Ignacio Delgado: Havendo eleição este ano, qual a melhor estratégia para as candidaturas de esquerda?

Tempo de leitura: 5 min

Se houver eleição, o que fazer?

por Ignacio Godinho Delgado*, especial para o Viomundo

A eleição presidencial de 2018, se ocorrer, já está decidida em favor das forças do campo de oposição, que se estende da esquerda à centro-esquerda?

Na maior parte das vezes este é o sentimento, mais ou menos explícito, das análises que têm aparecido por aí. Lula seria imbatível e, se excluído, sua capacidade de transferir votos para outro candidato seria fatal para as candidaturas golpistas.

Esse é, pelo que se lê das pesquisas de opinião até o momento, o enredo mais provável da eleição de outubro.

O que pode mudar?

Não é esperada uma retomada espetacular da economia que reverta as expectativas geradas pela continuidade da crise. Todavia, quando se chega ao fundo do poço, certa recuperação sempre ocorre.

Será que tal recuperação irá cacifar algum candidato do golpismo, de modo a gerar aquela disposição de voto meia bomba, em favor do que pode parecer um caminho mais seguro, diante do que será apresentado com espalhafato pela mídia como um salto no escuro?

Por outro lado, suponha, contra todas as expectativas, que o Plano Real de Temer (a intervenção militar no Rio de Janeiro) produza um sentimento de alívio em relação à violência no estado, mesmo que artificial e momentâneo, criando uma espécie de efeito demonstração pelo país, de modo a fortalecer, assim, a disposição do voto meia bomba indicado acima.

Por fim, não pode ser desconsiderada a possibilidade de uma redução no potencial de transferência de votos de Lula ou de sua mitigação, num quadro de fragmentação do campo de oposição.

Na última pesquisa Datafolha (31/01/208), mesmo Bolsonaro herda votos de Lula, enquanto Marina aparece como a principal beneficiária de sua exclusão da disputa. No contexto em que a pesquisa foi feita, portanto, até um segundo turno apenas com candidaturas golpistas seria possível.

Claro que muita água vai rolar e Marina tende a ser, mais uma vez, desidratada, quando suas posições se tornarem visíveis no transcorrer da disputa.

Não se sabe, por outro lado, se a intervenção no Rio de Janeiro vai esvaziar o balão de Bolsonaro, como esperam os temerários. Além disso, tudo sugere que o campo golpista também aparecerá fragmentado na disputa.

São apenas indagações e impressões fugidias. Mas cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.

Se as eleições ocorrerem é porque o golpismo tem confiança de que pode obter um resultado positivo.

É ingenuidade pensar que a imagem brancaleônica da bandidagem que surfou no golpe de 2016, ocupando o topo do aparelho de Estado no Brasil, represente o poder das forças reais que conduzem o golpe.

Até aqui o jacobinismo brega, antinacional e antipopular, ainda que de face e performance horrendas, tem obtido êxitos sucessivos em seus propósitos.

Foi-se o Pré-sal, voltamos ao século XIX nas relações de trabalho, nosso território e riquezas tornaram-se um butim de fácil domínio pelas forças de ocupação e seus aliados internos.

Por isso, além de descobrir as formas de resistir com eficiência em todos os campos de combate (salve a Paraíso do Tuiti), é preciso buscar uma solução para o dilema eleitoral.

Consideremos dois cenários: 1) Lula disputa; 2) Lula não disputa.

No primeiro cenário, a multiplicação de candidaturas de oposição é benéfica. Lula certamente irá ao segundo turno e pode até liquidar a fatura no primeiro.

Mais candidatos de oposição significa mais gente denunciando o golpe e seus desdobramentos. Imagine um horário eleitoral gratuito com Lula, Ciro, Boulos, Manuela, Aldo. O melhor dos cenários. Todos irmanados no segundo turno.

No segundo cenário, o quadro se complica. Preliminarmente, importa assinalar que, salvo melhor juízo, faz sentido Lula esticar ao máximo possível sua candidatura.

Recuar, agora, significa render-se à farsa judicial que levou à sua condenação, o que reduziria sua capacidade de transferência de votos.

O timing da retirada – se houver – é uma das questões chave da estratégia da oposição.

Fora da disputa, o risco é que, mesmo Lula mantendo seu potencial de transferência de votos, ele não se efetive plenamente.

Num cenário de fragmentação da oposição, pode ser acentuada a dificuldade de percepção do eleitor sobre a opção mais viável. Se nenhum dos candidatos de esquerda ou centro-esquerda alcançar 25% dos votos, existiria, então, o risco de, embora majoritária, a oposição ficar fora do segundo turno.

Não é razoável imaginar que o PSOL se retire da disputa. Ninguém pode exigir do partido que renuncie ao processo de afirmação da sua identidade.

Os demais partidos, contudo, já experimentaram alianças em diversos momentos, integram o campo da centro-esquerda, não têm obstáculos de monta no terreno ideológico para construírem uma coalizão. Se interesses menores impedirem, são outros quinhentos.

Na ausência de Lula, o nome de maior envergadura eleitoral é Ciro Gomes. Prefeito, governador, ministro, construiu uma carreira política tradicional muito bem-sucedida. Pelo seu peso e enraizamento nos movimentos sociais, o vice ideal deveria ser do PT.

A rigor, não existe um nome nacional do partido hoje, e mostrar-se mais desprendido, com participação importante num futuro governo Ciro Gomes, faria bem ao PT, que deveria dar mais atenção ao adensamento de seus vínculos com a base social que o apoia.

Por fim, é importante afirmar em alto e bom som que uma chapa Ciro Gomes e Marina não representa o campo nacional e popular.

Marina mudou de lado há muito tempo. Já Ciro Gomes, apesar das posições firmes que tem assumido nos últimos anos, não representa uma força política enraizada nos movimentos sociais, nem tampouco dispõe da dimensão de um Brizola.

Sua verve às vezes destemperada e a performance de sujeito valente têm servido para ser, por muita gente boa, associado à figura de Brizola, numa versão fake desse grande brasileiro.

Brizola encarnou sempre o trabalhismo varguista e dele nunca se afastou. Quando tal corrente perdeu substância no movimento sindical – por conta da ditadura e, depois dela, da afirmação do PT – a coerência de sua trajetória, seu lastro histórico e carga simbólica permitiram que mantivesse vivo, com o PDT, o legado que ajudara a construir, através de uma agremiação extremamente heterogênea e ostentando enorme flexibilidade e pragmatismo na orquestração de alianças (o que frequentemente é esquecido por adeptos da candidatura de Ciro, em suas críticas ao PT).

Qual é exatamente a identidade política de Ciro? Passou pelo PDS, MDB, PSDB, PPS, PROS, PDT… Ainda assim, merece todo respeito.

Nesse momento, é a melhor opção para reduzir a fragmentação da oposição, na condição de seu candidato principal, na ausência de Lula. Mas, para isso, sua chapa e governo precisam da âncora popular do PT. Sem ela, Ciro é um barco à deriva…

Enfim. É preciso estar atento e forte. Calçar as sandálias da humildade, reduzir o fogo amigo e pensar no país.

* Ignacio Godinho Delgado foi professor titular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), nas áreas de História e Ciência Política. É pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia-Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED). Doutorou-se em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1999, e foi Visiting Senior Fellow na London School of Economics and Political Science (LSE), entre 2011 e 2012.


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Comentários

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RONALD

Ciro não é confiável, pois em vez de defender Lula, preferiu usar o discurso fake da mídia corporativa para se sobressair politicamente. Não “ricomendo” !!!!!

RONALD

LULA E REQUIÃO NO PT 2018 !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Samuel Souza

Gostaria muito que fosse o Requião se não estivesse no mdbosta.

    RONALD

    Salve Samuel, eu também. Requião no PT seria fantástico como vice de Lula !!!!!

Na lata

Estratégias:
1 – Mobilizar a classe operária contra todos os ataques econômicos-sociais dos GOLPISTAS e FASCISTAS;
2 – Preparar a reação a um possível GOLPE MILITAR (em caso de eleições e vitória do PT).

Pulverização de candidaturas à Esquerda só facilita um segundo turno 100% Imperialista.

Julio Silveira

A melhor estrategia é os principais candidatos se reunirem jogarem os dados e fazerem um sorteio de cargos entre sí e aquele que tiverem mais pontos podem assumir as posições mais cobiçadas, recebendo o apoio dos demais, de forma mutua, no postos e cargos que restarem destinados no sorteio. Só assim para tentar evitar a vaidade e a controlar a fome de poder de alguns, que se acham melhor que os demais.

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