A médica infectologista Valéria Cassettari e o professor Mílton de Arruda Martins
por Conceição Lemes
A Universidade de São Paulo vive uma grave crise, inclusive financeira.
O seu reitor, o professor Marco Antônio Zago, há cerca de dez dias decidiu propor a desvinculação do Hospital Universitário da USP, passando-o para a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP).
Lamentável.
Primeiro, o HU, como é conhecido, é um hospital realmente modelo.
Segundo, a proposta não foi sequer discutida com os professores, pesquisadores, alunos e funcionários que lá atuam.
Terceiro, se a proposta do reitor é passar o HU para a SES-SP, o assunto foi discutido com David Uip, secretário de Estado da Saúde e professor da USP.
Diria até que a proposta é do próprio Uip.
Uip, assim como os seus antecessores na SES-SP, defende que a gestão dos hospitais públicos estaduais seja transferida para Organizações Sociais de Saúde (OSs).
Tanto que boa parte deles está nas mãos de OSs. Em português claro: privatização. É o estilo tucano na saúde.
Será que a intenção é, num primeiro momento, passar o HU para a Secretaria de Estado da Saúde e depois para alguma OSs,privatizando a sua gestão?
Abaixo dois comentários lúcidos, bastante elucidativos, sobre a proposta do reitor Zago.
Professor Mílton de Arruda Martins, no Facebook
Sobre a proposta do Reitor da USP de desvincular o Hospital Universitário da Universidade de São Paulo: sou contrário. Não é possível tomar uma decisão dessa importância sem antes fazer um estudo detalhado das alternativas e discutir amplamente essa questão.
Em 1972, eu era calouro e passei em minha classe um abaixo-assinado, redigido pela diretoria do CAOC, pedindo que o HU fosse construído! Esse abaixo-assinado gerou grande polêmica, porque havia colegas de todos os anos da FMUSP que acreditavam que o HU iria nos tirar o HC como hospital de ensino!
Estávamos certos. Para fazer curta uma história de mais de 40 anos, o HU foi construído e tornou-se um hospital modelo, para atenção à saúde de uma comunidade determinada (comunidade da USP e moradores do Butantã), ensino de graduação de várias profissões da saúde e posteriormente de médicos residentes.
Passou, também, a abrigar um dos projetos de pesquisa mais importantes do país, considerando sua relevância para a saúde pública, o ELSA (Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto). Tornou-se um modelo de hospital secundário de ensino para o país.
A experiência do HU, por exemplo, foi apresentada em vários congressos da Associação Brasileira de Educação Médica.
Conheço várias faculdades de Medicina brasileiras que passaram a utilizar hospitais com características muito semelhantes, mais de 20 anos após a experiência pioneira do HU. A Escola Paulista passou a utilizar o Hospital de Vila Maria e a UNICAMP o hospital de Sumaré.
A USP está atravessando séria crise e com ela, o HU. Mas as soluções devem ser discutidas de forma ampla, com participação de todos, com transparência e avaliando todas as alternativas possíveis, mas garantindo as características do HU que fizeram dele um modelo para todo o país.
Mílton de Arruda Martins Professor Titular de Clínica Médica
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O assunto é longo e eu agradeço ao autor do texto abaixo, docente da FAU, por conseguir traduzir em palavras a minha indignação e a dos meus colegas profissionais do HU, que nos dedicamos há anos (no meu caso, 14) à formação dos novos médicos, enfermeiros, farmacêuticos, fisioterapeutas e demais da área de saúde e também ao atendimento à população, oferecendo a formação e atendimento em medicina geral DA MELHOR QUALIDADE E COM TODA A DEDICAÇÃO, embora a imagem veiculada seja a de marajás improdutivos que oneram os cofres da Universidade.
Nada mais falso e oportunista. Até amanhã ainda prefiro acreditar que os diretores das unidades da USP usarão de toda sua habilidade e sabedoria para rejeitar essa proposta absolutamente infame, de destruir o patrimônio humano da Universidade de São Paulo, construído ao longo de muitos, muitos anos.
Valéria Cassetari é médica infectologista do HU/USP. Trabalha no pronto-socorro, onde atua como clínica geral. É também a responsável pelo controle de infecção hospitalar da instituição
PS do Viomundo: Na reunião desta terça-feira 26, o Conselho Universitário da USP decidiu tirar a desvinculação do HU da pauta por 30 dias.
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Comentários
José Souza
A privatização só não ocorrerá se o candidato do PT ganhar as eleições em São Paulo.
Pedro
Ontem o HU saiu da pauta, devido as mobilizações durante a realização do Conselho Universitário (C.O. também chamado de C.U. pelos íntimos).
Contudo, após o esvaziamento da mobilização de alunos e funcionários, a reitoria, apoiada na fala da diretora da Faculdade de Odontologia de Bauru aprovou a desvinculando do Hospital de Reconstrução de Anomalias Craniofaciais (HRAC)de Bauru para as SES-SP, pela votação de:
63 (sim); 27 (Não) e Abstenções (16).
A reitoria precisava de 58 votos para aprovação.
marcosomag
Ao lado do HU, a “jestão” Rodas construiu um Centro de Convenções do tamanho de um shopping center para executivos de empresas particulares “encherem os cornos” de uísque importado em festas de fim-de-ano. Enquanto isso, departamentos da USP estão caindo aos pedaços, com as janelas sem vidraças fechadas com madeirite, como em uma favela.
Antonio C.
A questão fundamental é aquilo que a reitoria considera como atividade-fim e atividade-meio da universidade. Sim, se vc pensou em terceirização, Qualidade Total e aquela moda administrativa que pegou por aqui a partir dos anos 1990, está correto.
A pretensão, segundo me parece, é formar apenas um corpo de funcionários administrativos que esteja relacionado exclusivamente com planejamento e gestão. A universidade passa a ser, efetivamente, uma “empresa”. O número de funcionários que participariam do programa de demissão voluntária, quase três mil, é muito expressivo. Mas se existe algum “culto à incompetência” em torno de funcionários supostamente desqualificados para seus cargos, um plano de formação profissional para as atividades é igualmente ameaçador para quem possui cargo de mando por questões meramente políticas na universidade.
Por isso, a crise se torna algo menor, é um motivo para implantar um sistema gerencial.Naomi Klein, muito sabidamente, denominou isso de “capitalismo do desastre”, é a utilização de crises produzidas intencionalmente ou não para a implantação de medidas consideradas amargas. Vai na esteira do que Milton Friedman pensa: “Só uma crise, real ou suposta, produz uma mudança real. Quando esta crise se produz, as ações que serão adotadas dependerão das idéias predominantes. Está aí, creio, nossa função básica: desenvolver alternativas para as políticas existentes, e mantê-las vivas e disponíveis até que o politicamente impossível se converta em politicamente inevitável”.
Verifiquem, por exemplo, o artigo de Naomi Klein em: http://www.cecac.org.br/mat%E9rias/Naomi_Klein_Capitalismo_desastre.htm.
O problema é que quem pretende implantar tais mudanças na gestão da USP é o mesmo grupo que, irresponsavelmente, cometeu graves erros de planejamento e gestão. Poucas pessoas da gestão de Rodas saíram dos cargos de mando. A ideia de “cortar na carne” (que não é a própria, mas de outros) é a solução mágica para a sobrevivência deste grupo cujas contas contas ainda não estão abertas, e a maior ameaça é serem arrastados em crimes de responsabilidade e improbidade administrativa.
Para quem duvida, é só verificar se algum gestor da EACH, unidade contaminada, foi punido.
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