Ignacio Delgado: Atitude do governo não fará chantagistas recuarem e mina o ânimo dos que resistem ao golpe

Tempo de leitura: 5 min

juca-renanOs senadores Romero Jucá e Renan Calheiros

Osentido estratégico do Pré-Sal, o principal erro de Dilma na deliberação no Senado e a importância de não arredar pé na resistência ao golpe.

Ignacio Godinho Delgado , especial para o Viomundo

É claro que a decisão do Senado nesta quarta-feira, 24/02, foi extremamente negativa para a perspectiva que vê na Petrobrás um dos principais instrumentos do povo brasileiro para a construção de um projeto de desenvolvimento soberano.

Não é uma derrota completa, mas sinaliza em sua direção.

Como foi observado por muitas pessoas, garantido apenas o direito de preferência da Petrobrás em relação aos campos licitados — não a condição de operadora única do Pré-Sal — a preservação de seu papel estratégico na política de desenvolvimento do país vai depender da orientação do governo de plantão, que nomeia o presidente da empresa e, no limite, define se acata a manifestação da preferência.

Todavia, é um exagero imaginar que a preservação dos dispositivos atuais seria suficiente para impedir governos entreguistas de impor à Petrobrás a abdicação de seu papel estratégico.

Sua derrubada no congresso não seria tarefa muito difícil, em início de governo, dada a correlação de forças que se tem desenhado no país.

Não é no congresso apenas que esta batalha será decidida.

Diversos argumentos pontuais foram esgrimidos contra a abertura do Pré-Sal: o caráter inoportuno do incremento da exploração e da alienação de ativos num cenário de preços em baixa; a sustentabilidade da dívida da Petrobrás, que não é impedimento para a realização de investimentos na área do Pré-Sal; a liderança da empresa nas tecnologias de exploração em águas profundas, o que acarretaria menor risco de problemas ambientais, em contraste com a atuação de empresas que não têm o conhecimento e a experiência da Petrobrás; os custos mais reduzidos da exploração do Pré-Sal pela estatal, com impactos positivos nos recursos que resultam para a educação e a saúde.

Mais importante, tal como apontado acima, é o papel da Petrobrás no desenvolvimento brasileiro — que se amplia com a exploração do Pré-Sal –, evidenciado, por exemplo, na dinamização da indústria naval, com a política de conteúdo nacional estabelecida por Lula.

Ademais, a Petrobrás converteu-se numa empresa de energia, e não só de exploração de petróleo, com capacidade para a prospecção e investimento em novas tecnologias, como já o faz, ainda que não na extensão desejável, com iniciativas na pesquisa e produção de bicombustíveis e energia eólica.

Dessa forma, ela é o veículo principal para o aproveitamento de uma janela de oportunidade, que permita ao país se firmar em posições de destaque numa nova configuração produtiva, à medida que se avizinha o fim da era do petróleo.

A retirada da Petrobrás da condição de operadora única do Pré-Sal, e da exigência de participação de 30% em todas as explorações abertas, reduz substancialmente a possibilidade de nossa maior empresa cumprir tal papel estratégico.

É natural que as firmas estrangeiras, sem a exigência de parcerias com a Petrobrás, não confiram importância à compra de componentes e equipamentos produzidos localmente em suas políticas de investimento, e revelem pouco interesse no domínio, pelo Brasil, de tecnologias e atividades capazes de alterar sua posição na economia global.

Porém, mesmo a Petrobrás será afetada em sua política de investimentos com a abertura do Pré-Sal, premida pela exigência de resultados imediatos.

Ademais, ainda que não mude o perfil dessa política, seu impacto seria menor, dada a redução da área explorada pela empresa.

Um surto transitório de geração de emprego e recursos para os estados produtores não pode ser vista como a contribuição do Pré-Sal para o Brasil, como se insinua nas alegações falaciosas de José Serra.

Sem uma compreensão estratégica de seu papel, o risco é uma exploração predatória, atropelada, que não lega quase nada para o futuro do país e acentua a desnacionalização de sua economia.

É tedioso lembrar aos entreguistas que não existe um caso sequer, no planeta, de países que ostentem índices de inovação tecnológica expressivos – e o domínio de atividades a ela associadas – sem a presença de um elenco significativo de empresas nacionais inovadoras.

Não existirá uma nova jabuticaba brasileira, que consiga combinar controle absoluto da estrutura produtiva do país por empresas multinacionais e indicadores elevados de inovação.

A singela razão dessa impossibilidade reside na clara hierarquia das multinacionais em suas estratégias inovativas, reservando aos países hospedeiros apenas as etapas menos significativas dos processos de inovação.

Assim, países que confiarem nas multinacionais para realizar seu salto tecnológico estarão fadados a sempre caminharem a diversos passos de distância dos países que geram endogenamente tecnologia.

A China, por vezes apontada como exemplo em direção contrária, aprendeu essa lição e, a partir de 2003, introduziu a política de inovação endógena, para reforçar empresas e marcas nacionais, ao invés de confiar exclusivamente em joint ventures com as multinacionais.

No Brasil, tal aprendizado tem sido bloqueado na cabeça de parte expressiva de nossas elites dirigentes, portadoras de uma utopia reacionária, impatriótica e vira-lata, que confunde desenvolvimento com apego a padrões e estilos de vida irradiados da matriz europeia e estadunidense, e a um exibicionismo recalcado, tão esnobe quanto ignorante.

Por tudo isso, a decisão do Senado foi lamentável. Ela tem uma enorme carga simbólica e pode abrir caminho para a complementação do propósito entreguista, com a eliminação da política de conteúdo local e do regime de partilha.

O maior problema da atuação do Executivo na sessão de 24/02 foi a reedição de velhos erros.

Se havia interesse em construir uma fórmula intermediária, como o acordo firmado, em virtude de alguma avaliação sobre os riscos de uma derrota mais completa, ou para frear possíveis debandadas em direção à proposta do impedimento de Dilma, por que não debater intensa e previamente com lideranças que ofereciam resistência ao projeto de Serra?

Por que, mais uma vez, as ações açodadas, a surpresa?

Ocorreu em 2015 com o anúncio do ajuste fiscal. Ocorreu no início deste ano com o anúncio da disposição de fazer a reforma da previdência.

Um novo rumo parecia se revelar com a retomada do Conselho de Desenvolvimento e Social. Entretanto, mais uma vez evidencia-se o atraso para entender o rumo dos acontecimentos e o atropelo na busca de saídas.

O problema de tal estilo, como muitas vezes se disse, é que não faz recuar os chantagistas e mina o ânimo dos que resistem ao golpe.

De todo modo, bola para frente. Há que buscar, ainda, meios de reverter a decisão do Senado. E há, apesar de tudo, que perseverar na luta contra o golpe.

Não obstante os problemas do governo, preservar as regras do jogo, garantir a democracia não é uma questão de expediente, de tática.

Ela é uma conquista estratégica e a única possibilidade de buscar o progresso social e o desenvolvimento soberano.

Ademais, como a Argentina de Macri o revela, para lembrar o bordão global, adivinhe o que vem por aí, caso os golpistas tenham êxito.

Em defesa do Pré-Sal.

Viva a democracia.

Ignacio Godinho Delgado é Professor Titular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), nas áreas de História e Ciência Política, e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia-Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED). Doutorou-se em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1999, e foi Visiting Senior Fellow na London School of Economics and Political Science (LSE), entre 2011 e 2012.

Leia também:

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Comentários

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Antônio

Foi o Renan quem chantageou a Dilma, diz PHA em vídeo:

https://www.youtube.com/watch?v=hRZsTCDjuGo

Jorge Luiz

Jogamos a brasa no colo do Cunha, que vai se queimar mais ainda; depois que a Dilma vetar o projeto, vamos fazer eles gastarem capital político tentando derrubar o veto. (qua qua qua)

Márcio Gaspar

“É tedioso lembrar aos entreguistas que não existe um caso sequer, no planeta, de países que ostentem índices de inovação tecnológica expressivos – e o domínio de atividades a ela associadas – sem a presença de um elenco significativo de empresas nacionais inovadoras. Não existirá uma nova jabuticaba brasileira, que consiga combinar controle absoluto da estrutura produtiva do país por empresas multinacionais e indicadores elevados de inovação. A singela razão dessa impossibilidade reside na clara hierarquia das multinacionais em suas estratégias inovativas, reservando aos países hospedeiros apenas as etapas menos significativas dos processos de inovação.”

O termo não é “entreguistas” é “vendidos” são antinacionais aliados a estrangeiros, infelizmente os americanos são especialistas em criar um cultura mundial em favor deles, ao gosto deles. Os caras mandam bombas na cabeça de crianças e são aplaudidos pela classe média burra nos países que se submetem a política econômica mundial que eles regem. Nem o militares quando estiveram no poder foram tão vendidos quanto esses deputados e senadores que o Brasil tem.

FrancoAtirador

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ANALOGIA HISTÓRICA
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1961 = 2013
1962 = 2014
1963 = 2015
1964 = – – – –
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Urbano

Hoje em dia a massa de bandidos mais escroques que se encontram entocados nos quatro podres poderes da oposição ao Brasil é simplesmente alarmante. E para piorar a situação se disfarçam de autoridades dos três Poderes da República, a fim de passarem despercebidos pelo enorme contingente de incautos da população brasileira. E o mais gritante disso tudo é que eles conseguem calar as verdadeiras autoridades íntegras e de ilibada conduta moral.

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