Emir Sader: O ajuste fiscal foi politicamente desastroso

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Antonio Ivo de Carvalho (em pé), coordenador do CEE-Fiocruz, abre o debate. Sentados:  Emir Sader, José Maurício Domingues e Pedro Claudio Cunca Bocayuva. Fotos: Peter Iliciev/CCS/Fiocruz

Impeachment, ajuste fiscal e a pauta negativa que desafia o país

por Eliane Bardanachvili, do Centro de Estudos Estratégicos da FiocruzCEE-Fiocruz

Uma situação “catastrófica”, permeada por graves erros políticos do governo, isolado e na defensiva; o preço alto das alianças políticas indesejadas, que comprometem os avanços nas políticas sociais e distributivas; e a necessidade de se definirem caminhos para manter os avanços conquistados até aqui foram algumas das conclusões compartilhadas  com os internautas pelos palestrantes do terceiro debate online da série Futuros do Brasil, do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, realizado em 10/12/2015.

O evento ocorreu na semana em que o cenário político, já movimentado pelo pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, encaminhado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha, agitou-se mais com a carta queixosa do vice-presidente, Michel Temer, a Dilma. Como saldo positivo, analisaram os palestrantes, o país que parecia um jogo de xadrez em que as peças não se movimentavam, começou a se mexer.

O tema Desdobramentos da crise, pós-neoliberalismo e ciclos políticos, foi debatido pelo sociólogo e cientista político Emir Sader, coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj (LPP/Uerj), e pelo professor Pedro Claudio Cunca Bocayuva, do Programa de Pós-Graduação de Políticas Públicas em Direitos Humanos da UFRJ (NEPP-DH/UFRJ). Eles falaram para os internautas conectados, que puderam fazer perguntas em tempo real, e para uma plateia de convidados, reunida no CEE-Fiocruz.

Emir Sader abriu o debate, ressaltando a situação “impressionante” na qual “pela primeira vez na História do Brasil, um candidato, ou candidata, à presidência da República é reeleito com a oposição de todo o capital financeiro, de todos os empresários”.  Segundo Emir, Dilma privilegiou os compromissos sociais, mesmo diante das dificuldades que enfrentou. No entanto, para conseguir apoio, fez uma leitura equivocada “que desembocou no ajuste fiscal”. Ele condenou a orientação de que a governabilidade é pretexto para se fazer qualquer tipo de aliança. “Tem-se isso que está aí, uma situação de minoria absoluta”. Para o sociólogo, o ajuste fiscal foi socialmente injusto, economicamente ineficiente, uma vez que não leva a expansão econômica, mas ao aprofundamento da recessão, e politicamente desastroso.

O ajuste fiscal foi socialmente injusto, economicamente ineficiente, uma vez que não leva a expansão econômica, mas ao aprofundamento da recessão, e politicamente desastroso (Emir Sader)

Emir observou que a economia deixou de crescer e ficou praticamente estagnada durante todo o primeiro mandato da presidente Dilma e que houve uma ruptura em um dos elos que o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva havia montado, com setores do PMDB e com setores do empresariado, possibilitando que o Partido dos Trabalhadores, ainda que sendo minoria, governasse o país. “O primeiro mandato da Dilma acabou logo e o segundo demorou para começar. Nesse vazio, Eduardo Cunha montou sua candidatura. Quando o governo acordou, fez tudo que Cunha queria: lançar um candidato do PT”, disse [referindo-se ao deputado petista Arlindo Chinaglia, que perdeu a presidência da Câmara para Cunha, em fevereiro, por 267 votos contra 136]. “Foi uma derrota acachapante. O governo ficou sem posições estratégicas dentro da Câmara”.

Para Emir, é difícil projetar o futuro, mas considera que não deverá se concretizar o impeachment da presidente. “O empresariado prefere uma continuidade com o governo fraco, para que continuem a pressionar”, justificou. “O capital financeiro continua a ser hegemônico no Brasil e em todo o mundo, em sua modalidade especulativa, que ganha mais na crise”, analisou, condenando o discurso de é preciso salvar o capital financeiro e os bancos, sob pena de graves consequências para todos. “Salvaram o capital financeiro, o sistema bancário e passaram a quebrar os países”, apontou.

O empresariado prefere uma continuidade com o governo fraco, para que continuem a pressionar (Emir Sader)

A recomposição do governo, de acordo com Emir, está ligada a uma mudança na política econômica. “Não sei se a cabeça dura da companheira Dilma vai flexibilizar isso”.

Ele observou que até pouco tempo atrás, a presidente poderia ser derrubada sem qualquer reação. “As pessoas perguntavam: vou para a rua para defender o quê?. A situação estava mais fria. Agora, há um pouco mais de consciência do que representa derrubar Dilma”, disse, referindo-se ao pedido de impeachment feito pelo presidente da Câmara. “Até então, parecia um jogo de xadrez em que nenhuma peça se movimentava. Desatamos isso, mas estamos naquele ponto da novela que chamamos de momentos culminantes”.

Referindo-se tanto a Eduardo Cunha, quanto ao vice-presidente da República, Michel Temer, Emir observou que o país vive uma situação caricata, em que “personagens sórdidos acabaram ocupando espaço da república bananeira”. Para o sociólogo, em um “deserto” de nomes, Lula é o que ainda tem a capacidade de recompor um projeto de desenvolvimento, que unifique o país e recupere o Estado, uma vez que, segundo ele é “o único líder político com apoio popular e capacidade para isso”.

Lula é o único líder político com apoio popular e capacidade para recompor um projeto que unifique o país e recupere o Estado (Emir Sader)

Para Emir, é necessário, agora, que Dilma compreenda que quem a defende são os trabalhadores, os movimentos populares, a militância, que, assim, não deve fazer uma política econômica impopular. E também que se faça uma contraposição ao discurso da corrupção, que se tornou consensual. “O que aconteceu de mais importante neste século é que o país ficou menos desigual ou que ficou mais corrupto?”, indagou, propondo uma disputa de agenda e o deslocamento do debate, sem que se escondam as conquistas sociais.

O que aconteceu de mais importante neste século é que o país ficou menos desigual ou que ficou mais corrupto? (Emir Sader)

Pedro Cláudio Cunca Bocayuva observou que o neoliberalismo “avança e se beneficia do próprio desastre que gera” e que a atual situação que o país enfrenta relaciona-se em grande medida ao fato de, apesar do “avanço distributivo”, ter sido necessário “ceder de algum lado” para viabilizar governar. “O realismo político das alianças tem algum tipo de preço, algo a pagar. E temos que decidir por onde ir”, observou, apontando “a retomada de uma geopolítica do poder norte-americano no continente”.

O realismo político das alianças tem algum tipo de preço, algo a pagar (Cunca Bocayuva)

Cunca ressaltou os aspectos negativos do desenvolvimento do país com base em commodities. “Ficamos bastante prisioneiros. O agronegócio não é sem peso na estrutura política brasileira. Temos também a mineração, a opção pelo pré-sal, prioridades que trazem contradições sociais grandes”, considerou. Ele apontou também os problemas gerados por “um modo de governar por projetos”, em detrimento de programas e políticas. “Não sabemos como financiar as instituições em termos de políticas públicas”.

Não sabemos como financiar as instituições em termos de políticas públicas (Cunca Bocayuva)

Ao mesmo tempo, foram destacadas por Cunca também as conquistas obtidas pelo país, tais como a mobilidade social, com mais presença de negros e mulheres em espaços universitários e políticos, entre outros. “Hoje, é possível dizer: o Amarildo tem nome! Isso é resultado das nossas lutas”. Essas conquistas, de acordo com Cunca, coincidiram com “cristalizações perversas no plano local”, como a agenda dos megaeventos e a coalisão com as empreiteiras. “Nosso capital produtivo está mediado pelas relações financeirizadas”, observou.

Hoje, é possível dizer: o Amarildo tem nome! Isso é resultado das nossas lutas (Cunca Bocayuva)

Para o professor, houve “falha estratégica” da presidente Dilma, ao não tomar a iniciativa e apontar que a “morbidez política” estava paralisando o governo. “Essa postura de não falar, de não criar a esfera pública também é enfraquecedora, porque aumenta o nosso ônus e nossa perplexidade”.  Cunca descreveu um quadro pautado por criminalização, denuncismo, delação, “combinado a um certo gozo midiático dos processos”, para indagar se é possível algum tipo de articulação para a composição de uma frente. “Fizemos avanços e deveríamos procurar mantê-los. O capital político foi deteriorado, em parte, sob responsabilidade das lideranças políticas. Havia nitidez política no nosso projeto”, disse, propondo introduzir “um choque de público” em um projeto para o país. “Temos que refletir como podemos recompor a confiança entre nós. A cautela é necessária”.

Essa postura [da presidente] de não falar, de não criar a esfera pública também é enfraquecedora, porque aumenta o nosso ônus e nossa perplexidade (Cunca Bocayuva)

O mediador do debate, José Maurício Domingues, pesquisador do Iesp/Uerj e do CEE-Fiocruz, considerou que o país está em uma “encruzilhada complicada, na qual o pensamento estratégico está nos faltando, do ponto de vista da articulação das alianças políticas quanto do ponto de vista de uma agenda estratégica”.

Na plateia, a pesquisadora Clarice Melamed, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) ressaltou a importância de debates como os que vêm sendo levados à frente na Fiocruz. “É importante manter esse espaço para arejar nossas ideias”. Ela observou que a autocrítica está pouco presente nas discussões e que os intelectuais devem contribuir mais com suas análises. “O projeto petista em termos de desenvolvimento do país tem problemas fundamentais que têm que ser encarados, com uma crítica produtiva, imediatamente”, exemplificou. “Onde chegamos? Nisso que estamos vivendo esta semana. Há questões profundas que precisamos revisitar”.

A autocrítica está pouco presente nas discussões; os intelectuais devem contribuir mais com suas análises (Clarice Melamed)

Para a vice-diretora do Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes), Lúcia Souto,  “estamos vivendo um momento limite, mas estamos também movimentando de forma muito profunda a sociedade brasileira”. Ela ressaltou a importância do movimento Por um Brasil Justo e Democrático – presente no segundo debate Futuros do Brasil – que busca criar um projeto alternativo, construído coletivamente. “Uma ínfima redistribuição de renda que fizemos já gerou resistência enorme”, observou, lembrando que o documento divulgado em novembro pelo PMDB , Uma ponte para o futuro, considera que a democracia e a Constituição de 1988 não cabem no orçamento.

Estamos vivendo um momento limite, mas estamos também movimentando de forma muito profunda a sociedade brasileira (Lucia Souto)

Lucia trouxe as mudanças observadas no cenário de São Paulo, “a maior base da direita no país”, para afirmar que houve mudanças. Na capital paulista, disse, prefeito petista Fernando Haddad, leva à frente “uma agenda inovadora do ponto de vista da gestão das cidades”; no estado, em diversas cidades, estudantes da rede pública protagonizaram um movimento de resistência, com uma “ocupação surpreendente” das escolas, “contra uma política de desmonte da educação pública”, levando a uma “queda inimaginável” da popularidade do governador Geraldo Alckimin, que despencou em pouco tempo. “Sou muito a favor dessas narrativas que estão colocadas, da reverberação desse projeto, como um projeto da sociedade como um todo”.

Estamos vivendo um momento limite, mas estamos também movimentando de forma muito profunda a sociedade brasileira (Lucia Souto)

Os participantes virtuais também enviaram perguntas e fizeram observações. A internauta Luana quis saber como os convidados viam o nome de Ciro Gomes para as eleições de 2018 e Janete, sobre o papel do PSOL. Flavia Souza perguntou sobre a interdependência dos diversos setores na elaboração de políticas públicas. Sebastian diz que a disputa agora deve se dar no marco da radicalidade democrática, com comunicação; observou que a falha na integração regional é mais cultural do que econômica e indagou como pensar em algo alternativo ao neoliberalismo em meio a uma lógica rentista e um orçamento comprometido com serviços da dívida desde 2003 e como pensar um contraponto sem comunicação?

A disputa, agora, deve se dar no marco da radicalidade democrática, com comunicação (Sebastian, pela internet)

Carolina Niemeyer pediu a opinião dos palestrantes quanto à hipótese de o impeachment estar servindo aos interesse de atores políticos e conômicos que querem ver o Lava Jato abafado e arquivado, por conta de Dilma ser dos poucos sobre quem não recai qualquer denúncia de corrupção estar sendo defendido para atender interesses políticos e econômicos daqueles que desejam ver a operação Lava Jato abafada.

O impeachment pode estar servindo aos interesses de atores políticos e econômicos que querm ver a Lava-Jato abada e arquivada? (Carolina Niemeyer, pela internet)

Em relação à presença de Ciro Gomes no atual cenário político, Cunca Bocayuva observou que “nomes existem e vão ser lançados; cumprem uma função num sistema de dois turnos” e que Ciro “se cacifa, e, se não se candidatar ele não negocia nenhum papel”.  Emir Sader considerou que Ciro Gomes tem o papel dele. “Ele diz coisa que é preciso dizer, o [Roberto] Requião também, mas vamos pensar em algo mais concreto”. Quanto ao papel do PSOL, para Emir, o partido fracassou por seu ultra-esquerdismo, que o levou a considerar, nas eleições de 2006, Lula e Alckmin como “a mesma coisa”.

Cunca conclamou que se tornem públicas as instituições públicas,  aproveitando-se melhor o complexo de universidades públicas de que o país dispõe, como uma solução virtuosa. Ali estão mais pobres, mais negros, uma nova presença popular, novos professores, determinadas potencialidades intelectuais, tecnológicas. “A universidade pode se colocar mais ativa na pólis, menos reativa, menos subordinada à sua precariedade. Seria um passo decisivo”. Para ele, instituições como UFRJ e Uerj têm papel importante na conexão com a população, via saúde, com suas estruturas hospitalares, via educação, extensão. “O debate científico e tecnológico é chave para se pensar um novo modelo. Temos inteligência, agenda, trabalho e produção intelectual e técnica para propor um programa novo para o país e convidar os quadros políticos a participar desse diálogo, a partir da nossa centralidade”.

Emir propôs avaliar o quanto superamos o neoliberalismo a partir de o quanto fortalecera-se as esferas mercantil e pública, considerando o Sistema Único de Saúde (SUS) um termômetro para esse diagnóstico. “Essa luta é fundamental. Estou contente de haver disputa, de ter gente que defende interesses públicos e programas que podem ser fortalecidos”.

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