Luiz Moreira: Diretor da PF quebrou hierarquia e deve ser exonerado

Tempo de leitura: 5 min

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Ele conhece o “livrinho”?

Os grampos na Polícia Federal

por Luiz Moreira*

Na última semana, em depoimento à CPI da Petrobras, um agente e um delegado da Polícia Federal revelaram a existência de escutas ambientais ilegais, utilizadas para monitorar presos da operação lava jato, na sede da Polícia Federal em Curitiba.

Neste domingo, em entrevista à Eliane Cantanhêde e à Andreza Matais, o diretor geral da Polícia Federal relativiza esses depoimentos, assevera que condutas duvidosas de policiais são apuradas pela corregedoria da PF e que “os equipamentos podem ser auditados para saber quem usou, quando usou, no que usou”, atribuindo aos grampos ilegais expressão que diminui sua importância ao tratá-los como “suposto fato”.

Antes de discutirmos as implicações das afirmações dos policiais federais, convém esclarecer uma questão que perpassa a entrevista de Leandro Daiello, diretor geral da PF, presente em pelo menos três momentos: (1) “Nós cumprimos a lei e ninguém vai aceitar ingerência política aqui”; que (2) o ministro da Justiça chefia a PF apenas na seara administrativa; e (3) ao comentar declarações da Presidente da República.

Ao contrário do que afirma Leandro Daiello, a Polícia Federal é uma instituição subordinada à Presidência da República, detendo apenas autonomia operacional, o que não se confunde com autonomia política.

No organograma do Estado brasileiro, a chefia da Polícia Federal é confiada ao Poder Executivo para que se evidencie que a pauta de sua atuação é externa, marcada por uma verticalização que a submete ao controle social. Portanto, a sociedade civil confia ao Presidente eleito a direção política da Polícia Federal, a fim de demonstrar sua subordinação à política vitoriosa nas eleições.

No entanto, a utilização da expressão “ingerência política” pode suscitar mal entendidos, que devem ser esclarecidos.

Ao empregar tal expressão o diretor geral da Polícia Federal certamente quis dizer que não serão aceitas investigações direcionadas, em que provas são forjadas e que “alvos” são escolhidos. Desse modo, ingerência política significa o aparelhamento da polícia para a criminalização dos adversários do Governo ou da própria Polícia Federal ou ainda a eliminação de provas contra seus aliados ou sua proteção, impedindo que sejam responsabilizados por suas condutas contrárias à lei. Não custa lembrar que essas condutas são tipificadas como crimes.

Bem, é justamente para se evitar que a Polícia Federal se transforme em uma “polícia política” que foram desenhados dois tipos de controle à sua atuação. O primeiro é político; o segundo, operacional.

O controle político é exercido pela Presidência da República, mediante atuação de seu Ministro da Justiça. Assim, há uma subordinação hierárquica da Polícia Federal ao Poder Executivo. E o que significa essa subordinação hierárquica? Significa que a Policia Federal não comanda a si mesma; que suas diretrizes orçamentárias e que a organização de seus serviços subordinam-se ao governante eleito.

E o que isso quer dizer? Simplesmente que a Polícia Federal é um serviço e que sua atuação é controlada pela sociedade civil, mediante seu representante na Presidência da República. Então, a Polícia Federal é uma instituição que não produz sua legitimidade e que, por isso, se subordina a um Poder do qual obtém a justificação para sua atuação.

Nesse sentido, uma instituição a qual se confia o poder de investigar cidadãos, de portar armas de alto poder de destruição e de manipular dados e informações de pessoas precisa se submeter ao poder político. Mais: precisa ter claro que suas atribuições não são um fim em si mesmo e que, por esse motivo, submetem-se ao poder conferido pelos cidadãos à Presidência da República.

Assim, nas democracias constitucionais a chefia das policias é exercida pela sociedade civil, por intermédio dos Governantes eleitos, para garantir que não produzirão sua própria agenda nem que gozarão de autonomia ante o regime democrático.

Em democracias recentes, como a brasileira, nunca é demais rememorar que todas as ditaduras modernas obtiveram forma jurídica e foram mantidas pelo uso indiscriminado da força e por sistemas de investigação que criminalizaram a sociedade civil, tratando os adversários do regime de exceção como alvos, submetendo-os à tortura e à morte.

Já sua autonomia operacional se limita, como polícia judiciária, à instrução processual e ao controle de outra instituição, o Ministério Público Federal, não sendo, portanto, imune a controles.

Como polícia técnica ou polícia científica, sua tarefa é a explicitação de provas, que se realiza mediante descrição da existência de fatos criminosos e sua elucidação. Esses fatos instruem o processo, em fase que se chama inquérito, submetendo-se à fiscalização externa do Ministério Público Federal e sua convalidação pelo Poder Judiciário.

Quanto à relação do Ministro da Justiça com a Polícia Federal. Trata-se de relação verticalizada, entre chefe e chefiado, em que o Ministro da Justiça comanda a Polícia Federal e ao qual seu diretor geral deve obediência, podendo, por livre conveniência do Ministro da Justiça, exonerá-lo dessa função.

No que diz respeito ao diretor da Polícia Federal comentar declarações da Presidente da República. Trata-se de clara quebra de hierarquia que deveria ter como conseqüência sua imediata exoneração da função de diretor geral.

Explico:

Em democracias constitucionais é inadmissível que instituições que manejam armas e informações se movimentem para além de suas competências. Como Chefe de Estado e de Governo, a Presidente Dilma encarna a República brasileira e seus comentários e opiniões não se submetem à crítica pública de subordinados armados.

Nesse sentido, seria inimaginável, por exemplo, que o Presidente Obama fosse censurado pelo diretor do FBI.

No que diz respeito ao depoimento dos policias federais à CPI e às declarações de seu diretor geral é preciso pautar a discussão pelo que estabelece a Constituição da República.

Não há nada de normal nem de razoável em um procedimento de instalação de escutas ambientais, muito menos que essa ilegalidade ocorra dentro da sede da Polícia Federal, a partir de determinação, de seu superintendente em Curitiba, a um agente para que instale aparelhos de monitoração ambiental, sem autorização judicial.

Ao contrário das manifestações contrárias, escutas ambientais ilegais, ou seja, introduzidas sem autorização judicial, constituem clara violação ao sistema processual brasileiro.

Em sua entrevista, Leandro Daiello afirma que a “PF não é uma grampolândia”. Não se trata de desqualificar uma instituição republicana. Trata-se de verificar se fatos ilegais foram cometidos por agentes do Estado, no caso, Policiais Federais.

Daiello tem razão quando, na entrevista, explica que cabe à PF investigar fatos. Ocorre que se esses fatos são praticados por Policiais Federais, eles devem receber o mesmo tratamento deferido aos cidadãos comuns, ou seja, como ele mesmo diz “aonde os fatos vão chegar é consequência da investigação, doa a quem doer”.

Esse episódio segue envolvo em muitas obscuridades. Listemos algumas:

(I) Os equipamentos de escuta ambiental constam do almoxarifado da Polícia Federal? Logo, sua retirada por policial e sua instalação são registradas em algum documento interno? Se a resposta for afirmativa, facilmente seria constatável se algum aparelho da instituição foi utilizado para realizar a tal escuta ambiental.

(II) Por que a demora na investigação do caso pela Corregedoria? O fato é certo (a instalação dos equipamentos de escuta) e os autores são conhecidos (agentes e delegados federais). Assim, qual a dificuldade enfrentada para concluir essa investigação?

(III) A Polícia Federal tem algum procedimento para realização de escutas ambientais? Há um protocolo a seguir? Existem meios para diferenciar os aparelhos utilizados pela instituição dos que não pertencem a ela?

(IV) Foram criados mecanismos que impossibilitem a utilização ilegal dos equipamentos de escuta ambiental por seus policiais? Cidadãos brasileiros podem ser monitorados ilegalmente pela PF?

Provas obtidas de forma ilegal tornam nulos depoimentos e eventuais acordos de delação delas decorrentes. Essa, aliás, é uma regra por todos conhecida e diversas vezes reiterada pelo Supremo Tribunal Federal.

Se, como sugere o depoimento dos policiais federais, essa ilegalidade foi cometida, a Operação Lava Jato terá um fim lamentável. É isso que cabe ao diretor geral da Polícia Federal esclarecer, “doa a quem doer”.

*Luiz Moreira, Doutor em Direito, ex-Conselheiro Nacional do Ministério Público, é professor de Direito Constitucional.

Leia também:

O grampo capaz de abalar as investigações da Lava Jato


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Comentários

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anesio lina

Se a Presidenta tiver pulso e nãose borrar, eexonera Ministro e delegado, numa canetada só. Se isso nao acontecer o impitimam da Dilma é inevitável por falta de autoridade.

Jotage

Ela só está colocando a realidade.
Ele não tem chefe,é só bater o pé e o bunda mole que se diz ministro se recolhe.
Não tem porque ter medo. O bunda mole está passando batom para dar entrevista ao “estadão” (argh).

Maria Paula

Concordo. E necessario providencias do ministro da justica.

Octavio

Até as ações do MP são garantidas ou não pelo procurador geral. Vide o Brindeiro. Por que então o Ministro não pode atuar sobre a PF?

crazy horse

Cara nunca vi um (des)governo tão inerte, aquele ser que ofendeu a Dilma nos EUA deveria estar no minimo sendo indiciado pelos crimes cometidos mas, não vai acontecer nada. Neste caso da policia federal vai ficar nisso mesmo.

Paulo Renato

Esse senhor, de bobo não tem nada.
Ele já sabia que seria demitido e se blindou com esta entrevista.
Agora, se o demitirem pela atuação política na frente da da PF vai alegar que é o Pt lhe perseguindo porque está sendo investigado.
Acordaaaa Dilmaaaaaa!!! Põe pra correr o ministro e este calhorda.

    Octavio

    Inteligente a sua análise.

j. cordeiro

Moreira: prá que demitir esse diretor diretor? Se 95% da polícia federal é anti-Dilma e toda cúpula desse órgão federal conspira a favor da oposição, para que trocar a mosca, se a m… vai continuar a mesma? Pelo menos com esse será possível ao ministro de justiça assinar autorização para compra de papel higiênico. Um outro pode tirar dele até esse poder.

    Octavio

    Não é ele que autoriza a compra de papel higiênico. O SUPOSTO MINISTRO não temtempo para isto, pois tem se preparar para dar entrevista contra o governo para a veja, globo, estadão etc.

Antonio

O texto é bem claro.
Falta apenas um ministro da justiça.
O paspalho que lá está, não é!

Julio Silveira

Essa operação Lava a jato, em que pese o esforço midiatico corporativo para alçá-la aos pincaros da glória do panteon romano, está eivada de situações que fosse em qualquer país, desses que a midia tupiniquim teima incensar, já estaria fadado ao revisão com punições a investigadores e indenizações a muitos dos réus. Mas aqui no nosso Brasil, onde o estado de direito é aplicável conforme a conveniencia e a visibilidade que alguns agentes, tanto midiaticos quanto outros envolvidos, imprimem a cada caso, ele passa a ser relativo.
Parece que estamos fadados a isso, a vermos as motivações contaminarem os processos, que seriam muito salutares por sua capacidade de imprimir uma faceta educativa, cultural na sociedade. Mas o nosso problema são os vicios de origem dessa sociedade tão contaminada por vicios personalistas, que costuma esquecer algo elementar, chamado dever, acima dos interesses pessoais. Aqui no Brasil parece que o carnaval, de tão incutido nas raizes populares, faz de cada cidadão um exibicionista, aspirante a destaque nos altos dos carros alegóricos das escolas de samba. Quem sabe desfilar com o corpo nú, pintado, como os indios, para guerra, no alto de um carro alegórico não seja a grande ambição de certos elementos condutores desse processo.

Véio Zuza

Perfeito. A polícia não poder ser um
“poder” do Estado – e muito menos estar acima dos poderes (Leg., Exec., Judic.).

Arquimedes

Acontece que o José Eduardo Cardozo é um zero. Se duvidar, ele até promove o infeliz.

Francisco

Quem tem que ler esse artigo é Dilma.

Ela é totalmente ignorante quanto a esses assuntos.

E a outros também. Por exemplo: ela ainda pensa que sem dar muro na mesa ela termina o mandato…

    Chuck Lee

    E Dilma sabe ler??

Reinaldo Mechica Miguel

À LUTA CONTRA OS CÃES RAIVOSOS!
Em defesa dos direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras!
Em defesa dos direitos sociais do povo brasileiro!
Em defesa da democracia!
Em defesa da soberania nacional!
Em defesa das reformas estruturais e populares!
Em defesa da integração latino-americana!

CaRLos

Melhor artigo e análise que eu já vi. Só falta tomar as providências legais.

bonobo de oliveira, severino

Antes de considerar o que esse cidadão tem a esclarecer, é necessário constatar o que ele tem que entender, e cabe ao seu CHEFE, se houvesse, orientá-lo. O que ele tem que entender é que ele é um Funcionário Público, cuja atuação depende de legitimação delegada pela autoridade eleita, conforme nos explica o Douto Professor. Por omissão, ou negligencia, ou inépcia da Autoridade competente, ele e a sua rapaziada descambaram para a ilegalidade e passaram a agir como se estivessem subordinados às forças sociais de uma muito reduzida parcela da sociedade que fala pela voz de Marinhos, Frias, Mesquitas et caterva. Isso lhes dá apoio midiático e, de certa forma, politico, mas, nenhuma legitimidade para o exercício de suas funções dentro da Lei. Fora da Lei, como estão agindo, nem se fale.
Outra coisa que eles têm que entender é que devem explicações pelo circo de vazamentos que praticaram em Conluio com outros servidores de Curitiba com escandalosos propósitos politico partidários. Toda essa profusão de ilegalidades resultará evidentemente na anulação de todas as investigações realizadas sob a égide da ilegalidade e dos voluntarismos irresponsáveis. Irresponsáveis, porém, não imunes à responsabilização pelas consequências dos seus atos. Deverão arcar com o ressarcimento ao erário dos vultosos valores de dinheiro público investidos nas suas produções cenográficas e cinematográficas. Para esse ressarcimento eles devem recorrer aos seus meios e, inclusive, pedir apoio aos empresários de mídia que se beneficiaram das suas produções teatrais.

    Octavio

    A intenção da PF e do judiciário nunca foi combater a corrupção. Do contrário, eles estariam muito ocupados no Paraná. Mas sim em difamar o governo e os partidos que o apoiam. O aparato policial em torno da operação lava a jato não está subordinado ao Ministério da Justiça. Por isto o SUPOSTO Ministro da Justiça não pode intervir. E ele sabe disto. Na minha visão, a PF e o judiciário do Paraná estão subordinados ao PSDB. Estes sabem que, quando o processo chegar ao STF, será anulado. Tudo indica que o próprio STF sabe disto. Mas o estrago que ficará na imagem dos partidos ligados ao governo será grande.

MacCain

vamos aguardar!!! A Presidenta se cala, se recolhe, nada faz e os abutrez se vangloriam

Pafúncio Brasileiro

Governo Dilma: Onde o autismo político chega ao pico máximo.

Eliana batista

Se a presidente é a chefe das Forças Armadas do Brasil, por que a polícia federal não se submete ao comando da chefe das forças armadas? O que ele está dizendo é que ele tem outro chefe, quem será? Isso é subversão da ordem, manda prender Dilma!

Marat

Eu sinceramente gostaria de saber qual é a do zé da PF… Essa PF está mais para “Prato feito”…

FrancoAtirador

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Entrevista Concedida ao Jornal O Estado de São Paulo
pelo Diretor-Geral da Polícia Federal, Leandro Daiello:
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(http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,lava-jato-prossegue–doa-a-quem-doer,1719372)
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    Chuck Lee

    Bobagem. Só li mimimi.

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