Wagner Iglecias: O solo fértil para os bate-paus da mídia

Tempo de leitura: 3 min

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MC Guimê

Se vira nos trinta

por Wagner Iglecias*

O atual processo eleitoral, nas ruas e nas redes, tem sido revelador de pérolas impressionantes.

Nada que seja assim tão novo para quem circula no seio da classe média tradicional do nosso país. O que chama atenção é a quantidade com que bobagens são ditas e viralizadas com a ajuda dos meios eletrônicos.

Não gostaria de aborrecer vocês com exemplos que todo mundo já tá careca de escutar: “um novo governo Dilma será a porta para uma ditadura comunista no Brasil”, “nordestino não sabe votar”, “Bolsa Família sustenta vabagundo”, “o PT aparelhou o Estado brasileiro mas com a oposição o que vale é a meritocracia”, “política não presta e governo só atrapalha” etc, etc, etc.

Boa parte deste discurso, como sabemos, é fruto de sugestionamento da opinião pública por parte de certos veículos midiáticos que enxergam no petismo uma ameaça ao atual modelo de negócios relativos ao setor de imprensa no Brasil.

Eis ai os bate-paus de certa mídia a martelar diariamente, há anos, certos mantras que, para desgosto do PT, encontraram abrigo sólido e duradouro em parcela significativa da sociedade.

Mas somente a leitura que certa mídia faz e propaga não é explicação suficiente para a difusão e a forte penetração do fenômeno.

Fato é que a grande maioria dos brasileiros, nas mais variadas classes sociais, tem parcos conhecimentos de política.

Não me refiro a política partidária, mas sim a informações básicas sobre o funcionamento do Estado, suas divisões organizacionais internas e as atribuições que competem a cada ente, como a União, os estados e os municípios.

O brasileiro, em geral, não tem noções básicas de direitos e de cidadania.

O discurso fácil de criminalização da política ou de certos partidos políticos encontra, nesta condição, uma enorme avenida para sua propagação.

Provavelmente nos países nórdicos certos bate-paus da nossa imprensa jamais conseguiriam emprego na área.

Agora, vamos e convenhamos, o petismo tem parte de culpa nisso ai também: não politizou a ascensão social de milhões de pessoas observada nos governos Lula e Dilma.

A sociedade brasileira hoje está atravessada por uma lógica escrota que toma a cidadania pelo consumo.

Que não nos deixem mentir as manifestações de junho, que se pediam saúde, educação e transporte de qualidade, tinham por referência os serviços privados oferecidos nestas áreas, sintetizados na lógica do “padrão FIFA”.

Que, como está impregnado no imaginário coletivo, refere-se a um tipo de gestão da infraestrutura e dos serviços compartilhada entre Estado e setor privado e coroada pelo marketing.

O Brasil da tal “nova classe média”, esse Brasil dos rolezinhos, do sertanejo universitário, dos pagodões e dos arrochas, do churrasco, da cerveja, e sobretudo da ostentação, em certa medida repete a fixação pelo consumo e a indigência cidadã da classe média tradicional em sua eterna necessidade de comprar bugigangas em Miami para sentir-se então diferenciada assim que pisa de volta em nossos aeroportos.

E desta forma, hipoteticamente mais próxima dos AAA, dos realmente ricos.

Uma indigência marcada pelo individualismo, pelo privatismo e pela ideia de que o Estado só atrapalha.

Nada tão diferente do que pode estar ocorrendo no imaginário dos ex-miseráveis, agora remedidados, da nova classe média.

Que ao que parece podem estar cada vez mais convencidos de que melhoraram de vida nos últimos dez ou doze anos única e tão somente pelo esforço próprio, de cada indivíduo.

E que isso nada teve que ver com as condições da economia e ou com as políticas públicas.

Numa palavra: pelo mérito.

Enfim, fechou-se o círculo. O pobre pensando como a classe média tradicional.

A volta da teoria da pedra no lago e um terreno férfil e amplo para a propagação do discurso superificial e equivocado que temos visto nesta eleição nas ruas e nas redes.

Em termos práticos, para fins de cálculo eleitoral: agora está aí parte do povo pobre achando que já não sobe mais na vida como antes por causa da “roubalheira do PT”. E ai? Como o PT, Dilma e Lula vão sair dessa?

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP

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Comentários

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João Ghidetti

Apesar do discurso da mídia, o nosso país NUNCA foi tão bom como hoje.

Zé Celso

Para tanto,estes grupelhos se utilizam do meio mais eficaz de aliciamento massivo: a TV.
Esta tem o poder natural do inebriamento,deflagando paralelamnte com a interatividade da internet ,a difusão dessas distorções muito bem interpretadas pelo sociólogo.

Antonio

O maior crime que nossa imprensa canalha está cometendo é o dividir o país.
Estão conseguindo criar uma divisão como a que existe na Venezuela onde uma pequena parcela da população tem ódio do restante.
Estão fazendo o mesmo aqui.

Edgar Rocha

Um uspiano fazendo esta análise!!! Que exploda o vulcão de Yellowstone! Estou pronto pra fazer passagem!

Desculpa aí, professor! Mas, você sabe do que estou falando (espero que sim). Agradeço-lhe por introduzir no meio universitário uma análise além do ‘odeio a classe média”, ou em prol das jornadas de junho, ou o velho proselitismo de esquerda e de direita que só fazem adular os que estão próximos do poder.

Se conhecer o Haddad, por gentileza, ensine a ele que funk pancadão no meio da rua não é expressão cultural do jovem discriminado da periferia. Avisa que teve gente já infartou dentro de casa por causa desta “liberdade de expressão”. Lembre que a mentalidade da classe média é a raiz disto. Abraço!

Léo

O ser humano, é sem duvida o mais egocêntrico dos animais. Se está em uma situação boa é mérito dele, se está ruim é culpa do outro. E é quando a coisa fica difícil, que vira presa fácil de manipulação seja lá qual for o tipo dela.

zuleica jorgensen

Que me desculpe o Iglesias, mas o discurso fácil do consumo como meta oferecida às massas esbarra também no discurso fácil de dizer que a governança do PT melhorou a vida das pessoas, mas não politizou os novos grupos ascendentes. Gostaria que ele me explicasse como é que se politiza uma sociedade com mais de 500 anos de colonialismo no lombo em 12 anos de um governo que, embora dando um duro desgraçado para oferecer um tiquinho mais de vida digna e cidadania ao povo brasileiro, passou todo esse período sufocado por um sistema de informação altamente concentrado e de oposição ferrenha a qualquer ínfima melhoria nas condições de vida dos menos favorecidos.
A tese é rasa e o buraco, no caso, muito mais embaixo.

    Julio Silveira

    Concordo contigo Zuleica.

    Edgar Rocha

    Zuleica, podia começar, avaliando que tipos de valores deveriam ser resgatados nesta nova sociedade que se forma. Concordar de forma acrítica e repetir o discurso de que formou-se uma nova classe média, endossando justamente o “direito” de desejar exatamente o que a classe média deseja (ter, ter, ter) não ajuda em nada. Isto só demonstra que há, do ponto de vista ideológico, uma falha grave no projeto petista que descambou pra um suicídio moral e eleitoral. Classe média historicamente, se define pela superioridade financeira em relação ao próximo. Aqui no Brasil é assim. Transformar pobre em classe média é pedir pra perder eleição. Pior, é pedir pra recusarem o núcleo do projeto social ao qual o PT se propôs a executar.

    maurilio francisco de assis

    concordo com você vai muitos anos para se fazer uma politização e desde que um operário sentou no trono , a mídia não deu um minuto de trégua e pau todo dia . e o panfleto contra o 4 poder de estado que os blogs chama de pig ; eleger Dilma e lei de médios neles .

    Renato S

    Zuleica, doze anos é pouco, mas o PT errou sim ao acreditar numa relação pacífica com os barões da mídia e ao não investir na criação de uma imprensa alternativa, de caráter público, plural e cidadão. Consumo não politiza ninguém, como escreveu o professor.

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