Safatle: A explosão do Brasil é latente

Tempo de leitura: 3 min
Protesto em frente em Congresso em junho de 2013. Foto: Leo Djorus/Creative Commons

Protesto em frente em Congresso em junho de 2013. Foto: Leo Djorus/Creative Commons

Manifestações como as de 2013 provavelmente se repetirão

Vladimir Safatle, na Folha

Um dos traços mais evidentes do pensamento oligárquico está em sua forma de descrever o povo e as massas.

São normalmente representações de uma espécie de sonâmbulo que age de forma irrefletida e nunca escapa por completo de um estado de sonolência.

Daí as injunções sobre o estado de anestesia do povo, de sua apatia e indiferença. No Brasil, tal pensamento está tão enraizado que o país costuma se ver a si mesmo como um gigante dormindo.

No entanto, há de se perguntar se muitos não confundem deliberadamente o povo com suas representações pelo poder e pelas instâncias que procuram construir um imaginário social.

Assim, por exemplo, uma história como a brasileira, marcada por sucessões de revoltas populares (Cabanada, Revolta de Carrancas, Cabanagem, Revolta dos Malês, Sabinada, Revolta do Quebra-Quilo, Revolta do Vintém, Canudos, Revolta da Chibata, Contestado, Coluna Prestes, Luta armada contra a ditadura de 1964) é apresentada como o movimento plácido de um povo servil e cordial.

Foi assim que as manifestações de junho de 2013 pegaram todos de surpresa. A despeito de o ano ter começado com uma impressionante sequência de greves, da frustração relativa resultante do fim do processo de ascensão social ser palpável no ar, da revolta contra promessas não cumpridas (seríamos a quinta economia mundial, nossas grandes cidades seriam repaginadas por investimentos vindos da Copa do Mundo e das Olimpíadas etc.), ninguém parecia perceber nenhuma placa tectônica movendo-se abaixo do solo brasileiro.

Até que a revolta explodiu.

Projeções temporais não têm validade objetiva, é verdade. Mas elas podem indicar latências da situação atual, possíveis, de que muitos gostariam de nem sequer tomar ciência.

O fato é que algo como Junho de 2013 provavelmente se repetirá.

A verdadeira questão é se estaremos preparados para isso ou se iremos perder a oportunidade, mais uma vez, de colocar abaixo a estrutura institucional degradada e sua casta política.

O nível de desencanto e insatisfação popular chegou a níveis dificilmente descritíveis.

A despeito da propaganda massiva de defesa do que se chama de “política econômica” atual, a rejeição por parte da população é tenaz e completamente majoritária.

À parte os economistas do Itaú e do Bradesco, ninguém apoia tal “política”.

O sentimento generalizado de espoliação e desrespeito está aí para quem quiser ver.

Por outro lado, os níveis de rejeição à classe política são absolutos. Há dias, o Instituto Ipsos publicou uma pesquisa sobre a percepção das brasileiras e brasileiros a respeito dos representantes políticos.

Somando aqueles que desaprovam totalmente ou um pouco, os números são da ordem do inacreditável.

Michel Temer tem 93% de reprovação, seguido de Aécio Neves com 91%, Eduardo Cunha (91%), Renan Calheiros (84%), José Serra (82%), o endeusado pela imprensa FHC (79%), Dilma (os mesmo 79%, mas com um índice maior de aprovação do que FHC), Alckmin (73%) e Lula (66%).

Primeiro, há de se salientar o descompasso entre como a população avalia e como setores majoritários da imprensa falam sobre a percepção popular.

Que todos os cardeais do PSDB sejam mais reprovados do que Lula, eis algo que merecia uma reflexão honesta.

Que um ocupante da Presidência tenha 93% de reprovação e continue fazendo a mesma política, eis um caso de internação forçada.

Por fim, a mesma pesquisa mostra que aquele que tem menor reprovação (Dória, com 52% e apenas 19% de aprovação) continua tendo um número monstruoso.

Ou seja, todos sem exceção tem mais de 50% de reprovação. Isso demonstra o descolamento entre a casta política e o povo que ela julga representar.

Sinais dessa natureza mostram como há uma latência de explosão no Brasil.

Como a história não é o terreno do necessitarismo, são as configurações contingentes que determinarão se tal latência passará ao ato ou não.

Mas é certo que um outro 2013 é possível.


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Comentários

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Abestado da Silva

um país que poderia ter tido como presidente o maior de toda história do mundo e se contenta em repetir uma incompetente aos baldes e ainda levando nos braços um vice golpista, só merece as piores porcarias e ainda não estou falando de Bolsonaro, demos por feliz se for este o próximo presidente, dado que, ainda houve eleição

Matheus bittencourt

A principal arma dos conservadores é o chamado “bode expiatório”.
Bode expiatório, na tradição religiosa, é um objeto, pessoa ou animal que concentra em si todo o pecado ou maldade presente em determinada sociedade.
Esse objeto é então sacrificado para que tudo o que poderia colocar em perigo a existência de tal sociedade sumisse com ele ou ao menos fosse controlado por um tempo.
Ele mesmo não precisa ser pecador ou malvado, mas no momento de sua morte, ele passava a encarnar todo o mal da sociedade.
Jesus é um exemplo, pois, com sua morte, em tese, levou consigo todo o pecado da humanidade.
Aproveitando-se dessa tradição religiosa, os conservadores vendem a mesma ideia sempre que sentem que os privilégios da elite está ameaçado.
Hitler usou os judeus, ciganos e comunistas como bode expiatório.
Os norte americanos sempre se utilizaram da figura do comunista para manter a ordem interna. Mas com o fim da URSS, passou a ser o terrorista (árabe de preferência). Negros, latinos e outras minorias também sempre foram bodes expiatórios na sociedade norte americana.
No Brasil, o bode expiatório favorito é a figura do corrupto. Como somos um povo miscigenado, não dá para usar minorias raciais. Como não somos ameaçados por terroristas por nossa insignificância política, não dá para usar o terrorista. Então resta o corrupto. Sempre que a classe média alta ou a elite sentem que o povo está ganhando algum tipo de poder, a figura mágica do corrupto é colocada sobre a mesa. Essa figura geralmente vem amalgamada com a figura do comunista destruidor da moral e dos bons costumes.
A ideia é: basta matar ou destruir o bode expiatório, que vai tudo ficar bem.
Uma ideia simplória e estúpida, mas usada e abusada pela nossa classe média alta ignorante.
Segundo a classe média alta udenista, Vargas era corrupto, Jango era corrupto, Juscelino era corrupto, Lula e Dilma os exemplos mais recentes. E não apenas corruptos, mas corruptos num nível muito acima do tolerável. O bode expiatório bananeiro aproveita-se do moralismo hipócrita da nossa sociedade, onde até o final do século XIX havia religião oficial de Estado. Os que bradam contra a corrupção são os mais corruptos.
E todos os brasileiros sabem que nosso moralismo é hipócrita.
Mas é que nossa sociedade é uma sociedade barroca da aparência.
Não importa o que se pensa e o que se faz de verdade. Importa o que aparece aos olhos dos outros. E não importa se esses outros saibam que é tudo jogo de cena hipócrita.
Basta lembrar da coroação de D. Pedro 2, feita a partir de um golpe, mas cheia de fausto barroco…

Roberto

Se as “jornadas” fascistas de 2013 se repetirem, o Brasil caminhará a passos largos para uma ditadura nazista.

MAAR

Contra a repetição dos factóides moldados pela estratégia das trágicas revoluções coloridas, urge promover a construção coletiva de um amplo projeto político para sanear distorções agravadas pelo pragmatismo eleitoreiro

Luiz Cláudio

Concordo plenamente com o Ronald. Houve uma clara intervenção da mídia golpista, de direita, que adora uma teta pública, com benefícios fiscais e manipuladora da opinião pública: a opinião publicada. É um assunto mesmo para ser estudado como a tucanalha corrupta, incompetente, entreguista e blindada pela mídia tem avaliação pior que a do Lula que segundo o próprio, toma pai de manha, de tarde, de noite e de madrugada há 40 anos e por todos os lados: globo, folha, estadão, cbn, bandeirantes e seus afiliados nos Estados.

RONALD

Discordo do Safatle no ponto do pseudo-movimento de 2013. O de 2013, foi uma preparação de revolução colorida, via MBL, VPR entre outras ONGs de direita, financiadas pelos americanos( NED).

Essa bomba, que está para explodir agora, virá do movimento legítimo do povo, dos excluídos, dos pisoteados pelo governo golpista do morcegão, dos explorados e roubados pelos bancos sonegadores e usurários, dos aposentados roubados e pelos trabalhadores precarizados.

Não é um movimento de matiz nenhuma, somente um grito de desespero e insatisfação total com tanta aberração !!!

    Maurilio

    Concordo plenamente! Em 2013 a desculpa eram os 20 centavos no preço da passagem de ônibus, mas o que se viu depois foi justamente o contrário. Era só um movimento deliberado para tirar um governo que, se não era o esperado, pelo menos foi eleito democraticamente. A lógica seria pressionar o governo da época por mudanças em suas políticas. Mas não! O que fizeram os “inteligentes” paneleiros, insuflados e enganados pela elite econômica e pela mídia golpista, capitaneada pela Globosta? Colocaram a raposa para tomar conta do galinheiro!

    saulo

    Alvíssaras!
    Não sou só eu que penso assim!

    George

    Pensei a mesma coisa e cheguei a cogitar, durante a leitura, que sairia alguma ironia dos pensamentos de Safatle. Infelizmente, desnecessária expectativa. Há quatro anos atrás, tratou-se apenas de um ensaio para os anos seguintes. Aprimorados de forma surpreendente. Muito mal combinado com a grande imprensa naquela época, inclusive, pois eles mudaram drasticamente a narração poucos dias depois, passando de uma visão padrão (rasa) sobre qualquer movimento social, de quem apenas “baderna” e “causa congestionamentos” (além de serem esquerdistas), para um “movimento democrático”, de “pessoas que lutam por seus direitos”. Isso foi nítido. Não pode ser tratado como uma “bola levantada” oportunamente para dar-se uma “cortada”. Houve um planejamento. A incerteza era se daria certo ou não, afinal, uma Primavera Árabe foi planejada para uma região de cultura, sociedade e histórico político diferentes dos nossos. Quando viram que deu certo algo secreto e estratégico, sem intervenção da esquerda organizada, diga-se, foi feita a conexão com a grande imprensa. Está aí a origem do impeachment. Esse era o alvo de toda a indignação.
    Consumado o objetivo, insuflado por diversos “atores” nacionais e internacionais, perdeu-se o norte. Hoje, estamos pior do que naqueles idos em todas as frentes que caberiam às responsabilidades de um Estado. E encontramos as nossas instituições humilhadas pelo Executivo, Legislativo e Judiciário. Estamos destruídos enquanto entes da sociedade brasileira. E se lutamos, lutamos destruídos. Qual o alvo agora? Ele não passa na televisão. Não sai impresso em revistas e jornais. Não está nos principais sites. Não é aberta e volumosamente discutido em botecos e filas de lotéricas. Quem devemos atacar? O alvo é tão abstrato para a sociedade, que é uma tarefa das mais surreais afirmar a plenos pulmões de que precisamos refundar um Estado democrático e de direito no Brasil. Para isso, seria necessário didaticamente explicar a população do que isso se trata e quais falhas apresentou ao longo da história e, em especial, nesses últimos 15 anos. Se isso, caso corajosos batam a mão no peito e assumam o desafio, não for feito, muitos continuarão a considerar Moro um herói reconhecido internacionalmente, não um juiz de suspeitosos e polêmicos usos e desusos da Constituição Federal. Um exemplo apenas, entre tantos.
    A tal nova explosão poderá ocorrer diante da insatisfação com a qualidade de vida, onde pesam as condições socioeconômicas da população, como um todo. O que estará em questão é como isso será solucionado, apenas. Sem darem a menor importância ao que é, de fato, necessário a ser combatido. Migalhas, se puderem, darão aos entorpecidos pela política educacional vergonhosa que nós temos e aparato midiático que nos cerca. Medidas de contenção temporárias, talvez. A esquerda organizada pode causar estragos. Mas não terá apelo nacional. Pelo menos, abertamente demonstrado (a vitória de Lula, em 2002 e 2006, é um bom exemplo de “voto em silêncio”). Curioso será se novas manifestações arrasarem o que sobrou da parte burocrática do conceito de Estado, vencendo o conflito. Qual será a nova proposta que virá? Será pautada na realidade? Será que o Brasil não se fragmentaria, inclusive, territorialmente, dependendo do arco de ações das possíveis manifestações? Tudo em aberto. Considerando, ainda, novas repercussões da geopolítica internacional em nosso território.

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