Santayana: As hienas e o assalto ao povo

Tempo de leitura: 4 min

Mauro Santayna, no seu blog

Estes dias brasileiros nos remetem a alguns inquietantes documentários de televisão sobre a vida selvagem. Neles, quase que com traços de sadismo, os cinegrafistas nos mostram cenas de ágeis predadores espreitando, aguardando o instante preciso, para saltar sobre a presa frágil, dilacerá-la, ainda com vida, e fartar-se até os ossos. Quando se trata de um duelo, entre o felino e o alce, a cena, ainda que bárbara, tem um toque de arte: a paciência do predador, procurando, na inocência da presa, o instante do descuido maior, para agir exatamente naquele segundo. E a única reação possível da provável vítima: a fuga desesperada, com a esperança, quase sempre frustrada, de que o caçador se canse ou vislumbre, nas margens da trilha, caça maior e mais atraente.

Se pudéssemos entrar na alma dos animais (e os animais têm alma, ainda que isso contrarie as presunções humanas) encontraríamos na atitude do predador e na fuga da presa, uma mesma volúpia, a volúpia da luta pela vida. Mas há uma caçada que enoja, que repulsa os nossos sentimentos estéticos e, mais ainda, os sentimentos éticos, mesmo que os etólogos possam explicá-la como sendo natural, com os argumentos isentos da ciência: é a caçada das hienas.

Dois ou três predadores espreitam a vítima ou as vítimas e, imediatamente avisam o bando, que pode chegar a quarenta animais. Há hienas maiores – pesando 80 quilos – e menores, a metade disso. Elas atacam em ondas, até derrubar animais totalmente indefesos, como as gazelas, os alces e as zebras, e as destroem em poucos minutos. As gazelas e os alces são atacados quando se encontram em grupos.

O ataque ao erário público – ou seja, à maioria do povo brasileiro, que, sem os recursos públicos, não consegue dispor de educação, de saúde, de segurança e, sobretudo, do direito de ser feliz – se assemelha à predação das hienas e dos chacais. Formam-se os bandos, escolhem-se os olheiros, que identificam o ponto mais débil da presa, e se passa ao ataque. A diferença é de que se trata de uma presa única e inerme, ainda que coletiva: a sociedade nacional. As revelações das sucessivas operações combinadas do Ministério Público e da Polícia Federal são tão nauseantes quanto as cenas de uma zebra sendo devorada pelo bando de hienas. A cada dia, a cada hora, novas informações trazem o pavor dos homens de bem, que são a quase totalidade da sociedade brasileira. Ainda ontem foi preso José Francisco das Neves, ex-presidente da empresa estatal encarregada da construção da Ferrovia Norte-Sul. Em sua gestão, a construção foi lenta, mas rápido o seu enriquecimento, segundo as denúncias. Um detalhe: a Construtora Delta era uma das grandes empreiteiras do empreendimento.

É difícil que se levantem diques contra o maremoto. A decisão unânime da Comissão de Constituição e Justiça de mandar Demóstenes à guilhotina moral a ser levantada no plenário, daqui a seis dias, e a convocação, ao mesmo tempo, de Pagot, Fernando Cavendish e do prefeito de Palmas, Raul Filho para depor – são notícias alvissareiras para os cidadãos de hoje e para seus filhos e netos.

Há outra espécie de hienas, mais sutis, que são as da aristocracia sem méritos de um grupo de servidores públicos, que chegam a ganhar centenas de milhares de reais por mês, conforme se revela pelo acesso público às folhas de pagamento dos três poderes da República. A falta de vigilância dos que deveriam zelar pelo bem público, e a cumplicidade de certos membros do poder judiciário, levaram a esse descalabro, no qual servidores do Executivo, do Legislativo e do Poder Judiciário ganham duas, três vezes mais do que os subsídios líquidos dos parlamentares, e dos proventos dos juizes do STF. Segundo se informa, apenas no mais alto tribunal do país, o Supremo, o teto da remuneração, arbitrado pelo poder executivo, está sendo respeitado. E coube a uma ministra do STF, Carmem Lúcia, tomar a iniciativa de divulgar o fac-símile de seu contracheque, dando o exemplo a ser seguido.

Nos tribunais inferiores, a farra é quase geral. Os juízes que vendem sentenças, segundo um membro da magistratura, deveriam ser enforcados em praça pública. Talvez não mereçam tanto os juízes que se atribuem, sob vagas rubricas contábeis, remunerações milionárias, mas seria bom que os julgadores soubessem julgar-se, antes de julgar os demais cidadãos.

O Estado – que, segundo Hegel, deveria ser a sociedade organizada – está sendo assaltado pelos predadores. Mas, sob a pressão dos cidadãos, começa a reagir. Felizmente, as divergências entre os parlamentares da CPMI nos prometem uma devassa mais ampla, para apurar a Conexão Goiana, e a pressão popular poderá escoimar a folha de pagamentos do Estado desse absurdo das remunerações excepcionais.

PS do Viomundo: Na quinta-feira passada, 5 de julho, foram convocados também para depor na CPI do Cachoeira:

Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, ex-diretor da Dersa. São Paulo fez contratos de quase um bilhão com a Delta; R$ 178, 5 milhões, celebrados nas gestões Alckmin (2002 a março de 2006 e de janeiro de 2011 em diante) e R$ 764,8 milhões no governo Serra (janeiro de 2007 a abril de 2010). Paulo Preto assinou o maior deles. A Dersa contratou em 2009 a Delta para executar a ampliação da marginal do Tietê por R$ 415.078.940,59 (valores corrigidos). Pela Delta, assinou Heraldo Puccini Neto, que teve a prisão preventiva decretada em abril e continua foragido.

Adir Assad, empresário de São Paulo que atua nos segmentos de construção civil e eventos. Suas empresas, entre as quais a SM Terraplenagem, receberam cerca de R$ 50 milhões da Delta.

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Comentários

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maria bartolomeu

Muito bom.Já tinha visto no blog dele, no http://www.maurosantayana.com

Emerson

Carmen Lúcia é ministra do STJ, e não do STF.

    Conceição Lemes

    Emerson, é do STF, sim. abs

jauri n.da silva

Parabens,Santaiana.Vamos começar a espantar as ienas nesta eleições
municipais.E´aqui que as ienas se alimentam

Geysa Guimarães

A comparação com as hienas permitiu a Santayana fazer um belo retrato do apetite primário da corrupção em bando.
Há apenas uma substancial diferença, e a favor das hienas: elas são IRRACIONAIS.

Jackson Filgueiras

Texto brilhante.
No entanto, gostaria de fazer uma pequena observação: hienas e alces não interagem, pois são de mundos distintos.
Mas a análise da “rapina” ao erário não podia ser melhor.

carlos dias

Uau!!! Isso ai, vamos até as últimas consequências!!! Quem deve, vai pagar… Passou da hora deste país acertar as contas com as hienas…

    Verdade

    Cuidado que tem MUITAS hienas do seu lado da cerca

    carlos dias

    Do teu lado também.. Qual foi??
    Ta de gracinha??
    Não devo e nem temo nada!
    E não é por ter alguém que eu por ventura tenha apoiado que não serei crítico.
    Que babaquice!!!

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