Jovens escracham mais um ex-torturador no Rio

Tempo de leitura: 3 min

por Rafael Soriano, da Página do MST

Rio de Janeiro, Botafogo, avenida Lauro Müller, número 96, apartamento 1409. Neste endereço vive confortavelmente o militar reformado Dulene Aleixo Garcez dos Reis, que, durante os anos de chumbo da Ditadura Civil-Militar no Brasil, torturou e assassinou militantes da esquerda, nas dependências do famigerado DOI-CODI na Tijuca. Entre suas vítimas, encontramos o jornalista e secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), Mário Alves.

Dulene Aleixo foi capitão da Infantaria do Exército em 1970 e serviu no ano seguinte no Batalhão de Infantaria Blindada (BIB) de Barra Mansa. Das 20 horas da noite do dia 17 de janeiro de 1970 até às 4 horas da manhã do dia seguinte, Dulene participou da tortura de Mário Alves, capturado no mesmo dia, o que culminou com a morte do dirigente por perfuração do intestino e hemorragia interna provocadas por empalamento com cassetete de madeira e estrias de ferro.

Demandando Memória, Verdade e Justiça, mais de 3 mil pessoas realizaram uma manifestação de “Escracho” em frente ao prédio onde vive o ex-torturador. A experiência, herdada de países como Argentina e Chile (onde o protesto se chama Funa), tem sido praticada no Brasil por  organizações de juventude e de direitos humanos, como o Coletivo Tortura Nunca Mais e o Levante  Popular da Juventude, para pressionar a recém-instalada Comissão da Verdade, do Governo Federal.

Após caminhada, desde o Campus Praia Vermelha da UFRJ, com amplo diálogo com a população através de panfletagens, batuques e palavras de ordem, os manifestantes instalaram uma grande assembleia na rua, em frente ao apartamento do militar. Participaram, além das organizações já mencionadas, a Articulação Nacional pela Memória, Verdade e Justiça, movimentos populares, Via Campesina, partidos políticos, UNE, o mandato do Deputado Marcelo Freixo e organizações de Direitos Humanos.

Para Ana Miranda, do Coletivo Tortura Nunca Mais, a divulgação dos casos de abuso do poder público durante a Ditadura Civil-Militar é imprescindível para interromper o ritmo de violência ainda levado pelas polícias até hoje no país. “O engajamento jovem é espetacular, porque os meus filhos, que agora tem mais de 30 anos, ficaram, assim como nós, que sofremos com a Ditadura, marcados pelo silenciamento”.

Ana acrescenta: “essa garotada entende que é uma questão da sociedade brasileira inteira, pois a tortura e a violência continua existindo e a constitucionalidade da Lei de Anistia concedida pelo STF é um passe livre à impunidade”. Ela alerta para o fato de que se não houver punição e justiça em relação às torturas, desaparecimentos e mortes do período de ditadura, a violência vai continuar.

Todas as armas: livros, flores, poemas

Com muita animação, os participantes do ato promoveram um momento místico, em memória às vítimas da repressão militar, no qual foi declamado e encenado uma poesia de autoria do comunista Carlos Marighella e outra do próprio Mário Alves. Num ambiente marcado pelo excessivo policiamento, a presença de outras vítimas também foi reclamada pelos marchantes, a exemplo de Edson Luís, Manoel Lisboa e Edgar Aquino Duarte, todos mortos nos porões da Ditadura.

Segundo os movimentos, a pauta da memória, verdade e justiça é unitária na esquerda e os escrachos devem aumentar e se proliferar pelo país. “Os setores conservadores estão se movimentando, a partir do marco da criação da Comissão da Verdade. Nós dos movimentos populares também estamos, pois acreditamos que a Comissão só vai funcionar se houver ampla participação e pressão popular”, afirma Paulo Henrique, do Levante Popular da Juventude.

“Apesar das críticas que temos à Comissão, ela é um passo importante, mas ela só vai funcionar se houver participação popular nela. A Comissão é uma etapa importante para que se faça justiça nesse país, mas não precisamos esperar por ela: ações judiciais contra torturadores existem, mas eles são protegidos pela Lei de Anistia”, avalia Ana Miranda. “O Brasil é um país contraditório. Assina tratados internacionais contra a tortura, mas tem uma lei que a anistia”, esclarece.


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

Pitagoras

É por aí. Se a Comissão da Verdade é mero teatrinho, que o povo demonstre veementemente o que pensa desses salafrários covardes.
Pau nêles, moçada!

Mário SF Alves

Em nossas circunstâncias socioeconômicas, com o Estado ainda tão condicionado por interesses contrários ao Estado de Direito; com o Estado ainda tão permeável a políticas, ideologias e práticas negadoras do aperfeiçoamento e consolidação da democracia, o escracho, enquanto ação civil pública é o recurso mais eficaz, senão o único, prontamente à disposição da sociedade para fazer-nos refletir e resgatar das sombras aquele momento tão conturbado, tão injusto e tão cruel de nossa História. É da soma de esforços, da união de procedimentos e das políticas públicas estabelecidas em respeito aos direitos humanos, e de posse da verdade histórica, que, a partir daí, nos será possível entender as raízes, o significado e as consequências dessa última ditadura que se abateu sobre o povo brasileiro. Portanto, até que se consolide a democracia em nosso País, o escracho de torturadores continuará sendo um legítimo recurso a nos proteger e a fazer prosperar o Estado de Direito. E é de todo lamentável, que, inevitavelmente, tenhamos de incentivá-lo, não obstante seu caráter, sob certo aspecto, constrangedor.

abolicionista

Parabéns a esses jovens brasileiros! Estão ajudando o país a consolidar sua democracia e mostrando que estão aí pro que der e vier! Todo apoio aos escrachos!

sergio

Fazer justiça com as próprias mãos é um grande retrocesso, ainda agora que a Comissão da Verdade foi instalada.
Me parece uma grande presunção e uma temeridade, sou totalmente contra.

Mardones Ferreira

Parabéns, mais uma vez, aos destemidos jovens que decidiram deflagrar esse movimento de escracho aos torturadores que sempre tiveram a cobertura da grande imprensa para viver em paz com suas aposentadorias e seus familiares.

Àqueles que sentem dó das famílias dos escrachados, leiam sobre a dor das famílias dos mortos e desaparecidos que esses senhores causaram quando estavam no poder, que tomaram à força.

Precisamos de mais e mais escrachos pelo Brasil.

hose gaspar chemin

e os videos?

abolicionista

Parabéns aos jovens cariocas! Todo apoio ao escracho desses monstros!

Thomaz

Ao “escrachar” uma pessoa, qualquer pessoa, escracha-se o cônjuge, pais, filhos, vizinhos. Essa selvageria se apresenta nos saites esquerdos como uma virtude. Na mesma “escola” poderia se justificar linchamento,justiçamento por exemplo.Vá lá estudante de colegial nessas, mas gente grande?

    João

    Ao se torturar e matar por empalamento, mata-se só o sujeito? E, matando-se só o sujeito, ficamos elas por elas em relação ao escrachado? Sinceramente, esse argumento apelativo do senhor Thomaz não comove nem uma pulga.

    Mário SF Alves

    Considero imprescindível o seu comentário, João. Mesmo porque, a tortura pode ser muito mais desumana e muito mais cruel do que o assassinato. A tortura, quando praticada sob regime “político” ditatorial, além de crime contra a humanidade, por sabotar e desumanizar qualquer forma de resistência, pode causar chaga emocional tão grave, tão grave que determinaria a desestruturação da alma. E, por certo, não deve estar muito distante disso o mal que causaram ao Frei Tito e a muitos outros. E não é à toa que se usa a expressão regime de excessão ao se referir à ditadura, e que é o mesmo que classificar um Estado ou um País inteiro como situados à margem da Lei.

Fabio Passos

Todo apoio a estes jovens brasileiros que não toleram a impunidade de criminosos covardes que cometeram crimes contra a humanidade.
Belíssimo exemplo.

Torturador impune é uma vergonha para todos nós.

Willian

O próximo é o Maluf.

    abolicionista

    Claro, por que não? O escracho não é partidário…

Deixe seu comentário

Leia também