Rodrigo Vianna: Cunha, os ditadores em miniatura e a gravidade da hora

Tempo de leitura: 5 min

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EDUARDO CUNHA E OS DITADORES EM MINIATURA: NÃO É SÓ A MAIORIDADE PENAL

“A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa” (Constituição Federal, Artigo 60, parágrafo 5)

por Rodrigo Vianna, no Blog Escrevinhador

Mesmo que você seja favorável à redução da maioridade penal (não acho que todo mundo que defenda essa ideia seja um “fascista” ou um “sacana que quer matar as crianças brasileiras”), deveria estar preocupado com o que aconteceu na Câmara do Deputados neste dia primeiro de julho, sob a presidência de Eduardo Cunha.

O Brasil levou tempo para construir uma ordem democrática. Os mais velhos talvez se lembrem de Ulysses Guimarães (PMDB) presidindo a Assembleia Constituinte. Ouvia todo mundo, jamais atropelava a minoria, conduzia o processo como um árbitro. Eduardo Cunha é de outra estirpe. É venenoso, ardiloso, bilioso, nefasto para a Democracia.

Com o projeto de redução da maioridade derrotado na véspera por cinco votos, Cunha decidiu atropelar a Constituição e colocar a mesma matéria em votação – pela segunda vez. Não se sabe que tipo de pressões ocorreram nos bastidores. O que sabemos é que Cunha deu um golpe, virou 15 ou 20 votos – e conseguiu o que queria (ao fim desse post, transcrevo um texto que traz explicação simples sobre a gravidade do que fez Eduardo Cunha).

O mais chocante é que o nefasto Cunha tenha recebido o suporte do PSDB (partido que já foi de Montoro e Covas, mas que hoje é o PSDB do coronel Telhada e dos tresloucados Aécio e Carlos Sampaio) para atacar a Constituição. Os tucanos, por grosseiro cálculo político (“ah, o PT é contra a redução da maioridade, então vamos derrotar o PT”), embarcaram na aventura. Sem perceber que o veneno que ajudaram a inocular no sistema politico vai atingir todas as instituições.

Lembro sempre de Carlos Lacerda, o golpista da UDN que durante mais de dez anos adotou a tática do vale-tudo contra o trabalhismo, contra Vargas e Jango. Em 64, Lacerda alinhou-se com os militares golpistas acreditando que (afastados os trabalhistas do poder) logo se daria nova eleição – em que ele, Lacerda, seria o vitorioso. Não. Lacerda deu o golpe, inoculou o veneno do golpismo no Brasil, e depois também virou vítima da ditadura que lhe cassou os direitos políticos.

O PSDB vai pelo mesmo caminho…

Existem duas maneiras de atentar contra a Democracia. Uma é botar tanques e tropas nas ruas. Foi o que se fez em 1964. Outra é solapar lentamente a ordem democrática. No Brasil de 2015, assistimos a essa segunda modalidade de golpe. É o que se chama de golpe em câmera lenta.

Vejamos…

1 – Sob a direção da Globo, setores do Judiciário agem à revelia da lei. O juiz deixa de ser um intérprete da lei, e passa a pré-julgar: já tem o roteiro montado, e usa todas a ferramentas (delações, chantagem e prisões arbitrárias) para obter as “provas” que endossem sua tese. Anti-petistas e obtusos em geral aplaudem: “ah, tudo bem, o que vale é botar esses vagabundos na cadeia”.

Só que um dia, tudo isso pode-se virar contra qualquer cidadão comum. Um juiz sem limite é um ditador em miniatura. E já temos um deles em ação, em Curitiba.

2 – A polícia atira, mata, executa. E muita gente aplaude, sob incentivo criminoso de certos jornalistas: “ah, tudo bem, são vagabundos que merecem morrer”.

Só que um dia esse “vagabundo” pode ser um filho seu, um amigo, um cidadão qualquer. A polícia não pode julgar e executar. Quem aceita isso aceita a barbárie e o rompimento da ordem democrática. Temos centenas de ditadores em miniatura nas ruas, armados e incentivados a matar pela histeria midiática do medo.

3 – O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, atropela as regras e a Constituição. E de novos há aplausos: “ah, tudo bem, essa esquerdalha que defende bandido precisa ser derrotada mesmo, danem-se as regras”.

Só que depois que o cristal se rompe, não colamos mais os cacos.

Eduardo Cunha, outro ditador em miniatura, quebrou o cristal da institucionalidade democrática. Se o Senado e/ou o Supremo Tribunal Federal não colocarem um basta a esse processo, o golpe terá caminhado mais alguns passos.

O incrível é que a chefe do poder Executivo, eleita com 54 milhões de votos, não enfrente o golpe abertamente. E não o faz porque errou de forma absurda na política. Eleita pela esquerda, começou governando pela direita, e hoje afunda em 10% de ótimo/bom – segundo as pesquisas.

Em 1964, a direita precisou botar tanques nas ruas para destituir um governo que era popular, que tinha levado milhares às ruas no Comício da Central, um governo que encaminhara propostas de Reformas de Base. Ainda assim, houve pouca resistência ao golpe.

No Brasil de 2015, Dilma perdeu apoios, perdeu base popular. O golpe em câmera lenta não precisará de tanques e tropas para se consolidar. Ele vai avançando – passo a passo.

O final dessa escalada depende da capacidade de resistência da esquerda, dos movimentos sociais e do centro democrático, mas depende muito mais das contradições que existem do lado conservador.

Alckmin e o PSDB paulista querem que o governo permaneça fraco – de olho em 2018. Cunha também prefere o governo fraco. A derrubada de Dilma (último estágio do golpe em câmera lenta) hoje interessa só aos tresloucados de direita e a Aécio.

Relembremos: se a presidente e o vice caem na primeira metade do mandato, há novas eleições diretas (e Aécio hoje lidera as pesquisas, até pelo “recall” de 2014). Mas se o impeachment ocorre na segunda metade do mandato (ou seja, a partir de janeiro de 2017), aí acontece eleição indireta pelo Congresso: um mandato-tampão até 2018.

Cunha, o ditador em miniatura, é hoje quem decide a hora de consolidar o lento golpe. Ele é quem decide se abre ou não processos de impeachment.

Minha aposta: o peemedebista vai avançar em sua agenda conservadora, chantageando o executivo, deixando Dilma e o PT em frangalhos. A hora do impeachment, se depender de Cunha, será entre fins de 2016 e início de 2017. Com a economia no chão, o governo sem base social, o PT derrotado nas eleições municipais: aí, será tirar doce da boca de criança. O ditador em miniatura acerta-se então com os tucanos, e vira presidente num mandato-tampão.

O PSDB vai sonhar com a vitória nas urnas em 2018, nesse obscuro acerto conservador? Esse, parece-me, é o roteiro da direita. Os tucanos pensam em usar Cunha. Mas há razoes para acreditar que Cunha sairá mais forte que os tucanos em 2018, com uma agenda abertamente de direita.

Nem todas as cartas estão jogadas. A cada vez que avança no golpe em câmera lenta, Cunha também gera contradições e arestas.

De toda forma, a situação é tão ou mais grave do que a vivida entre 1961 e 1964. Não nos resta outra alternativa, a não ser resistir. Dialogando com setores de centro (inclusive no PSDB) que precisam entender os riscos dessa aventura.

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por Yuri Carajelescov*, no Facebook

Sobre a mais recente manobra de Eduardo Cunha…

Diz a Constituição Federal que a matéria constante de proposta de emenda constitucional rejeitada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa [artigo 60, parágrafo 5].

Notem: a “matéria” não pode ser objeto de nova proposta.

Logo, a matéria “redução da idade de responsabilização criminal” não pode, por ofensa ao devido processo constitucional de emendar a CF, que se constitui em super-cláusula ou limitação formal ao poder constituinte derivado, ser objeto de nova deliberação nesta noite, mas somente no próximo ano legislativo.

Firulas de redação legislativa, excluindo um ou outro termo presente na proposta rejeitada ontem, são meros jogos de palavras que não mudam essa realidade.

Ao contrário, tornam ainda mais evidente a intenção ladina de se burlar a lei constitucional.

Se isso ocorrer, caberá ao STF declarar a medida inconstitucional, mesmo sem examinar o mérito da proposição.

Sempre é bom lembrar que no estado de direito os meios e processos validam os fins e não o contrário. E o respeito às regras do jogo constitui-se elemento essencial à vida democrática.

* Yuri Carajelescov é advogado e professor da FGV/SP

Leia também:

Nadadora Joanna Maranhão denuncia as manobras de Eduardo Cunha


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Comentários

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Bacellar

Sempre excelentes as análises do R.V.

Municipais e Olimpíadas…2016 vai ser infernal.

O PT já tentou pacificar o agronegócio e os bancos no início do mandato. Estende agora as mãos aos americanos e vamos ver como se portará na questão dos 30%…Se completar todo esse ciclo terá pedido arrego a todos os seus maiores oponentes, irão topar ou pretenderão voos mais ousados? Será que tais oponentes contentar-se-ão (hehehehe, contentar-se-ão é boa hein?) em controlar o partido que controla o Brasil? Ou abrirão mão de intermediários?

E quando o partido vai estender a mão pra sua base?

Se os adversários apostarem alto e resolverem abrir a caixa de Pandora o Brasil certamente convulsionará. Nesse momento o PT, e consequentemente a esquerda, só poderá contar com a força de sua base, a.k.a. nóis mêmo. Contará?

Marat

Quero ver quando esses vermes tomarem o poder. judi$$$iário corrupto e impren$$$a vendida vão se esbaldar com nossa grana!

Marat

Esses vermes estão cunhando uma neoditadura!

jasantos

Rodrigo, não tenho nada mais a acrescentar, é o meu pensamento.

Fabio SP

A manobra feita por Cunha foi inventada por Arlindo Chinaglia em 2007 quando era Presidente da Câmara…

Ficou feio para os mandiocas agora!!!

Marat

Texto rico. Vamos por partes…
Quando o PSDB foi fundado, era “vendido” como um partido de centro-esquerda. Covas, Serra e até FHC pareciam ser bem intencionados, e enganaram a muitos, inclusive a esse (que era jovem!) que escreve.
Hoje, como bem disse o Vianna, temos o Carlos Sampaio e outras excrescências, ligados aos empresários, ao superfaturamento de ambulâncias, ao trensalão, e, especialmente e preocupante: ao PIG…
Eduardo Cunha, é um proto-ditador, fanático religioso (ou falso beato???) e malandro. Muito malandro, é bem mais astuto que o Corvo (de horrorosa memória).
Temos também um judiciário (com caixa baixíssima!) completamente arcaico, corrupto e plutocrata, dominado por filhinhos de papai, que cresceram e viraram adultos venais.
Creio que o golpe (ou a tentativa – e ai caberá mais uma vez à esquerda reagir) será consumado no período em que o Rodrigo vaticinou, mas a cúpula golpista será um quarteto (ou uma quadrilha?) formado pela ala pemedebista caudatária ao Cunha, o PSDB (cada vez mais na extrema direita), esse judiciário modelo Gilmar Mendes, e, como não poderia deixar de ser, os fanáticos religiosos (antes católicos, agora evangélicos)… tudo isso com as poderosas bençãos da impren$$$a.
Como podemos ver, os golpistas são unidos pelo mesmo deus (Money). Será a “revolução” dos moneyteístas.
Essa corja precisa ser combatida desde já, quarteirão à quarteirão, casa à casa, primeiro com argumentos, depois, como puder ser combatida!

FrancoAtirador

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.
INCONSTITUCIONALIDADE TOLERADA NA CÂMARA DOS DEPUTADOS
.
NÃO JUSTIFICA ATOS INCONSTITUCIONAIS DO PRESIDENTE DA CASA*
.
Se uma Ilegalidade não justifica outra praticada sob mesma Legislação,
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os Atos Inconstitucionais cometidos, mesmo que relevados pela praxe
.
do Parlamento, não justificam a Reiteração de Ato Inconstitucional,
.
ainda que sucessivamente por Presidentes da Câmara dos Deputados.
.
(http://jornalggn.com.br/noticia/entenda-o-uso-da-emenda-aglutinativa)
.
.

    FrancoAtirador

    .
    .
    Para Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP,
    o discurso de Eduardo Cunha é uma tentativa de criar uma “aparente legalidade”
    para uma manobra não permitida nas leis brasileiras.
    .
    “Pouco interessa o nome que ele dá para o que fez”, diz Serrano.
    .
    “Não é porque uma prática é feita várias vezes que ela se torna legítima”.
    .
    “Ele claramente burlou e agrediu a Constituição”.
    .
    “Essa é uma boa oportunidade do STF corrigir equívocos
    e não falhar na sua obrigação de guardar a Constituição”,
    conclui Pedro Serrano.
    .
    (http://brazil.shafaqna.com/PT/BR/514982)
    .
    “Em Terra de Muares
    quem tem um Neurônio
    burla o Regimento”
    .
    .

FrancoAtirador

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O Final do Filme já está gravado: (http://naofo.de/5iqi)
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“Eduardo Cunha diz que Articula para aprovar Sistema Parlamentarista”
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ANDRÉIA SADI
BRUNO BOGHOSSIAN
DE BRASÍLIA
.
O presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ),
começou a negociar com outros partidos uma emenda à Constituição
para implantar o sistema parlamentarista de governo no Brasil.
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Ele espera obter um acordo para colocar a proposta em votação antes de 2017,
quando termina seu mandato no comando da Câmara.
.
“Temos que discutir o parlamentarismo no Brasil, e rápido”,
disse, em entrevista à Folha.
.
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