José Osório de Azevedo Junior: Dignidade da pessoa humana é fundamento da República

Tempo de leitura: 3 min

Ainda o Pinheirinho

Decisão judicial não se discute, cumpre-se?

Apenas em casos corriqueiros, mas não quando pessoas indefesas são atingidas; o direito não é monolítico

José Osório de Azevedo Junior*

da Folha de S. Paulo

Os fatos são conhecidos: uma decisão judicial de reintegração de posse sobre uma favela. A ocupação começou em 2004, por pessoas necessitadas de moradia.

Segundo a Folha, a proprietária obteve reintegração liminar em 2004. Durante um imbróglio processual, os ocupantes permaneceram. Em 2011, uma nova decisão ordena a reintegração. Foi essa a ordem que o Poder Executivo cumpriu no dia 22 de janeiro, com aparato policial, caminhões e máquinas pesadas.

A ordem era, porém, inexequível, pois, em sete anos, a situação concreta do imóvel e sua qualificação jurídica mudaram radicalmente.

O que era um imóvel rural se tornou um bairro urbano. Foi estabelecida uma favela com vida estável, no seu desconforto. Dir-se-á que a execução da medida mostra que a ordem era exequível. Na verdade, não houve mortes porque ali estava uma população pacífica, pobre e indefesa.

Ninguém duvida da exequibilidade física da ordem judicial, pois todos sabem que soldados e tratores têm força física suficiente para “limpar” qualquer terreno.

O grande e imperdoável erro do Judiciário e do Executivo foi prestigiar um direito menor do que aqueles que foram atropelados no cumprimento da ordem.

Os direitos dos credores da massa falida proprietária são meros direitos patrimoniais. Eles têm fundamento em uma lei também menor, uma lei ordinária, cuja aplicação não pode contrariar preceitos expressos na Constituição.

O principal deles está inscrito logo no art. 1º, III, que indica a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República. Esse valor permeia toda a ordem jurídica e obriga a todos os cidadãos, inclusive os chefes de Poderes.

As imagens mostram a agressão violenta à dignidade daquelas pessoas. Outro princípio constitucional foi afrontado: o da função social da propriedade. É verdade que a Constituição garante o direito de propriedade. Mas toda vez que o faz, estabelece a restrição: a propriedade deve cumprir sua função social.

Pois bem, a área em questão ficou ociosa por 14 anos, sem cumprir função social alguma. O princípio constitucional da função social da propriedade também obriga não só aos particulares, mas também a todos os Poderes e os seus dirigentes.

O próprio Tribunal de Justiça de São Paulo já consagrou esse princípio inúmeras vezes, inclusive em caso semelhante, em uma tentativa de recuperação da posse de uma favela. O tribunal considerou que a retomada física do imóvel favelado é inviável, pois implica uma operação cirúrgica, sem anestesia, incompatível com a natureza da ordem jurídica, que é inseparável da ordem social. Por isso, impediu a retomada. O proprietário não teve êxito no STJ (recurso especial 75.659-SP).

Tudo isso é dito porque o cidadão comum e o estudante de direito precisam saber que o direito brasileiro não é monolítico. Não é só isso que esse lamentável episódio mostrou. Julgamento e execução foram contrários ao rumo da legislação, dos julgados e da ciência do direito.

Será verdade que uma decisão tem de ser cumprida sempre? Só é verdade para os casos corriqueiros. Não para os casos gravíssimos que vão atingir diretamente muitas pessoas indefesas.

Estranha-se que o governador tenha usado o conhecido chavão segundo o qual decisão judicial não se discute, cumpre-se. Mesmo em casos menos graves, os chefes de Executivo estão habituados a descumprir decisões judiciais. Nas questões dos precatórios, por exemplo, são milhares de decisões judiciais definitivas não cumpridas.

*JOSÉ OSÓRIO DE AZEVEDO JR., 78, é desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo e professor de direito civil desde 1973

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Comentários

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Lu_Witovisk

Uma pergunta para quem entende: neste caso, onde houve tantos erros como aponta o texto do Sr. José Osório, o governo federal não deve agir?? Não seria uma simples intromissão no estado, já que o governador e justiça esqueceram a constituição.

Pq sinceramente, senão puder fazer nada, então é assim: vc vota pra presidente, mas está refém de seu governador, não interessa o que ele apronte??

Eu não entendo nada dos tramites legais, mas puxa vida, é um crime imenso e vai ficar assim?? Isso ainda sabendo que o correto teria sido o prefeito + governador lutarem para regularizar o bairro e levar urbanização e serviços, já que SJC é uma cidade rica.

    Wildner Arcanjo

    Esqueceu-se que é uma das maiores cidades, do maior estado brasileiro e reduto do maior partido de oposição ao Governo Federal. Questão por demais espinhosa para se agir no calor das paixões. Infelizmente, só os que foram postos para fora de casa é que sofrem com esta questão.

    Lu_Witovisk

    Tá, mas a oposição feriu a Constituição, isso não conta?

    Wildner Arcanjo

    Até que se consiga provar isto, de forma cabal, para os poderes instituídos (e responsáveis pelo julgo) e a opinião pública (responsável pela pressão, não se esqueca também que SP é reduto e maior produtora da mídia e imprensa brasileira), não á o que se fazer, sob pena de ser entendido como Autoritarismo Federal. Deixe as barbas(?) de molho, espere os próximos capítulos. Ou atue na militância, tentando abrir os olhos da população para o problema. Neste caso, e se todos tiverssem dispostos a isso, a pressão seria sentida e as Instituições Constituídas, responsáveis pela resposta, não poderiam se eximir em tomar alguma ação. O que o Governo Federal não quer, no momento, é transformar esta questão em uma questão de disputa política direta, polarizando o debate das eleições que estão por vir e que só poderia se concretizar em um cenário destes.

    Lu_Witovisk

    Entendi, valeu!

Ana

O Direito no Brasil foi construído para garantir privilégios da "elite" decadente. Sobre precatórios hoje pela manhã ouvi notícia que a Ministra Eliana Calmon, irá investigar.
O caso Pinheirinho espero também seja investigado, pelo CNJ e pelas Cortes Internacionais.

O_Brasileiro

Fora de pauta:
Ver o PT defendendo a gestão Kassab em SP, não terá preço!
Se isto ocorrer, será a prova que o PT está acéfalo, e de que o Lula entrou de cabeça no vale-tudo pelo poder!
Kassab jamais!

FrancoAtirador

A greve de fome que a TV não mostra

Por Ronald Sanson Stresser Junior, no Observatório da Imprensa, via Vermelho

Se o cineasta Pedro Rios Leão – hoje ativista –, em greve de fome de fronte à maior central de jornalismo da maior emissora de TV do Brasil, fosse cubano, chinês ou monge tibetano estaria na capa dos jornais de maior circulação do país.

Quem sabe se não fosse um brasileiro, em greve de fome por injustiça social e violação de direitos humanos, ele seria chamado de mártir pela “grande mídia”. Seria matéria de destaque nos principais telejornais e provocaria lágrimas de solidariedade nos leitores de teleprompter. Talvez seu ato virasse até poesia na boca de apresentador de reality show e tema de documentários jornalísticos.

Mas não: em se tratando da transparência na mídia brasileira, é muito circo. Falam em futebol direto, no jornal local, depois no noticiário esportivo e ainda mais na edição nacional. Entre uma partida e outra é samba, carnaval, festa e denúncias vazias, para cativo ver. O cidadão incauto e que não busca informação por conta própria fica lá, cativo, no sofá, olhando sombras na parede e achando que aquilo é o mundo real.

Para contrabalançar a amostragem de polêmicas em outros países – eles adoram mostrar como a grama do vizinho é mais verde e ficar fuxicando sobre a vida dele – nos empurram notícias internacionais que pouco ou nada nos interessam. Por exemplo, você se interessa por Mitt Romney? Enquanto isso, o abuso de poder, de autoridade e a corrupção crescem a galope em nosso país, tanto dentro das esferas do poder público – formado por funcionários pagos com o dinheiro do povo – quanto nas grandes corporações – que dependem da economia popular para prosperar.

O ópio midiático

A inversão de valores está fora de controle. Ou nós, do povo, fazemos alguma coisa e nos fazemos ser ouvidos, ou não haverá um futuro para o futuro da raça humana. A gente pode até não viver mais que 80 anos, vai embora, morre, mas nossos filhos, netos, bisnetos vão precisar de um planeta habitável para viver.

Pedro Rios está em greve de fome por ficar indignado com o que foi feito em Pinheirinho que, realmente, para ele e muitos mais brasileiros e brasileiras indignados, foi a gota d’água. É como disse o próprio, a uma mulher que o inquiriu sobre o efeito que ele esperava, dizendo que o sacrifício que ele está fazendo é inócuo no macro-social: “Você sabe uma represa, uma barragem ou um dique? Começa a pingar uma gota, vira um fio d’água, aparecem as rachaduras e sem ninguém esperar se rompe e ninguém segura a inundação.”

O ativista escolheu este local para sua manifestação não declarando guerra a uma emissora específica, e sim, em nome da transparência em toda produção jornalística de todas elas. Pedro escolheu a central de jornalismo da maior emissora do país porque foi uma afiliada desta mesma emissora que deixou de mostrar fatos, através reportagens pífias, seja por interesse obscuro – como pensa Pedro – ou mesmo, quem sabe, por falta de interesse ou incompetência.

Pedro Rios escolheu fazer seu protesto, pacífico, de fronte à emissora que representa a mídia de massa brasileira. O que esta gigante faz geralmente cai na graça dos telespectadores e acaba sempre sendo imitado, copiado pelas outras. A audiência é mantida cativa porque acredita que aquelas sombras, projetadas na parede de sua caverna, é espelhamento do mundo real. Parte dos cativos chega ao ponto, absurdo, de confundir personagens de ficção com a realidade. Dopados pelo ópio midiático, perseguem personagens de novela nas ruas confundindo-os com os seres fictícios da teledramaturgia.

Leia também:
>Pinheirinho não foi desapropriação, foi estupro social, diz líder
>Capistrano: Imagine se Pinheirinho fosse um bairro de Havana!

Íntegra em:

http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia

FrancoAtirador

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Em suma:

As "autoridades", em nome da lei, descumprem a Lei Maior que é a Constituição Federal.
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Rasec

Cadê q os movimentos sociais seguram essa bandeira? Isso é muito mais grave! Os que têm acesso à Justiça recorrem, ganham e não levam! Marta até tentou regularizar isso, mas havia tanto atraso que não deu. E a Justiça, diferente do tratamento dispensado aos outros governantes, foi implacável com ela (dava prazo pra cumprir precatórios, coisa jamais feita arteriormente com tanta urgência contra os prefeitos anteriores).
Vamos levantar essa bandeira!

Marcio H Silva

Cade O Zé cardoso? e o CNJ? vão fazer o que? que medidas tomarão? e a constituição vai conbtinuar sendo rasgada pelo governo e judiciário de são paulo? cadê a globo com suas materias a favor destes flagelados?

Jnascimento

O mesmo Governo que luta contra os direitos dos trabalhadores da extinta VASP;cumpre mandados de reitegração de posse sob medida!
A lei existe. Basta ter dinheiro e influência para fazer valer seus direitos.
Quase infalível quando se trata de corruptores e corruptos tão contumazes.

sebinho

O final do artigo já diz tudo: " Precatórios também são ordens judiciais e os governantes não cumprem". Na verdade, os governantes só cumprem aquilo que lhes interessa. É o caso típico do Pinheirinho. O trololó do gov. Alkimin foi por água abaixo. Mas creio ser importante examinar o papel do judiciário no caso Pinheirinho. Há um conteúdo extremamente autoritário das autoridades judiciais envolvidas. Com a palavra a ministra Eliana Calmon.

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