Cíntia Alves: Condenação de Lula foi baseada em delações questionáveis

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Sobre a qualidade das provas e não sua inexistência

Cíntia Alves, no GGN

No julgamento de Lula em segunda instância, relator passou horas lendo delações, em transmissão ao vivo, como quem quer dizer que, inegavelmente, as provas estão nos autos. Só que o TRF-4 não abordou, em nenhum momento, a qualidade das provas valoradas por Sergio Moro de maneira questionável

Jornal GGN – Salta aos olhos de quem acompanhou o julgamento de Lula no TRF-4 nesta quarta (24) o esforço dos três desembargadores – Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus – para rebater com contundência a ideia de que o ex-presidente é vítima de um processo sem provas.

Uma frase de Laus explica, em parte, a preocupação do TRF-4: “O tribunal de apelação tem a última palavra sobre as provas, por isso cabe a ele dizer quais são as provas.”

​E quais foram as provas destacadas ao longo de quase 9 horas de julgamento?

Greban, o relator, foi responsável por expôr a maior parte delas. Por cerca de 3 horas, ele leu trechos de delações, citou documentos encontrados por investigadores e defendeu que palavra de co-réu merece crédito, entre outros pontos.

Na sequência, Paulsen falou em “quebra cabeça” e Laus, em “colcha de retalhos”, ilustrando o entendimento de que, separadas, as delações até parecem “frágeis”, mas juntas, narram o que seria o principal crime de Lula: ter tido o poder, como presidente da República, de fazer ou manter nomeações política na Petrobras.

Em decorrência disso é que Lula teria recebido, como contrapartida, o triplex. Questão secundária é a transferência do apartamento, disse Paulsen, até pelo “valor menor” do imóvel ante a imensidão das propinas ao PT.

Mas o que prova a propina da OAS ao PT? O mesmo que atesta que o triplex foi um “presente” para Lula: delações.

Embora preguem que ninguém é condenado por delação sem provas, os desembargadores usaram à exaustão delações formais e informais de figuras como Delcídio do Amaral, Paulo Roberto Costa, Nestor Cerveró, Pedro Corrêa, Fernando Baiano, Léo Pinheiro e Agenor Medeiros — os dois últimos, ex-executivos da OAS que, por terem apontado o dedo para Lula, foram premiados com redução drástica da pena hoje.

Se dispôr a ler as principais delações no julgamento transmitido ao vivo foi o modo do TRF-4 de dizer que as provas estão nos autos. Só que o tribunal não mergulhou, em nenhum momento, na qualidade dessas provas.

Na sentença de Moro, reafirmada pelo TRF-4, já havia ficado claro como as delações ditas questionáveis pelas defesas foram valoradas.

A estratégia da Lava Jato foi colher delação sobre os fatos A e B. O delator só entregou provas documentais sobre o fato A, não entregou sobre B. Mas como provou que falou a verdade sobre uma parte do que disse (fato A), Moro estendeu esse “crédito” para toda a delação, deixando de exigir documentos sobre o fato B.

O TRF-4 ratificou a estratégia dizendo que é “inimaginável” esperar que alguém surgisse com um recibo dos crimes de um político do nível de Lula, principalmente estando ele no cargo blindado de presidente da República.

No caso, o ilustrativo fato B são as imputações a Lula, como a que foi feita por Pedro Corrêa, alegando que Lula ameaçou demitir o Conselho de Administração da Petrobras inteiro se interesses do PP não fossem atendidos.

Quando foi usado contra Lula, o acordo de Corrêa sequer havia sido aceito pela Justiça.

A delação de Delcídio do Amaral é considerada uma farsa pelo próprio Ministério Público Federal, só que em Brasília.

Ainda assim, o TRF-4 entendeu que são válidas as delações questionáveis, porque uma confirma a outra.

Disse Laus: “São depoimentos convergentes, harmônicos entre si. Uma a uma, cada testemunha foi acrescentando um ponto. Como se fosse um muro, cada uma acrescentou um tijolo.”

Os procuradores que fecharam os acordos devem estar orgulhosos.

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