Faustino Rodrigues: PEC do Temer agravará a já profunda desigualdade social

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Bandeira do Brasil

PEC 241 – Usando a imaginação

por Faustino da Rocha Rodrigues, especial para o Viomundo

A justificativa para a adoção da PEC 241 é econômica. A medida congela os gastos públicos primários nos próximos 20 anos. Tais despesas ficariam totalmente atreladas ao índice da inflação, tendo os seus reajustes pautados por eles, sustentando que essa seria a melhor maneira para promover o crescimento do Brasil.

Mas, a que custo? Pergunto isso porque os maiores perdedores, sem dúvida, serão os pobres.

Em termos práticos, e políticos, a PEC 241 retira do Congresso Nacional, dos representantes políticos, a decisão em instâncias orçamentárias. Isso porque ao estabelecer um gasto fixo ao longo das próximas duas décadas, não haverá discussão para o dimensionamento do Orçamento, de sua aplicação. A expectativa, segundo o governo, é reduzir progressivamente a parcela do PIB destinada a gastos públicos.

Ora, o governo Temer não foi eleito pelo povo. A maneira como chegou ao poder é discutível. Logo, não há porque prestar contas à população. Não há a necessidade de respaldo. Eis um dos perigos de um golpe. Digo isso porque muitos foram a favor da saída de Dilma defendendo um pragmatismo político. “Ela não é boa presidente, então, resta apeá-la do poder. As regras que se danem”.

A PEC 241 atinge diretamente as transferências para a população, a maior parte dos brasileiros. Estarão comprometidas políticas como a do seguro-desemprego e não gastos correntes, como os salários do funcionalismo público – alguns deles excessivamente altos, como no caso do Judiciário.

Em termos práticos, pensemos nas consequências da medida votada no dia 10 de outubro de 2016. Certamente, ela será um divisor de águas para a sociedade brasileira. De modernização capitalista periférica, o Brasil produziu um enorme contingente populacional desprovido de recursos para acessos a direitos básicos.

Não há como discutir como os governos petistas dos últimos anos favoreceram a universalização do acesso a determinados serviços públicos – inclusive a alguns deles que eram, até o momento, restrito a elites, como a educação superior, que depois voltarei nela. Não é somente assistencialismo – como gostam de falar os críticos do Bolsa Família.

Pensando na saúde, hoje é aplicada uma regra que estabelece um investimento no setor, de porcentagem mínima, a partir da Receita Corrente Líquida da União. Em 2016 essa porcentagem está em 15%, com expectativa de crescimento progressivo para os próximos anos.

A PEC 241 fixa o percentual em 15% para as duas décadas vindouras, como demonstrou o senador Lindberg Farias, em texto aqui no Viomundo. Assim, pensemos o quão caótico já é o nosso serviço de saúde. Imagine como ele ficará com o congelamento do investimento.

Já que estamos aqui, aproveitemos de nossa imaginação para vislumbrar cenários. Ainda na saúde, para além de epidemias de dengue e crescimento exponencial das vítimas de violência no trânsito e urbana, o investimento deverá ficar restrito à taxa da inflação do ano anterior. O problema maior a ocorrer é o aumento da demanda frente aos recursos disponíveis.

Como resposta, atento à pressão que obviamente virá, o governo poderia privatizar o gerenciamento dos hospitais públicos, por exemplo. O figurino manda que a empresa – ou Organização Social (OS), como queira – tenha lucro. Obviamente, tentará conseguir esse lucro no contingenciamento de salários de seus funcionários. A “alternativa” será a “flexibilização” das leis trabalhistas. Mexe-se na CLT. O impacto da PEC 241 chega ao setor privado.

Não haverá investimentos maiores em segurança pública. Se vivemos um momento de insegurança urbana, acredite, pode piorar. Como consequência, como não há expectativas para a diminuição da violência, não haverá a redução dos atendimentos e gastos no serviço público de saúde.

Pensemos na Educação [1]. Nas mesmas proporções, o investimento tende a ser reduzido – contrariando a fala do atual ministro. É mais difícil imaginar a privatização das escolas e universidades. Mas, por exemplo, pensando no ensino básico, pode-se privatizar ações como o PNLD (Programa Nacional do Livro Didático).

Em seu lugar, entrariam os materiais apostilados fabricados pela iniciativa privada, algo já muito popular em São Paulo – cujos resultados no desempenho, entretanto, nem são tão populares assim. A lógica seria a mesma do sistema de saúde mencionado em parágrafo anterior.

Haveria, também na educação, aumento de professores designados frente aos concursados. Em decorrência disso, sem uma política de valorização do salário mínimo – pois o seu ajuste estaria restrito ao teto da inflação do ano anterior – teríamos precarização ainda maior da profissão. E, consequentemente, precarização da educação.

Ademais, não teríamos motivos para acreditar que tais iniciativas no plano da educação surtiriam o efeito que o país precisa para o crescimento. Com o Ensino Básico comprometido, as possibilidades de acesso ao ensino superior estariam reduzidas – certamente, programas como Fies e Prouni teriam investimentos comprometidos, senão totalmente cortados.

As faculdades contingenciariam parcelas da população tradicionalmente privilegiadas economicamente. O ensino superior público – ironicamente tão ambicionado pelas elites econômicas do país – ficaria restritíssimo, como outrora, em nossa recente história.

O ensino superior é o centro da produção de ciência e tecnologia no Brasil. É difícil imaginar um aumento nos investimentos neste setor e, consequentemente, em P&D, Pesquisa e Desenvolvimento.

Imaginemos que um professor da Universidade Federal X (UFX) possa utilizar dos laboratórios públicos de sua instituição, valendo-se de uma já restrita, mas não pouca, verba pública, pagando bolsistas com dinheiro público e comprando material através de recursos públicos.

Aproveitando as vantagens da imaginação, suponhamos que ele desenvolva uma pesquisa que abra caminhos para a cura da AIDS. Para que a pesquisa prossiga, ele obrigatoriamente depende de mais recursos públicos. Mas, como o investimento em P&D também encontra-se restrito aos níveis da inflação do ano anterior, falta este recurso.

A permissividade crescente da iniciativa privada no serviço público faz com que, depois de todo o investimento público, ele possa “vender” a patente da pesquisa para uma empresa privada que, em contrapartida, pagaria escassos royalties para a UFX. E escassos, neste caso, significaria algo em torno de 100 mil reais, não mais que isso. E o professor, para ser estimulado a prosseguir na pesquisa na iniciativa privada, receberia um valor semelhante ou maior.

Em decorrência disso, a patente fica com o setor privado. Agora, ela pode prosseguir com a pesquisa (praticamente toda desenvolvida com recursos públicos) e fabricar o medicamento e curar a AIDS. E isso sem ter feito o investimento mais caro, o do laboratório da pesquisa em fase inicial, bem como de capital humano, formação de pesquisador.

Tendo em vista que a patente fica nas mãos da iniciativa privada, ela pode fabricar o remédio e estabelecer o seu preço que, ironicamente, será pago pelo governo (algo que não aconteceria se tivesse ficado com a patente e tido sólido investimento em P&D), para abastecer seus postos de saúde, pois, agora, não tem qualquer controle fiscal sobre a produção do remédio transformado em mercadoria. E o Estado, claro, paga sempre mais caro – bem mais caro que os 100 mil reais de royalties.

Poderia, ainda, desenrolar um conjunto de fatores que ligariam uma coisa a outra, como a previdência, o seguro desemprego, o próprio bolsa família, as estradas federais etc. A PEC 241, ao final, representaria uma bola de neve. Obviamente, todo o texto acima tem muito de retórica, flertando até mesmo com a imaginação. Mas, não é difícil conceber a realidade por mim desenhada. Todavia, acho extremamente difícil conceber um cenário em que o maior perdedor não seja o povo brasileiro. Ou não?

Antes de terminar, pensando pelo puramente político, a medida pode ser uma estratégia, parte de todo o número encenado até agora.

Pois, através da PEC 241, o atual governo, desprovido de legitimidade frente ao povo, conseguiria engessar um eventual futuro governo da esquerda ou centro-esquerda. Ou seja, imaginemos que Lula vença as eleições de 2018, seu governo estaria limitado constitucionalmente a investir em políticas sociais.

Por outro lado, em uma vitória da direita, ou do centro, talvez haja manobras para a reversão da PCE 241. O mais interessante neste caso é o flagrante uso da lei, da Constituição, em um casuísmo. Algo extremamente perverso, revelando uma faceta cruel da política brasileira, com suas elites dirigentes à frente.

Enfim, caro leitor, se chegou até aqui, peço que utilize, como eu fiz, de sua imaginação e vislumbre os cenários que se anunciam em nosso horizonte.

Se, com a PEC 241, o crescimento realmente vier ao longo dos próximos 20 anos, ele estará explicado em uma fórmula extremamente perversa, pois será um crescimento a partir da exacerbação da desigualdade. Não haverá ampliação da cidadania e inclusão de setores sociais tradicionalmente excluídos. Isso porque a política será de poucos, os únicos beneficiados da medida do governo. Lamentável.

PS: O Dieese soltou interessante nota técnica demonstrando como o arrocho nas despesas primárias do governo, as despesas sociais, que viria com a PEC 241, não faz o menor sentido. Isso porque acompanhado da elevação de tais gastos primários está o aumento equivalente na receita primária – ou seja, na arrecadação fiscal. Logo, controlar gastos de inflação com medidas como esta não fariam o menor sentido. Para mais detalhes: http://www.dieese.org.br/notatecnica/2016/notaTec161novoRegimeFiscal.pdf

Faustino da Rocha Rodrigues é cientista social e jornalista.

[1] Em tese, a PEC 241 não interfere nos recursos para o fundo da educação básica, o FUNDEB. Mas, é previsto um efeito bola de neve, interferindo, como consequência de uma série de ações paralelas, no investimento no fundo propriamente dito.

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Urbano

A ordem lá de cima é não deixar pedras sobre pedras… Exceto as que dão sustentação ao tronco da senzala.

FrancoAtirador

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BRASILEIR@S POBRES ESTÃO A UM PASSO DE SEREM LITERALMENTE EXTERMINADOS

Há Séculos, o Brasil vive sob um Apartheid Sócio-Econômico, similar ao da África do Sul,

apenas Amenizado com a Implantação dos Programas Assistenciais dos Governos do PT.

O que o Fantoche MiShell anuncia são Políticas de Preconceitos Sociais Discriminatórios.

Com os ‘Gestores’ do PSDB e do PMDB, o Governo partiu para o Extermínio em Massa.
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FrancoAtirador

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CAOS URBANO

NÃO CABE MAIS GENTE NAS METRÓPOLES

Megalópole Rio-São Paulo Concentra
25% de toda a População Brasileira
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Dados do Último Censo Demográfico do IBGE, de 2010*,
revelam que pouco mais de 20 (Vinte) Cidades Brasileiras

concentram a maior parte das Atividades Demográficas
e Produtivas do País que tem Mais de 5.500 Municípios.

*(http://censo2010.ibge.gov.br)
images.slideplayer.com.br/1/49032/slides/slide_2.jpg
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A Área do Eixo Metropolitano Rio de Janeiro – São Paulo,
Megalópole que engloba as Cidades entre as 2 Capitais,

é a Mais Densamente Povoada do Brasil, concentrando
25% da População e 60% da Produção Industrial do País.

images.slideplayer.com.br/1/49032/slides/slide_15.jpg
https://pt.wikipedia.org/wiki/Megal%C3%B3pole_Rio%E2%80%93S%C3%A3o_Paulo
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A Região Metropolitana de São Paulo-Capital concentra
mais da Metade dos 40 Milhões de Habitantes Paulistas

e apresenta as Principais Estruturas Econômicas e Sociais
de todo o Estado Paulista, reunindo apenas 39 Municípios

em Intenso Processo de Conurbação, em que a Capital
e Demais Cidades formam uma Imensa Mancha Contínua.

http://www.crpsp.org.br/portal/comunicacao/cadernos_tematicos/4/frames/img/mapa1.gif

http://alunosonline.uol.com.br/geografia/macrocefalia-urbana.html
https://pt.wikipedia.org/wiki/Regi%C3%A3o_Metropolitana_de_S%C3%A3o_Paulo
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