Carta Maior: Um balanço da justiça com as próprias manchetes

Tempo de leitura: 4 min

Foto Carlos Humberto — SCO/STF

Mídia| 30/09/2013 | Copyleft

Celso de Mello x mídia: ressaca de um julgamento político

Num julgamento marcado por uma catarse midiática, um voto técnico ancorado no Direito e na jurisprudência – como deveria ter sido todo o julgamento – acabou parecendo insólito. “Há alguns que ainda insistem em dizer que não fui exposto a uma brutal pressão midiática. Basta ler, no entanto, os artigos e editoriais publicados em diversos meios de comunicação social (os ‘mass media’) para se concluir diversamente!”, rebateu Celso de Mello enfático. Tem razão o decano.

por Saul Leblon, na Carta Maior

O julgamento da AP 470, todo ele ancorado em uma catarse midiática, ironicamente atingiu seu clímax no último dia 18, cercado de uma pedagógica ressaca.

Feita de ressentimentos mútuos, ela envolveria dois de seus principais protagonistas: um juiz, até então incensado pela mídia como símbolo da virulência antipetista, e um jornalismo desde o início decidido fazer justiça com as próprias manchetes.

O acidente de final de percurso poderá conferir um maior recato e autonomia ao futuro das relações entre togas e redações? Trará ganhos significativos para o estado de Direito e a qualidade da informação? Ou findará como mero ponto fora da curva, em uma convergência fadada a judicializar a política até que as elites consigam equipar-se para a volta ao poder?

A endogamia entre a mídia e o STF aprofundou-se desde abril de 2006 quando o Supremo aceitou a denúncia da AP 470.

Superando as expectativas mais pessimistas, o acasalamento evoluiria para uma quase subordinação da maioria dos integrantes da corte às pautas, holofotes e urgências marteladas pela emissão conservadora.

Uma injeção deletéria e diuturna de preconceito contra a atividade política, a ação partidária e a negociação democrática, indissociável da construção das maiorias em regime presidencialista, ocupou então o espaço do tribunal e o das manchetes.

Ao longo de meses, togas e rábulas de redações entregaram-se com inexcedível empenho ao labor de disseminar o vírus do analfabetismo político na sociedade.

Uma opinião pública cuidadosamente subtraída do direito à pluralidade informativa, sem a qual não há discernimento crítico, foi entregue à lógica dos linchadores.

O Estado de Direito foi a sua primeira vítima.

A adubação venenosa nunca hesitou no método, nem duvidou do alvo.

O antipetismo biliar, antes de elucidar e advertir para os desvios estruturais da política brasileira, esponjou-se na indignação seletiva, contentando-se em picar e salgar o secundário, ao mesmo tempo em que mantinha intactas as instituições e circunstancias que o reproduzem.

Na construção desse imaginário tosco e maniqueísta, indiferente aos reais desafios da democracia no país, operava um esmerado encadeamento narrativo em que as manchetes de véspera formavam o fraseado das togas do dia seguinte – e vice versa.

O conjunto amparava-se na firme condução de um calendário definido com o propósito de tornar eleitoralmente desfrutável uma condenação preconcebida.

Foi no auge dessa espiral que, no último dia 18, o juiz Celso de Mello – um dos centuriões mais agressivos do jogral justiceiro — cedeu ao apelo da biografia jurídica. E proferiu o voto de desempate, que acolheria os embargos infringentes, reabrindo desse modo o julgamento para novos recursos.

A trinca abriu uma convulsão intestina na engrenagem até então desprovida de referências e propósitos que não os de condenar e execrar.

O que avulta de mais interessante da troca de acusações que se seguiu, envolvendo o juiz e certas redações, é a força intrusiva de uma pressão midiática exacerbada e descabida, só agora reconhecida na nitidez do seu abuso.

Longe de ser nova ela sempre esteve presente, ao longo de todo o julgamento. Influenciando-o, bem como à opinião pública em relação a ele. Indo muito além da faixa de segurança aconselhável a preservação do estado de Direito em um tribunal.

O excesso só poderia ser desnudado por outro que o desmascarasse nos seus próprios termos.

Foi o que cuidou de fazer a sofreguidão midiática a cercar, tutelar e chantagear o decano do STF nos dias, horas e minutos que antecederam o seu voto.

A ponto, repita-se, de que um dos principais centuriões do antipetismo togado, declarar-se incomodado com os decibéis de um jornalismo abusivo, capaz de sugerir que seria crucificado se errasse a mão.

Em entrevista concedida esta semana a um jornal de Itu, reafirmada em seguida à Folha de SP, Celso de Mello resolveu desabafar a estupefação diante das pressões de que foi alvo nas vésperas do dia 18.

“Nunca a mídia foi tão ostensiva para subjugar um juiz”, disse à jornalista Mônica Bergamo, da Folha, classificando como ‘inaceitável’ uma intrusão capaz de colocar em risco as “liberdades individuais” garantidas pela Constituição.

“Eu honestamente, em 45 anos de atuação na área jurídica, como membro do Ministério Público e juiz do STF, nunca presenciei um comportamento tão ostensivo dos meios de comunicação sociais buscando, na verdade, pressionar e, virtualmente, subjugar a consciência de um juiz”, reiterou Celso de Mello.

A resposta de seus pares não tardou. Os ministros Marco Aurélio e Gilmar Mendes, sempre à vontade no intercurso com a mídia conservadora, assumiram a tarefa de legitimar o ‘trabalho normal’ das redações.

“Não é pressão, o que há é manifestação, a manifestação da sociedade”, abalou-se em dizer Marco Aurélio, reforçado por Gilmar Mendes, que inverteu o sentido da equação: “Muitos dos ministros ficaram sob um ataque fortíssimo de blogs e de órgãos de mídia que são fortemente vinculados a determinados réus. E nem por isso ninguém tem reclamado”, disse o ex-advogado-geral de FHC.

“Há alguns que ainda insistem em dizer que não fui exposto a uma brutal pressão midiática. Basta ler, no entanto, os artigos e editoriais publicados em diversos meios de comunicação social (os ‘mass media’) para se concluir diversamente!”, rebateu Celso de Mello enfático.

Tem razão o decano.

Mas sua razão resulta inconclusa. E assim resultará sempre, a menos que supere a crítica pela própria autocrítica, e enxergue o todo sem se deter na parte que o leva a debitar na conta do episódio isolado, insólito, aquilo que na verdade guarda coerência com a norma de todo o processo do qual foi um beligerante protagonista.

O verdadeiro insólito, nesse sentido, foi o seu voto de desempate.

Um voto técnico ancorado no Direito e na jurisprudência. Como deveria ter sido todo o julgamento. Mas que justamente por configurar uma dissonância, valeu-lhe a acusação de, por apego à lei, retardar o desfecho de um julgamento escandalosamente político.

A mídia, ao contrário, manteve-se rigorosamente coerente.

O conjunto de manifestações externadas nos veículos conservadores, antes, durante e depois do voto de Celso de Mello, enfatiza a esférica convicção que era imperioso julgar politicamente, condenar politicamente e faze-lo dentro de prazos politicamente desfrutáveis aos seus propósitos. E aos do conservadorismo brasileiro.

Para ver a lista de manchetes compilada pela Carta Maior, clique aqui.

Leia também:

Chico Alencar: O pacto de exclusão que governa o Brasil se rearranja


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Comentários

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Dudu Cartucho

Todos eles serão cobrados , uma vez subserviente(à máfia-midiática), sempre subserviente.
Consciência tranquila tem quem não se deixou envolver nessa ficção( Dr. Luis Moreira).

J Fernando

“Para ver a lista de manchetes compilada pela Carta Maior, clique aqui.”

Não tem onde clicar. Está sem o link correspondente.

Abel

Realmente, querer comparar o poder de pressão da grande mídia (rádio, TV, revistas e jornais) com aquele da internet, que sequer está presente na maioria dos lares brasileiros, é de uma cara de pau atroz.

FrancoAtirador

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MENTIRÃO

ONDE E QUANDO A OBRA DE FICÇÃO
COMEÇOU A SER MONTADA NA MÍDIA

A construção ficcional do ‘Mensalão’,

pela Mídia, no imaginário popular,

foi de dar inveja em Joseph Goebbels.

Nem os nazistas teriam a capacidade

de imaginar e aplicar um troço desses.
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O TÍTULO DO BEST-SELLER POLICIAL
E A ACUSAÇÃO INICIAL DO ‘DELATOR’

06/06/2005 – 08h15

Jefferson denuncia mesada paga pelo tesoureiro do PT

da Folha Online

Reportagem da Folha de S. Paulo desta segunda mostra que o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) cumpriu a promessa de denunciar corrupção no governo Lula.

Em entrevista exclusiva a Renata Lo Prete (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc0606200504.htm),
editora do Painel da Folha,
o presidente do PTB disse que congressistas aliados recebiam o que chamou de um “mensalão” de R$ 30 mil do tesoureiro do PT, Delúbio Soares.

Segundo a reportagem, a prática durou até o começo do ano, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo Jefferson, tomou conhecimento do caso, pelo próprio petebista.

Em entrevista ao Bom Dia Brasil, da Rede Globo, o presidente do PT, José Genoino, negou o pagamento da “mesada” e disse que o partido ainda está analisando as acusações de Roberto Jefferson.

De acordo com a reportagem, outros ministros, como José Dirceu (Casa Civil) e Antonio Palocci (Fazenda) haviam sido alertados antes do esquema –que beneficiaria pelo menos o PP e o PL.

Jefferson está há três semanas no centro do noticiário pelas denúncias que atingem os Correios e o Instituto de Resseguros do Brasil, estatais que têm indicados do PTB em seus quadros.

A crise decorrente das denúncias levou a um pedido de CPI que o governo pretendia enterrar nesta semana –agora, Jefferson diz que defende e quer a investigação.

Jefferson afirmou à Folha que a cúpula do PTB rejeitou a oferta do “mensalão”, feita ainda em 2003, e, a partir de então, ele denunciou a prática a ministros e líderes do governo.

“O Zé [Dirceu] deu um soco na mesa: O Delúbio está errado. Eu falei para não fazer”, disse Jefferson.

De acordo com a reportagem, Jefferson conta que, em janeiro deste ano, falou com Lula.

“Presidente, o Delúbio vai botar uma dinamite na sua cadeira. Ele continua dando ‘mensalão’ aos deputados.”
“Que ‘mensalão’?”
Jefferson explicou.
“O presidente chorou.”
E depois da conversa com Lula?
“Tenho notícia de que a fonte secou. A insatisfação está brutal [na base aliada] porque a mesada acabou.”

(http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u69402.shtml)
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06/06/2005 – 08h42

Entenda como funcionava o suposto “mensalão” de R$ 30 mil a parlamentares

da Folha Online

O tesoureiro do PT, Delúbio Soares, dava um “mesada”, chamada de “mensalão”, de R$ 30 mil a deputados e senadores aliados do PL e do PP, segundo o presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ).

Jefferson teria falado, pela primeira vez, sobre o mensalão ao presidente Luíz Inácio Lula da Silva no início deste ano.

Lula teria mandado suspender o “mensalão”, disse Jefferson.

O governo federal passou, então, a enfrentar dificuldades com a base aliada no Congresso porque deputados e senadores perderam o benefício, segundo Jefferson.

(http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u69406.shtml)
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A partir daí, foi só desenvolver o enredo, transformando uma denúncia esdrúxula numa ação penal para punir um Governo.

Inicialmente, alijando sumariamente da política um dos principais líderes do Partido do Presidente eleito; depois, condenando publicamente o próprio Partido Político, para, finalmente, desbancá-lo da Presidência da República.

Depois da provocação do suicídio de Getúlio Vargas e da promoção do Golpe de Estado de 1964, este talvez tenha sido o maior crime praticado pela Mídia Bandida braZileira e escandalosamente ratificado pelo Supremo Tribunal Federal, consumado em atentado real ao Estado Constitucional Republicano do Brasil.

Como disse o Leblon na Carta Maior:

“… togas e rábulas de redações entregaram-se com inexcedível empenho ao labor de disseminar o vírus do analfabetismo político na sociedade.

Uma opinião pública cuidadosamente subtraída do direito à pluralidade informativa, sem a qual não há discernimento crítico, foi entregue à lógica dos linchadores.

O Estado de Direito foi a sua primeira vítima.

A adubação venenosa nunca hesitou no método, nem duvidou do alvo.

O antipetismo biliar, antes de elucidar e advertir para os desvios estruturais da política brasileira, esponjou-se na indignação seletiva, contentando-se em picar e salgar o secundário, ao mesmo tempo em que mantinha intactas as instituições e circunstancias que o reproduzem.

Na construção desse imaginário tosco e maniqueísta, indiferente aos reais desafios da democracia no país, operava um esmerado encadeamento narrativo em que as manchetes de véspera formavam o fraseado das togas do dia seguinte – e vice versa.

O conjunto amparava-se na firme condução de um calendário definido com o propósito de tornar eleitoralmente desfrutável uma condenação preconcebida.”
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juarez campos

O STF julgará proximamente outras ações análogas com argumentos totalmente diferentes. Dirão que o Direito é dinâmico.

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