Ariel Goldstein: Mídia legitima ordem social excludente e conservadora

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Jango nunca foi perdoado por priorizar os trabalhadores

Sociólogo argentino lança livro sobre tratamento da imprensa à Lula e Getúlio Vargas

Observatório da Imprensa

Ariel Goldstein é Doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Buenos Aires. Pesquisador no Instituto de Estudos da América Latina (do CONICET) e o Caribe.

É professor e pesquisador da Faculdade de Ciências Sociales, Universidade de Buenos Aires.

Desde os anos 2000, Ariel tem se especializado na análise da relação entre populismo e cobertura midiática na América Latina, com ênfase para o Brasil.

Autor de publicações analisando a cobertura midiática dos governos de Lula e Dilma Rousseff, Ariel acaba de lançar na Argentina o livro “Prensa Tradicional Y liderazgos populares en Brasil” (Imprensa tradicional e lideranças populares no Brasil).

Em entrevista ao Observatório da Imprensa, Ariel fala de sua nova publicação — resultado de cinco anos de pesquisa — e lamenta que ainda não está disponível em português.

“Seria muito bom se o livro fosse editado no Brasil, já que trata de questões que podem ser do maior interesse para os brasileiros”.

O seu livro mais recente compara o tratamento dado pela imprensa a dois líderes populares — Getúlio Vargas e Lula.

Quais as principais diferenças e pontos comuns nas coberturas políticas dos dois ex-presidentes?

Ariel Goldstein: Os pontos comuns são o rechaço às lideranças populares pela grande imprensa, e o que isso significa para o Brasil.

Uma liderança que tem grande apoio popular como Getúlio ou Lula tem autonomia. Autonomia da agenda pública pautada pela mídia, que quer reduzir a política exclusivamente a “honestos” e “corruptos”.

Tem capacidade de convocatória e mobilização das classes populares.

Isso foi percebido como um fantasma da anarquia para a elite brasileira, que teme que essas mobilizações pudessem mudar a ordem pacientemente construída e se transformar em “peronismo” (nos anos 1950) ou chavismo (nos anos 2000).

As diferenças são que o discurso da imprensa brasileira tem se “democratizado” um pouco.

Com Lula, as acusações foram menos antidemocráticas do que com Getúlio.

Mas realmente são maiores os pontos comuns da reação da imprensa tradicional — Folha de S.Paulo, O Globo, Estado de São Paulo – no Brasil frente a estas lideranças — do que as diferenças.

O que as reações do jornalismo aos dois líderes populares – em diferente períodos históricos – revelam sobre a grande imprensa brasileira?

Ariel Goldstein: A elite brasileira é muito intolerante a mudanças na sociedade, especialmente com duas lideranças que discutem uma questão que ela não quer mudar: a desigualdade social.

Continuam mantendo essa visão “udenista” sobre a ordem social.

Essa ideia do Carlos Lacerda nos anos 1940, de que “O sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedí-lo de governar”, isso continua muito presente.

É uma visão assumida pela grande imprensa no Brasil. A grande imprensa brasileira exerce uma função chave na legitimação da ordem social excludente e conservadora.

Quando e como começou o seu interesse pela relação entre imprensa e política brasileira?

Ariel Goldstein: Durante os primeiros anos do século XXI, as batalhas dos governos progressistas na Argentina e em outros países contra a grande mídia foi uma questão que despertou meu interesse.

Escolhi o Brasil para estudar isso. Achava que assim, estudando outro país diferente do meu, poderia ter maior objetividade na análise.

Quais as principais diferenças da grande imprensa brasileira em relação aos outros países da América Latina?

Ariel Goldstein: A imprensa brasileira é muito intolerante, reflexo das elites do país.

Na Argentina, você tem imprensa de centro esquerda, como o Página 12.

No Brasil, o PT não teve nenhum jornal que defendesse as suas posições. Isso não é bom para a pluralidade democrática.

No Brasil, vejo um consenso da grande imprensa sobre a necessidade da ortodoxia econômica, que não pode ser questionada.

Isso valeu tanto em 2003,  quando Lula assumiu, elogiando o modelo FHC e a gestão do Palocci, como nos anos 50, quando os jornais elogiavam o plano ortodoxo que Osvaldo Aranha queira impor, no segundo governo de Getúlio, ao tempo em que criticavam o Jango Goulart por ser “peronista”.

O Jango, como ministro do Trabalho de Getúlio, só queria tecer relações de maior igualdade para os operários, mas a grande imprensa nunca perdoou isso. Ele queria dar mais força aos sindicatos para que pudessem defender seus direitos.

Como esse jovem, grande estancieiro do Rio Grande do Sul, poderia fazer isso, receber os operários no gabinete em lugar de estar nas cerimônias do Itamaraty?

Jango faltou às cerimônias para receber o presidente do Peru, Manuel Odria, e ficou conversando com os operários. A grande imprensa atacava o Jango sem trégua por isso.

Do mesmo jeito, agora elogiam o Henrique Meirelles, o novo ministro ortodoxo que “vai salvar o Brasil”.

A imprensa brasileira está ligada aos interesses que defendem a ortodoxia econômica. O jornal mais equilibrado, a meu ver, a Folha de S. Paulo, também é propenso a defender a ortodoxia.


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