Emílio Lopez: O comício do PT pelas Diretas e a conquista da democracia

Tempo de leitura: 4 min

O histórico comício de 25 de janeiro de 1984, aniversário da cidade de São Paulo,na Praça da Sé

por Emílio Carlos Rodriguez Lopez, especial para o Viomundo

Eu tive a sorte de estar presente nestes dois momentos históricos na Praça Charles Muller, em frente ao estádio municipal do Pacaembu. Em 1982, quando houve o grande comício de encerramento da campanha do Lula a governador do Estado de São Paulo.  Em 27 de novembro de 1983, quando o PT fez o seu primeiro comício pela Campanha das Diretas.

Era o velho PT, com suas barraquinhas. Os comícios lembravam quermesses. Eram fundamentalmente momentos de convivência e de muito debate e educação política.  Era tudo muito prazeroso: rever os amigos, conversar muito…  E assim foi sendo  formada uma geração de militantes.

Ali, naquele ato de 1983, foram gritados pela primeira vez os slogans que, meses depois, seriam os de milhões de brasileiros: “Um, dois, três, quatro, cinco mil, queremos eleger o presidente do Brasil”; “presidente quem escolhe é a gente”.

Pode-se discutir se aquele ato de 1983 foi pequeno,  por que não conseguiu atrair todos os partidos políticos de oposição à época… Mas nada se pode dizer contra a importância do PT  ter sentido que o momento em que se poderia alcançar a democracia e a liberdade era aquele.

Esse esforço mostrou que era possível organizar a sociedade. E, assim, em 25 de janeiro de 1984, aniversário da cidade de São Paulo, foi chamado o grande ato na Praça da Sé, ao qual compareceram mais de  300 mil pessoas.

Ali, ficou clara a posição da Globo, que não cobriu o ato. Muitos jornais também o ignoraram. Mas a campanha foi crescendo e realizou os maiores comícios no período republicano. A experiência mostrou  que a mídia era seletiva e  comandada pela ditadura . Nascia aí  um grito de guerra: “Fora Rede Globo, o povo não é bobo”, ouvido nas  manifestações deste ano.

A Campanha das Diretas ocorreu em meio à forte recessão. Um  texto brilhante de Dalmo Dallari, publicado em jornais da época, mostrou  que recuperar o direito ao voto era a possibilidade de o povo influir nos rumos da política econômica e conseguir o direito ao pão. Às vezes, um texto pode ser profético. E, mais que qualquer outro governo, a profecia de Dallari se cumpriu no governo Lula,  promovendo o acesso ao pão para milhares de brasileiros e muitas outras coisas.

Mas para mim e a minha geração o mais importante da Campanha das Diretas, preparada pelas greves no ABC, foi a percepção  de que  o povo tudo podia e de  que iríamos alterar os destino de nosso país. Como de fato aconteceu.

Ou seja, vivíamos de certa forma, a experiência de estar no vendaval da revolução, mesmo que esta não tenha ocorrido. Por isso, o maior tesouro que carregamos em nossa trajetória foi essa experiência, além da conquista da democracia política. Quem sofreu com a ditadura sanguinária (ela não foi branda como prega certo historiador amigo de José Serra),  sabe a importância da democracia.

A ditadura queria uma transição lenta, gradual e segura, para evitar que  figuras oposicionistas autênticas  e de  esquerda em sentido lato tomassem o poder. Nesse sentido, como sublinhou Plínio de Arruda Sampaio,  a Campanha das Diretas, as eleições de 1989 e o impeachment  de Collor foram momentos em que a porta se abriu para que o povo pudesse passar, mas que a elite conseguiu evitar que a porta se mantivesse aberta com várias artimanhas.  Isso só foi possível, em 2002, com a eleição do Lula.

A emenda Dante de Oliveira, que estabelecia as eleições diretas para presidente da República, saiu derrotada.  Mas essa campanha criou espaço para que Lula fosse conhecido em todo o país e preparou a vitória eleitoral de anos depois.

O PT e Lula deram grande contribuição nesta luta, sem desmerecer a de outros atores importantes, como Teotônio Vilela, Franco Montoro, Dante de Oliveira, Ulisses Guimarães, Leonel Brizola e outras milhares de pessoas que lutaram por essa causa.

Comemorar os 30 anos do primeiro comício do PT pelas Diretas significa rememorar  tudo que aconteceu e entender os desafios que temos para alcançar uma sociedade verdadeiramente democrática. Esta é a esperança que nos move e esperamos que em 2014 possamos dar mais um passo para manter a porta aberta para o povo passar e fazer as transformações necessárias para um país efetivamente democrático.

Por isso, o sentimento de apreço pela democracia  e  respeito aos direitos humanos deve marcar a ação do PT rumo a 2014, ainda mais no momento em que certo personagem, que deveria garantir a justiça, promove arbitrariedades.

Suas ações se  assemelham  mais às de um capitão do mato preocupado em agradar aos seus senhores midiáticos no intuito de que o ajudem a ser candidato a presidente da República. O seu requinte de crueldade é tamanho a ponto de substituir o juiz de execução criminal do caso, para inclusive impedir Genoino de dar entrevistas. Ou seja, tirar do cidadão o direito constitucional de se manifestar.

Aliás, nos últimos dias, vendo abuso e arbitrariedade cometido contra o cidadão José Genoino senti a mesma indignação de 30 anos atrás. Senti muito orgulho de nossos companheiros e de nossa militância. Por isso, creio que o PT e os movimentos sociais, que lutaram tanto contra essas atitudes no passado, não devem tolerar isso no momento presente. Do contrário, jogaremos fora a causa pela qual lutamos.

Essa sempre foi a força do PT, um partido que mobilizava as pessoas. Muitas vezes fomos chamados de lunáticos, sonhadores, mas conseguimos com nosso esforço alcançar a democracia. Agora lutamos para aprofundá-la,  para que os direitos sejam reais e não citados apenas da letra  fria da lei.

Em 2014, duas forças vão se enfrentar novamente. As que querem fechar a porta na cara do povo e as que desejam que a porta continue aberta e se aprofundem as transformações tão esperadas há décadas, especialmente entre outras, a reforma política e a democratização dos meios de comunicação. O meu olhar esperançoso é a certeza de que o meu ato de votar exprimirá silenciosamente a necessidade de avançar e um protesto veemente contra as arbitrariedades de autoridades que abusam do poder e espezinham os direitos dos cidadãos.

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Comentários

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Francisco

27 de novembro (de 1983)…

Porque esse dia não foi declarado feriado nacional e nova data oficial da República?

Porque não foi ainda estabelecido que seja essa a data fixa do inicio das campanhas eleitorais, dia do voto ou declaração oficial de seu resultado?

Porque nenhum feriado brasileiro tem qualquer substância popular?

Porque não existe nenhum feriado que diga respeito a algo de que o povo brasileiro, independente de credo, tenha participado ativamente?

Porque um popular entusiasta da Diretas Já é tomado como sendo algum absurdo por propor uma data nacional que seja da nação?

Porque os franceses podem comemorar a Bastilha e a gente não pode comemorar uma porcaria de um comício com gatos pingados num estacionamento de supermercado?

Porque nós, o povo, valemos e mandamos tão pouco nessa República Democrática do Brasil?

PS 1. Só um toque: porque tanta ênfase em ser federativa uma república que teve nas Diretas já uma grande luta por ser democrática e não por ser federativa?

PS 2. Porque os coronéis oligarcas mandam muito mais que eu, que fundei essa porcaria?

ferreirinha

Lembro-me eram outros tempos eu estava lá, ali começou a consciência política pós Ditadura

Bacellar

Vale um linkzinho?

http://cartunssujos.wordpress.com

niveo campos e souza

Em 2014, outra enxurrada de democracia vai afogar o PIG e toda a direita que sonha em voltar para o poder.
Mas o povo acordou e não adianta a inveja e nem os embustes, promessas ardilosas e os discursos vazios e fantasiosos de outrora.

André Dantas

Eu acho que o pessoal do PT nem deveria ficar lembrando as pessoas dessas priscas eras. Não tem como a pessoa olhar para o PT de 30 anos atrás e não comparar com o PT de hoje.
Vem lágrimas aos olhos.

Francisco Paulino dos Santos

É tudo verdade. Eu também estava lá nos dois eventos. Não adianta, quem primeiro tomou a iniciativa e foi a luta pela Democracia foi o PT. Daí o ódio dos coxinhas, viúvas da ditadura.

    Oswaldo

    E você não acha que o tal do Ulisses Guimarães deu “uma ajudazinha” nesse movimento “Diretas Já!” que o PT inventou, iniciou e liderou?

    Francisco

    Sem duvida foi isso que Ulisses deu uma ajuda…zinha.

Eduardo Marques

Importante relembrar aquele momento histórico. O PT nasceu defendendo um país mais justo e democrático.Esta luta não se esgota nunca. Bom notar que muitos que hoje se acham no direito de acusar o PT, naqueles tempos, estavam com a ditadura, subjugando o povo brasileiro.

Julio Silveira

Bons tempos aqueles em que o PT discutia transformações para elevar o nível da cidadania sob todos os aspectos, para nivela-los pelo alto, proposta descartada. A meta do partido hoje é o possível e nisso transformar em elite suas lideranças já está de bom tamanho.

Flavio Lima

Estive no comício das Charles Müller, e levei meus pais. No do dia 25/01 estava no interior, mas esse do Pacaembu, fui, assim como no do dia 16 de abril.
Trinta anos! Viva O Brasil, Viva o PT, Viva o Povo Brasileiro!

Capilé

Para pensar:
“Penso que o PT trocou um projeto de Brasil por um projeto de poder. Permanecer no poder passou a ser mais importante do que criar uma alternativa civilizatória para a nação.”
Frei Betto.

Lucas F

a transição para a ditadura foi tão lenta e gradual que partes dela existem ainda hoje, e o PT, governo e partido, não parecem ver isso como uma prioridade.
Da mesma forma não veem como prioridade a capacidade de convocar as multidões às ruas. Preferem criminalizar e militarizar os conflitos sociais quando o povo voltar a ousar tomar as ruas.
Por fim, os petistas se mostram indignados com as crueldades cometidas contra Dirceu e Genoino, mas completamente impassíveis com relação às “pessoas normais” que passam por infortúnios MUITO PIORES nas mãos do Estado Brasileiro, recebendo pena de morte sem ter acesso a que seja um julgamento enviesado.

É o abismo que separa o PT de 30 anos atrás com o de agora que deve ser lembrado.

    Eduardo Marques

    Nenhuma instituição social e política permanece imutável no tempo. Imaginar isso é ingenuidade ou má fé. Ainda assim, o PT tem conduzido o país com um olhar permanente de inclusão social e fortalecimento da democracia e da classe trabalhadora. São legados indiscutíveis amparados em estatísticas, que apenas as famílias poderosas da mídia – Marinho, Civita, Mesquita e Frias – insistem em esconder.

    joão batista costa ritter

    concordo em numero e genero, parabens isto é uma boa visão.

Oswaldo

Tenho o maior respeito e simpatias pelo PT, mas dizer que foi o PT que iniciou a campanha das Diretas é forçar a barra demais…

    Zanchetta

    Sem contar com a mobilização para a “Abolição da Escravatura” e a “Proclamação da República”, tudo obra do PT.

Mardones

Respeito essa memória. Mas é preciso comemorar outro momento do PT: o anúncio da Carta ao Povo Brasileiro.

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