Luis Felipe Miguel: Justiça militar para julgar crimes contra civis é aberração; Anistia e Conectas protestam

Tempo de leitura: 4 min

Crédito das fotos: Fernando Frazão/Agência Brasil

A hora do reentulho militar

Luis Felipe Miguel, no Justificando

Quando terminou a ditadura militar e uma nova Constituição foi escrita, uma das tarefas principais que se colocaram para as forças democráticas foi a remoção do chamado “entulho autoritário”, isto é, de toda a legislação ordinária vinculada à ordem ditatorial.

Tarefa difícil, inconclusa, já que cada item do entulho encontrava protetores, seja nos grupos beneficiados, seja nos inconformados com a democratização.

Uma vitória particularmente importante foi o fim do julgamento de militares pela Justiça Militar quando cometem crimes contra civis, o que ocorreu apenas na metade dos anos 1990.

A ideia de uma justiça militar em tempos de paz é, em si mesma, estranha.

Por que as forças armadas não têm corregedorias, como todos os órgãos públicos, que analisam infrações internas e aplicam sanções administrativas, deixando para a Justiça o julgamento dos casos criminais?

A justificativa para isso se liga, na verdade, à estrutura discricionária e à violência que atravessa as relações dentro da corporação militar, que permitem castigos absolutamente desproporcionais às faltas e impedem o contraditório e a defesa, tudo em nome do mítico valor da “disciplina”.

Já uma justiça militar que julga também crimes cometidos contra civis é mais do que uma ideia estranha: é uma aberração. É a instauração de uma casta superior, regida por regras que não funcionam para os outros mortais. Que garante que seus crimes serão julgados apenas por pares do criminoso.

Pois é isso que está voltando. Anteontem, o Senado aprovou – e encaminhou para sanção do ocupante da Presidência – lei que reinstitui o julgamento em tribunais militares para aqueles que atentarem contra a vida de civis durante operações de “Garantia da Lei e da Ordem” (GLO).

A cúpula militar, a mesma que namora em público com a possibilidade de voltar a assumir o poder, pressiona energicamente pela medida.

Na prática, a lei trata as operações de GLO como se fossem situações de guerra – uma guerra contra o povo. O resultado provável é a ampliação da truculência da repressão, dada a expectativa ainda mais segura de impunidade.

Mais uma vez, o golpe está frustrando aqueles liberais de velha cepa, que se iludiam pensando que era possível violar a democracia apenas pontualmente, promover o desmonte das políticas inclusivas e compensatórias e da legislação trabalhista, e voltar ao império da lei como se nada tivesse acontecido.

Isso não acontece. Direitos sociais e liberdades cidadãs estão indissociavelmente ligados. A destruição da Constituição e a reincorporação do antigo “entulho autoritário” na legislação ordinária são consequências previsíveis do retrocesso em curso.

Luis Felipe Miguel é doutor em ciências sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professor titular do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB)

Anistia e Conectas protestam para Temer vetar lei sobre nova competência da Justiça Militar

Do Justificando

Dentre os retrocessos em direitos humanos apontados por organizações de direitos humanos nessa semana, destaca-se a aprovação do projeto de lei, pelo Senado, que confere competência para a Justiça Militar julgar militares acusados de crimes dolosos contra civis. A lei foi encaminhada para a sanção presidencial, mas até lá uma série de ações está sendo realizada para denunciar a gravidade dessa alteração em um país que não vive sob regime militar.

Nesse sentido, a Anistia Internacional está captando assinaturas para denunciar o retrocesso. A organização lembrou que “as autoridades brasileiras têm utilizado de maneira crescente as Forças Armadas para o policiamento ostensivo das áreas urbanas no Brasil, resultando em um vasto número de violações aos direitos humanos”.

A Anistia ressaltou o fato de que esse projeto de lei tem sido conhecido como projeto de “licença para matar”, dado os efeitos do corporativismo inerente à própria estrutura militar – “A proposta aprovada aumenta a preocupação diante da possibilidade de deixar impune os militares que violarem direitos humanos. Os defensores de direitos humanos e a sociedade civil organizada nomeou de maneira informal o projeto de ‘licença para matar’”.

A Conectas Direitos Humanos também se mobilizou contra o projeto. Sob o título “Veta, Temer”, a organização destacou que “é responsabilidade do presidente Michel Temer vetar a proposta e impedir que haja um salvo conduto para ações violentas cometidas por militares”.

“Esta chamada ‘segurança jurídica’, nas palavras do Exército, garante que um soldado que, por exemplo, esteja atuando em missões GLO (Garantia da Lei da Ordem), ou seja, exercendo funções de polícia, como vem ocorrendo no Rio de Janeiro, seja julgado por outros militares da ativa, ao invés de juízes com bacharel em direito, no caso de se ver envolvido na morte de um civil” – pontuou.

Entenda o projeto

O Senado aprovou em caráter definitivo um projeto que permite que militares da Forças Armadas que cometerem crimes dolosos contra civis sejam julgados pela Justiça Militar. Como é originária da Câmara e não foi alterada pelos senadores, a proposta segue agora para sanção presidencial. A matéria foi aprovada por 39 votos favoráveis e oito contrários, após o PT e a Rede orientarem a rejeição do texto.

De acordo com o projeto, os crimes cometidos por militares contra civis não serão mais julgados pelo Tribunal do Júri em casos que envolvam ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), como quando governadores de estado solicitam o envio de efetivos do Exército, Marinha e Aeronáutica para o controle de situações emergenciais.

A discussão do projeto gerou polêmica, especialmente pelo fato de não haver um prazo para vigência da medida e devido à situação atual do Rio de Janeiro, onde militares atuam em apoio aos policiais em comunidades, como foi na favela da Rocinha.

Atualmente, segundo o Código Penal Militar, alguns crimes relacionados a atividades militares são julgados pela Justiça Militar, exceto se forem cometidos de forma intencional contra civis.

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Comentários

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José Alves

Como se fala em militar contra o povo.
Onde esses aclamam aqueles.
O Rio de Janeiro vive sim um estado de Guerra é só ver as estatísticas de tiroteios em todo Município do Rio de Janeiro e mais veja Angra dos Reis o que acontece lá todos os dias, vejam na baixada fluminense, esquecida pelo tal Estado de direito, que existem milhares de pessoas abaixo da linha da pobreza, ora vamos deixar de discurso idiotas e politicados, muitos aproveitam dessa situação para ter um lugar na mídia, o que na verdade esses querem ver o seu entendimento e que o povo se exploda.
Porque esses mesmos nunca fizeram nada para que o estado não chegasse ao final do poço.

Bovino

É o Imperialismo pavimentando o Golpe Militar.

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