José Reinaldo: Depois do acarajé, Fifa proíbe Mané Garrincha em estádio

Tempo de leitura: 4 min
                                                                                                                           

 

por José Reinaldo Carvalho, no seu blog, sugestão de Urariano Mota

O secretário-geral da Fifa, Jerôme Valcke pensa com a cabeça do colonialista e fala a linguagem dos antigos becos de Paris, da época em que o Châtelet-Les Halles não fora ainda desratizado.

Em março do ano passado, deu-se o direito de acusar o Brasil de indolência na organização dos torneios internacionais agendados para 2013 e 2014 – a Copa das Confederações e a Copa do Mundo, o que só teria remédio com um “pé no traseiro” dos brasileiros. Embora o impulso seja forte, não vamos usar, para referir-nos à Fifa e ao seu insolente burocrata, a linguagem lúdica com que a sofrida e gloriosa torcida brasileira se expressa nas arquibancadas e gerais.

Mas não vamos disfarçar a indignação com a impertinência, a má educação e a ingerência da Organização (e do seu burocrata) que se julga toda-poderosa a ponto de considerar a Copa das Confederações e a Copa do Mundo – eventos que nosso País tem orgulho de sediar – monopólio seu e de seus financiadores e motivo para ofender a cultura, a inteligência e a alma nacional.

No ano passado, na sequência dos destemperos verbais do seu secretário-geral, a Fifa anunciou a proibição da venda de acarajé no Estádio da Fonte Nova. Decerto quer obrigar o povo baiano a ingerir as fast-porcarias que acompanham suas venenosas bebidas.

Na última sexta-feira (6), o burocrata-geral da Fifa voltou a dar o ar da sua graça, pois estava meio calado desde a gafe do ano passado. Em comunicado vazado em frio e boçal estilo nórdico, o secretário-geral da Fifa voltou a criticar a organização da Copa no Brasil, afirmando que “não estará 100%”, já que segundo os seus cronogramas os prazos acertados para a entrega dos estádios caíram de seis para dois meses.

Vejam: “O feedback que recebi das reuniões operacionais do governo com o Comitê Organizador Local – em cada uma das seis cidades-sede – foi positivo. A Copa das Confederações será um torneio fantástico, mas todas as operações organizacionais não estão 100%. É impossível esperar que isso aconteça com o tempo de preparação reduzido – na maioria dos casos, em menos de dois meses – ao invés dos seis programados”. (Folha de S.Paulo on line, 6/4/2013)

“Organizar uma Copa do Mundo é um trabalho infinitamente mais complexo e exigente do que o da Copa das Confederações, que tem apenas 25% do número de partidas. A escala e a magnitude da Copa do Mundo requer um mínimo de seis meses do enquadramento operacional”, continuou o professoral secretário-geral da Fifa. (Idem)

Mas a insolência da Fifa não ficou por aí e seu último decreto terá tido no mínimo o efeito de revolver os túmulos dos craques de todos os tempos e despertar a ira dos deuses do Futebol, inclusive as temíveis entidades que se nutrem na Bahia de oferendas de acarajé. Agora, a toda-poderosa decidiu que, durante as competições que organiza, o nome “Mané Garrincha” não será permitido para referir-se ao Estádio de Brasília, que já nasceu batizado assim. E mais, disse a Fifa que a ordem terá de ser respeitada em propagandas e divulgações dos eventos. Aqui nesta página, pode ter certeza a senhora, a única designação admissível para o estádio da Capital Federal, já padronizada em norma editorial, será “Mané Garrincha”.

Nunca se viu tamanha ofensa à inteligência nacional, tal escracho à alma de cada moleque, adulto ou velho que aprendeu desde a fase uterina a idolatrar a mais brasileira dentre todas as figuras do mundo do Futebol – Mané Garincha.

Despudorada, a entidade secretariada pelo senhor Valcke, confessa que o decreto é uma imposição do “interesse internacional” e uma obrigação derivada da necessidade de “manter a consistência dos nomes dos estádios”.

Os burocratas da Fifa, em sua sacrossanta ignorância, acham que nomes como Mané Garrincha, Maracanã, Mineirão, Itaquerão e outros inventados pelo povão são de difícil compreensão para quem não fala o vernáculo e muito menos conhece os jargões da patuleia. Com a propensão de adaptar-se a quaisquer circunstâncias desfavoráveis, o nosso povo resolveu o suposto impasse à sua maneira safa e malandra. Desde o começo do século 20, quando o futebol começou a ser jogado aqui com exóticas palavras britânicas, o brasileiro foi capaz de naturalizar vocábulos e sem cerimônia compreendeu que Foot-ball é “Futebol”, goleiro é “golquíper”, defensor recuado é “beque”, meio-campista é “centerralfe”, escanteio é “córner”, penalidade máxima é “pênalti”, e assim por diante. Cada um desses vocábulos narrados pelos locutores de rádio do passado e repetidos nas arquibancadas e bares com as variantes de sotaque próprias da imensidão do País enriqueceu a língua nacional e nunca impediu que as regras do futebol e a maneira de escalar as equipes fossem bem assimiladas.

Mas, devemos confessar que não ficou claro se no afã de assegurar o “interesse internacional” e os indeclináveis contratos comerciais para exibir melhor as marcas dos seus anunciantes, a Fifa tem implícito algum plano de “alfabetização” às avessas, para que alguns sonoros vocábulos com que se designam as mães dos juízes (de futebol) sejam pronunciados em inglês ou, quem sabe, no francês de Monsieur Jerôme.

E para completar o rol de estupidezes, bateu em nós essa estranha mania de chamar campo e estádio de arena. Talvez tudo tenha coerência com os costumes da época. O povão, que gosta de uma boa dose de Serra Grande, Pitú, Saborosa ou 51, e antes dos jogos forra as tripas com acarajé, abará, sarrabulho, feijoada, panelada ou maniçoba ou churrasco de gato, já não frequenta os estádios. Vê os jogos em aparelhos de televisão comprados a prazo, pois o ingresso, cotado em Euro ou Dólar é privilégio da elite cosmopolita, que não compreende que o futebol – pelo menos no Brasil – não é um evento de consumo, mas uma manifestação da alma nacional. Somente numa época como esta um Valcke qualquer se transforma em autoridade supranacional.

José Reinaldo Carvalho é editor do Vermelho

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Comentários

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H. Back™

Se o problema deles é a grande dificuldade em pronunciar certas palavras do português brasileiro, então não custa nada os mesmos terem algumas aulas particulares.

H. Back™

O mais engraçado de tudo isso é que, qualquer “autoridade” internacional pode vir aqui e exigir “isso e aquilo” pelo simples fato de não compreender o modo de vida do brasileiro! Se esse argumento valesse, então na Inglaterra e em qualquer país do mundo, não seria permitido vestir os seus trajes típicos. É muita petulância.

Fabio Passos

A verdade e que podemos fazer a copa da forma que acharmos conveniente.
O torneio comeca e as coisas acontecem como determinamos.
A fifa pode reclamar… e dai? Se encherem muito o saco podem ir embora.

Luiz Rogerio

Vamos lá meu povo brasileiro… chega de “MC Donald’s da vida!” me ajudem a completar a lista…

Vamos levar para os estádios na Copa:

Mineirão: Feijão tropeiro, linguicinha, torresmo, cachaça…
Mangueirão: Manissoba, pato no tucupi…
Mané Garrincha: Bandeira do mané…
Maracanã: Churrasquinho de gato, cervejinha…
Itaquerão: Pastel, pizza…

Ajudem a completar a lista por favor!!!!!!!!

Gerson Carneiro

Além de proibir o acarajé, a Fifa me proibiu de ir ao estádio, ops! à arena. Usou a tática de proibir pelo bolso, como a Globo está tentando com os blogueiros progressistas.

Não faz mal, ficarei em casa ouvindo os jogos pelo rádio e comendo tripa de porco frita na hora, quentinha e crocante, no lugar do fandangos.

Ah, já contei aqui em outro post que traduziram “O alto da compadecida”, de Ariano Suassuna, e João Grilo passou a se chamar John Cricket. Os caras devem ter quebrado a cabeça para achar um nome pra Chicó.

Diga aí Azenhão, o que é que o glorioso João Saldanha está achando dessa pataquada?

Leandro

Isso tudo foi acertado para que o país fosse sede da copa. Assinado, acordado pelo governo brasileiro. Reclamar agora é de um cinismo patético. O lula vendeu a alma para Teresa copa e o orgulho brasileiro.

Caracol

Ora, José Reinaldo, eu concordo com você e me sinto indignado também, mas veja, reconheçamos que tudo isso é uma coisa anunciada. Futebol já era, o negócio agora é grana. Aliás, futebol bom mesmo – se você quiser assistir – se joga hoje em campos de várzea, na periferia. Esse negócio de canelas valerem zilhões de dólares e euros acabou com o entusiasmo, o balé, as jogadas de conjunto e a beleza de um futebol disputado com alegria. Isso é coisa do passado, dos tempos de Didi, Pelé, do nosso impagável Garrincha, Heleno, Nilton Santos e tantos outros. Hoje em dia, canela que vale tanto não está aí pra disputar divididas.

Acarajé? Só se a McDonald’s criar o Macacarajé. Senão, os caras da grana, sejam eles internacionais ou nativos, não vão botar azeitona na empada de baiano. Cultura? Cultura porra nenhuma, o negócio é grana. E grana só pra empreiteiro, governador e a cambada de cafajestes recebedores de comissões. Não sobra pra baiana alguma nem pra vendedor de amendoim, essa coisa de ralé.

Aos otários de plantão dó lhes resta preparar os bolsos p’ra comprar a peso de ouro a vuvuzela oficial da CBF, a jabulani oficial da Adidas, o penico oficial da FIFA e tantas outras bugigangas “oficiais” sem as quais não se pode viver. Quem sabe, até lá os americanos terão vencido em sua teoria de que é impossível investir num esporte disputado em dois tempos de 45 minutos cada, sem intervalos para os comerciais? Aguardem, pois até isso vai mudar, transformando aquilo que era um esporte dinâmico numa pancadaria mais vendável.
Que se pense nisso a cada vez que se entrar num shopping com olhos de zumbi, comprando tudo aquilo de que não se precisa.
Futebol já era.

Francisco

Esse Jerômi Vauqui…

    Gerson Carneiro

    Fala nada de Jê Vauqui não senão vai pensá que nóis num temo educação.

    Gerson Carneiro

    Desculpa. É “seu Jê Vauqui”.

jaime

A FIFA é insolente e os Estados Unidos são imperialistas. Certo. Mas eles são isso porque existem países que aceitam isso. Cada um faz seu jogo, o deles é tentar se impor, mas que tal NÓS fazermos outra jogada que não seja apenas reclamar, baixar a cabeça e dizer sim, Senhor?

Marcelo Rodrigues

Mané Garrincha, sozinho, fez mais pelo futebol do que todos os cartolas de todos os tempos.

Os deuses do futebol mandaram uma maldição: Se o Brasil aceitar esta desfeita com o anjo das pernas tortas, os céus garantem que nunca mais ganharemos uma copa do mundo.

willian

Queremos comer tropeiro no Mineirão!

    Gerson Carneiro

    Ah, vá…

    Tu gosta é de hot dog e coca-cola.

Mineirim

Que tal fazermos uma campanha para que a “elite cosmopolita” que irá ao Estádio Mané Garrincha assistir aos jogos da Copa das Confederações levem GRANDES cartazes com os dizeres: ESTAMOS NO ESTÁDIO MANÉ GARRINCHA!!!

    roberto

    Com todo o respeito, que tal escracharmos de vez esse cara e seus asseclas e escrevermos o seguinte:
    “Comemos acarajé com azeite de dendê e estamos cag@ndo e andando para o Valcke!”

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