Wadih Damous: Pela revisão da Lei de Anistia e cumprimento da decisão da Corte Interamericana

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Cinco anos após a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso GOMES LUND e OUTROS (“Guerrilha do Araguaia”) versus Brasil, seu conteúdo ainda não foi cumprido. Fotomontagem com os desaparecidos do Araguaia

Pela revisão da Lei de Anistia

por Wadih Damous, especial para o Viomundo

A Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal aprovou na última sessão do dia 9.06.15, o relatório do senador Antonio Anastasia do PSDB, pela rejeição do Projeto de Lei do Senado nº 237, de 2013.

A proposta é de autoria do Senador Randolfe Rodrigues e agora será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça. Esse projeto é de extrema importância para o resgate da verdade histórica porquanto permite a responsabilização dos crimes cometidos pela ditadura militar ao declarar extinta, retroativamente, a prescritibilidade desses crimes.

Diversos países que emergiram de períodos ditatoriais levaram a cabo a responsabilização daqueles que tenham cometido crimes em nome do Estado. No Brasil, contudo, disseminou-se o discurso de que a anistia de torturadores seria a condição necessária para que o país pudesse avançar rumo à redemocratização e à reconciliação.

Mais do que nunca, importa para o País e para toda a humanidade que os crimes contra os direitos humanos sejam julgados, para que o não esclarecimento dessas ações não continue a estimular a sobrevivência da cultura da tortura e da aniquilação violenta dos adversários políticos. E, sobretudo, alce a dignidade da pessoa humana a corolário do estado democrático de direito.

É esse o objetivo da proposta: revisar a Lei da Anistia, de maneira a promover sua adequação aos princípios fundamentais que inspiram a Constituição de 1988 e o sistema de tratados internacionais sobre direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.

Passados cinco anos da sentença do caso GOMES LUND e OUTROS (“Guerrilha do Araguaia”) versus Brasil, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, seu conteúdo ainda não foi cumprido por nenhum dos Poderes, representando essa omissão clara violação da ordem constitucional.

A decisão da CIDH condenou o Estado brasileiro nos seguintes termos:

3. As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil.

4. O Estado é responsável pelo desaparecimento forçado e, portanto, pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal, estabelecidos nos artigos 3, 4, 5 e 7 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em relação com o artigo 1.1 desse instrumento, em prejuízo das pessoas indicadas no parágrafo 125 da presente Sentença, em conformidade com o exposto nos parágrafos 101 a 125 da mesma. (…)

Ao final, dispõe que:

9. O Estado deve conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária, a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei preveja, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 256 e 257 da presente Sentença.

10. O Estado deve realizar todos os esforços para determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso, identificar e entregar os restos mortais a seus familiares, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 261 a 263 da presente Sentença.

O art. 68, caput, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), ratificado pelo Brasil, estipula que os Estados-Partes na Convenção comprometem-se a cumprir a decisão da Corte [Interamericana de Direitos Humanos] em todo caso em que forem partes e que o art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, igualmente ratificada pelo Brasil, estabelece que uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o descumprimento de um tratado.

Assim, a questão da revisão da Lei de Anistia é matéria que precisa ser urgentemente debatida pelo Poder Legislativo porquanto passível de incontáveis ações no Poder Judiciário, ademais do fato de que sua ausência implica em negativa de vigência ao princípio da dignidade da pessoa humana e no desrespeito à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos – CIDH.

O relatório do senador ANTONIO ANASTASIA, contrário à proposta do senador RANDOLFE, é baseado no argumento de que a questão da revisão da Lei da Anistia já foi eloquentemente resolvida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 153-DF, proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Vale a transcrição de parte do voto do Relator na Comissão de Relações Exteriores do Senado para melhor compreensão de seu argumento central:

Naquela oportunidade, em voto extenso, lido em mais de três horas, o Ministro Eros Grau, relator da matéria, rejeitou cada um dos argumentos do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Em longa digressão histórica, o Ministro – homem sabidamente de esquerda, preso nas dependências do DOI-Codi, em São Paulo, por advogar em defesa de opositores do regime – esclareceu que não se pode simplesmente ignorar o processo histórico pelo qual se conquistou a anistia. Segundo ele,“Reduzir a nada essa luta é tripudiar contra os que, com assombro e coragem, na hora certa, lutaram pela anistia”.

Divirjo frontalmente do entendimento do Senador, porque ao contrário do quanto afirmado em sua argumentação, o voto do ministro Eros Grau em sede da ADPF 153/DF não só não resolveu eloquentemente a questão, como destacou o papel do Poder Legislativo como legítimo para proceder à revisão da Lei de Anistia.

Leia-se o voto do ministro Eros Grau, na ADPF 153/DF:

O acompanhamento das mudanças do tempo e da sociedade se implicar necessária revisão da lei de anistia, deverá ser feito pela lei, vale dizer, pelo Poder Legislativo, não por nós. Como ocorreu e deve ocorrer nos Estados de direito. Ao Supremo Tribunal Federal — repito-o — não incumbe legislar”.  (ADPF 153/DF) (Grifamos).

Para completar seu raciocínio, o eminente ministro relator da ADPF faz constar que foi esse o caminho de outros países da América Latina a exemplo da Argentina e do Uruguai. Ou seja, as alterações e revisões nos pactos políticos havidos pós-regimes ditatoriais latino-americanos, na visão do ministro Eros Grau só poderiam (e podem) ser feitas pelo Poder Legislativo.

Na Câmara dos Deputados está tramitando o projeto de lei nº 573/2011, de autoria da deputada Luíza Erundina, com o objetivo semelhante ao do  senador Randolfe. Sinal de que o Congresso Nacional está disposto a debater e enfrentar o tema.

Dia 28 de agosto, a Lei de Anistia completará 36 anos. Será um momento importante para uma reflexão de toda a sociedade sobre a lei referida. Pensando nisso e incentivado por entidades e militantes honrados da causa, realizarei um Ato pela Revisão da Lei de Anistia no auditório Freitas Nobre da Câmara dos Deputados, para que juristas, parlamentares, sociedade e especialistas possam debater o tema e fortalecer o andamento e aprovação das propostas legislativas que revisam a Lei.

Wadih Damous, deputado federal pelo PT.

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Comentários

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Urbano

No Brasil a única anistia havida foi a da própria anistia…

    Urbano

    Ou melhor: a anistia mais indecente havida foi a da própria anistia.

    Urbano

    A cantilena libertina está cansaaaada…

Liberal

Opa! Os terroristas de esquerda tb vão pagar as contas?

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