Leia também