Isaías Dalle: Projeto do Senado quer criar o AI-5 da Copa

Tempo de leitura: 5 min

CUT quer trabalho decente nas obras e no evento. Mas projeto do Senado, o AI-5 da Copa, quer classificar greves durante o torneio como crime

por  Isaías Dalle,  no site da CUT

Se dependesse só da FIFA e das multinacionais, as áreas e atividades relacionadas à Copa do Mundo de Futebol 2014 formariam uma espécie de território autônomo, com jurisdição especial. Nesse reino, personagens como trabalhadores em greve, vendedores ambulantes ou idosos seriam tratados como vilões e, de preferência, mantidos do lado de fora das muralhas.

Diferentes entidades têm se mobilizado para impedir esse conto de fadas macabro. A CUT tem agido em três frentes: na elaboração e aprovação do Acordo Nacional da Indústria da Construção Civil; na inclusão de emendas no projeto de Lei Geral da Copa e, evidentemente, na mobilização. O rumor de uma greve nas obras de construção dos estádios, a partir de março, tem atraído curiosidade até da imprensa internacional.

De outro lado, há quem queira ajudar a monarquia do futebol internacional em seus interesses. No Senado, um projeto de lei assinado por Marcelo Crivella (PRB-RJ), Ana Amélia (PP-RS) e Walter Pinheiro (PT-BA) pretende instituir novas regras de segurança e punição penal que começariam a valer três meses antes do início das partidas e durariam até o encerramento do torneio.

Nessa proposta, há um capítulo dedicado ao direito de greve, que classifica 13 setores de atividade como estratégicos. Esse grupo de 13 setores ficaria, segundo o texto, “condicionado ao disposto nesta Lei”, ou seja, durante os quase cinco meses em que a proposta pretende vigorar, as greves poderiam ser punidas com sanções penais expressadas em mais de 50 artigos, que incluem até mesmo prisão.

Também segundo o projeto, caso as categorias decidam realizar a greve mesmo assim, deveriam avisar patrões, autoridades e usuários com 15 dias de antecedência e ainda manter 70% dos trabalhadores em serviço durante a paralisação. Caso contrário, bem, aí fica a cargo de quem – juiz, prefeito, governador etc. – vai avaliar o significado da frase “condicionado ao disposto nesta Lei”.

Lá pelas tantas, o projeto dos três senadores também prevê um regime de funcionamento especial da Justiça, em que casos surgidos antes e durante a Copa seriam julgados a toque de caixa, se preciso inclusive aos sábados e domingos, com a convocação extraordinária dos quadros dos tribunais de toda espécie.

Não é difícil imaginar que, avisados 15 dias antes que uma greve será realizada, os céleres magistrados, nessa espécie de regime de exceção, impetrarão interditos proibitórios e outras medidas para impedir as paralisações e até mesmo manifestações “por motivo político”.

“Estão querendo instituir o AI-5 da Copa”, ataca o presidente nacional da CUT, Artur Henrique. “É um absurdo querer criar um estado de exceção para tratar do direito de greve no Brasil”, completa. “Todo esse capítulo da greve é inconstitucional, por inviabilizar o exercício do direito de greve, previsto no artigo 9º da Constituição”, analisa o consultor jurídico da Central, Maximiliano Nagel Garcez. “É querer inviabilizar a greve”.

Por conta do surgimento desse projeto, que ainda gravita no Senado, mas que pode, ainda que em parte, ser incorporado à Lei Geral da Copa ou mesmo se tornar uma legislação adicional, a CUT decidiu enviar ofício aos seus autores pedindo sua imediata retirada. Líderes partidários também serão procurados pela Central.

Para compreender melhor a extensão e a rigidez da proposta dos três senadores, o texto diz, por exemplo, que “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa à integridade física ou privação da liberdade de pessoa, por motivo ideológico, religioso (…) e político (…)” é um crime que renderia prisão de 15 a 30 anos. Resta saber o que poderia ser interpretado como “terror” ou “pânico”. Uma passeata na Avenida Paulista, por exemplo, em que turistas desavisados pudessem se sentir com medo de sair do hotel, seria rotulada como crime? Na justificativa do projeto, os senadores alegam o risco de atividades terroristas. Porém, ao submeter as greves aos dispositivos da nova lei, tudo pode acontecer.

É importante destacar que esse projeto foi apresentado ao Senado em dezembro, muito antes que eclodisse a paralisação dos policiais militares na Bahia, e, portanto nada tem a ver com o episódio.

Na opinião do consultor jurídico Garcez, a proposta “concede poder excessivo e discricionário à ‘autoridade’ que nem se sabe quem seria”.

Além disso, o projeto de lei desconsidera o fato de que está sendo elaborado um projeto de lei chamado de Lei Geral da Copa, com a participação de diversos atores. No início, o texto base da Lei Geral foi enviado pelo Governo Federal ao Congresso. A partir daí, entidades passaram a pressionar pela inclusão de emendas. A CUT vem sendo representada neste esforço pelo secretário nacional de Relações de Trabalho, Manoel Messias Melo.

A Central reivindica, e já encaminhou ao relator do projeto, deputado Vicente Cândido (PT-SP), algumas modificações e inclusões:

a)    Que seja permitido o trabalho, nas imediações dos estádios, de vendedores autônomos e ambulantes que possuam cadastro nas prefeituras.

b)    Garantia de cotas de ingressos gratuitos para idosos, indígenas, pessoas inscritas em programas de transferência de renda e para os operários que trabalharam nas obras da Copa.

c)    Garantia do pleno direito do exercício de greve.

d)    Inclusão de uma campanha pelo trabalho decente no Brasil nos materiais de divulgação da competição. A FIFA já decidiu criar o slogan “Por um mundo sem armas, sem drogas e sem violência”, a ser exibido durante as partidas. O que a CUT reivindica é a inclusão, neste mesmo slogan, da frase “e com trabalho decente”.

e)    Que o trabalho voluntário, que a FIFA quer incluir na Copa, não substitua empregos ou precarize as condições de trabalho.

f)    Fiscalização e punição para patrocinadores ou fornecedores que usem trabalho escravo ou infantil em suas cadeias produtivas.

g)    Respeito aos acordos coletivos já existentes.

Completando as ações, há ainda o Acordo Nacional da Indústria da Construção Civil, elaborado e já assinado pelas centrais CUT, Força e UGT (que possuem representação no setor), as entidades patronais e o governo federal. Já pronto, o acordo será apresentado oficialmente pela presidenta Dilma, provavelmente no prazo de um mês.

Como se trata de um acordo de livre adesão por parte das empresas, a Conticom-CUT, confederação nacional que representa os trabalhadores da construção civil e da indústria da madeira, promete pressionar as empresas, em todos os canteiros de obra, a cumprir as regras lá estabelecidas.

“O acordo de livre adesão está pronto. Mas queremos que se torne um contrato coletivo nacional, ou seja, que seja cumprido já em nossa data-base, que em quase todo o Brasil é em maio. Portanto, a partir de março começaremos a pressionar. Se preciso for, vamos fazer greves nas obras dos estádios que vão sediar os jogos”, garante o presidente da Conticom, Cláudio Gomes.

Leia também:


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

daniel

O T do PT já não quer dizer mais nada! Se alguém me perguntar o que significa a sigla PT, vou ser obrigado a responder: significa Partido do T.

daniel

"provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa à integridade física ou privação da liberdade de pessoa, por motivo ideológico, religioso (…) e político (…)” é um crime que renderia prisão de 15 a 30 anos."

Será que inclui a polícia? Ah não… A polícia está fora, pode descer a borracha no povo e "provocar ou infundir terror ou pânico" quando bem entender à mando do governador.

    JOSE DANTAS

    A polícia desce a porrada em baderneiro e não no povo. Eu nunca apanhei da polícia enquanto cidadão brasileiro respeitador da ordem…

A Copa do Mundo é da FIFA | Política Urbana

[…] Veja artigo pescado no Vi o Mundo. […]

Fabricio

vão transformar os trabalhadores em escravos?

baader

sur real!

maria

Não bastou passar trator nas casas no caminho?

Anonymous derrubou site nazista http://silviokoerich.org – Quatro dias #DOWN!
http://pic.twitter.com/vbfR3r0H

Maria do Carmo

A COPA dura apenas 30 dias e é um evento comercial, fantasiado de evento esportivo.

Agora, tem que fazer o movimento de greve justamente durante a COPA?

O mundo não quer saber dos nossos problemas!!!

Sei que isso é duro, mas é verdade.

Nos grandes eventos comerciais NO MUNDO os problemas são "esquecidos" temporariamente para que os cidadãos locais foquem apenas no evento.

Os problemas existentes no Brasil são centenários e não é a COPA do mundo que vai resolvé-los.

A CUT deveria preocupar-se com os políticos PELEGOS que ela apoia nas eleições.

Ninguem vai morrer, ficar mais pobre, durante estes 30 dias da COPA.

A COPA do mundo está recebendo os mesmos benefícios que o Circo de Soilé ou a Formula 1 recebem, quando realizam os seus eventos no Brasil.

Eu acho engraçado essa gritaria toda por causa do "atropelamento" de algumas leis que no fundo, não são TOTALMENTE respeitadas: Lei do idoso, Estatuto do torcedor e tantas outras.

    daniel

    Ué, imagine que um mês antes da copa, determinada empresa obrigue os funcionários a trabalharem 16 horas por dia para cobrir atraso de obra e não pague as horas extras. O trabalhador vai ter que ficar quietinho? Vai ter que esperar a copa passar? Gostaria que valesse para os políticos também, afinal eles fazem greve toda semana, quem trabalha mesmo são os assessores.

    JOSE DANTAS

    Eles querem parar o País através de greves durante a Copa em troca de vantagens pessoais, enquanto criticam a oposição pela tentativa de impedir o evento em troca de vantagens políticas.
    As extremas são assim: minoritárias, egoístas e jamais pensam nos interesses coletivos.
    Eles queriam inviabilizar o carnaval baiano e o carioca como forma de pressionar os governos a atenderem suas reivindicações, que podem ser justas, porém como é que ficaria o direito daquelas milhões de pessoas que queriam participar do evento, assim como milhares de comerciantes de todos os tamanhos que ganham sua sobsistência justamente nessas ocasiões?

Bernardino

SOSSEGA ARAQUEM!! a raiz de tudo isso é a escoria Portuguesa!Nao adianta o LULA apregoar que tirou milhoes da miseria. NAo adianta ascençao social sem politizaçao.Logo,logo esses votarao na DIREITONA pois vao querer mais!!Quanto ao sr WPinheiro lembro dele como deputado,alias tinha a cara esfomeada,mas nao se surpreenda.Quando o chefe maior Privatiza e da exemplos de fraqueza o que dizer dos Cupinchas!.[E melhor ouvir um tango e se puder ir pra Argentina pelo menos veras uma guerreira na PRESIDENCIA!!!

Douglas

estamos prestes a ver isso dá em http://www.youtube.com/watch?v=gPUjPyuTdWk .

Marcelo

Sou do Rio de Janeiro e me lembro do PAN . Lembro do que foi prometido , lembro do orçamento inicial. Lembro tambem do que foi cumprido e do custo final . A copa é apenas mais um facilitador para nossos corruptos lucrarem mais . Aposto que o custo final para copa sera no minimo 10x maior que o orçamento inicial previsto , e nem 30% do prometido sera realizado. É facil ser "vidente" no Brasil quando se vai prever resultados do trabalho de nossos governos .

O Virtual

Cansei de ouvir o Sr. Lula da Silva em incontáveis comícios repetir a cantilena: “Ministro meu não vai tirar sapato para revista”. Celso Amorim, Marco Aurélio Garcia seguiam a mesma do chefe e propagavam aos quatro ventos que a era do “sim, sim senhor” havia acabado.
Nossa é uma mudança e tanto: em 2002 foi um pais que perpetrou a “agressão à honra nacional”, agora é uma reles e corrupta entidade dirigida por homens com um “irrepreensível” escopo moral – Joseph Blatter e Ricardo Teixeira.

Renato

O Lula sabia disso ao assinar o contrato com a FIFA. Então resta-nos cumprir e engolir como ouriço.

Porco Rosso

Fique à vontade, FIFA, o País é seu.

alex

E POR FALAR EM AI-5 …

CONVERSAS COM MR DOPS

Da Agência A Publica

Globo, Folha, Bradesco – e Niles Bond

Aos 80 anos, José Paulo Bonchristiano conserva o porte imponente dos tempos em que era o “doutor Paulo”, delegado do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo, “o melhor departamento de polícia da América Latina”, não se cansa de repetir.“O DOPS era um órgão de inteligência policial, fazíamos o levantamento de todo e qualquer cidadão que tivesse alguma coisa contra o governo, chegamos a ter fichas de 200 mil pessoas durante a revolução”, diz, referindo-se ao golpe militar de 1964, que deu origem aos 20 anos de ditadura no Brasil.

(…) Bonchristiano é um dos poucos delegados ainda vivos que participaram desse período, mas ele evita falar sobre os crimes. Prefere soltar o vozeirão para contar casos do tempo em que os generais e empresários o tratavam pelo nome. Roberto Marinho, da Globo, diz, “passava no DOPS para conversar com a gente quando estava em São Paulo”, e ele podia telefonar a Octávio Frias, da Folha de S. Paulo “para pedir o que o DOPS precisasse”. Quando participou da montagem da Polícia Federal em São Paulo, conta, o fundador do Bradesco mobiliou a sede, em Higienópolis: “Nós do DOPS falamos com o Amador Aguiar ele mandou por tudo dentro da rua Piauí, até máquina de escrever”.

(…)

Gaba-se de ter sido enviado para “cursos de treinamento em Langley” nos Estados Unidos, pelo cônsul geral em São Paulo, Niles Bond, que admirava a “eficiência” da polícia política paulista. E o chamava de “Mr. Dops”.

Orgulha-se também de outro apelido – “Paulão, Cacete e Bala” – que diz ter saído da boca dos “tiras” quando “caçava bandidos” na RUDI (Rotas Unificadas da Delegacia de Investigação), no início da carreira, com um “tira valente” chamado Sérgio Fleury. Anos depois, os dois se reencontrariam na Rádio Patrulha, de onde saiu a turma do Esquadrão da Morte, levada para o DOPS em 1969, quando Fleury entrou no órgão.

Leia matéria completa: http://apublica.org/quem-somos/

## A Pública é uma agência independente de jornalismo investigativo sem fins lucrativos e livre reprodução de conteúdo (creative commons).

leandro

Quem não sabia disso? Quando da assinatura da candidatura para a copa, lula já se sabia disso e se sujeitou a todas as exigências de olho nos votos que poderia faturar com esse evento. Agora não tem que reclamar da Fifa, ela não obriga ninguém a se candidatar a sede de copa do mundo, entra quem quer.

Douglas

Caros comentaristas do blog, o PT é um grande e malfadado disfarce. Esse pessoal jamais esteve a se preocupar efetivamente por coisa alguma de social. Quer usar o que já é de direito do povo brasileiro apenas acenando com migalhas. Veja, nesse vídeo (http://www.youtube.com/watch?v=h-kuY_hMr6M), o que o Lula (PT) estão preocupados (aos 28-30 segundos). Em voto. Em poder. O que tivemos ao longo desses anos nada mais foi do que o direito que já é nosso e sempre foram negados. Mas esses direitos são em formas de migalhas.

Latini

Nessas horas, milhorárias, bilhonárias horas é fácil amar a bola, difícil é amar o povo! Se as responsabilidades governamentais fossem cumpridas, como de direito, não haveria preocupação.

Uélintom

Sim, sim! Orai e vigiai! Não dá para ceder cegamente a representação da vontade popular a representantes, mesmo que sejam do PT. O Senador precisa, sim, se explicar. Findar o direito de greve só no período da Copa só se vier associado a proibição de demissões pelo mesmo período. Mas aí os donos dos meios de produção não vão querer.

Mas, o "orai e vigiai" deve funcionar para todos os lados. Não dá para agora começar a dizer, como o PIG pretende, que o PT já não é mais o mesmo, que privatiza como o PSDB e é contra greve. Estão pintando o PT como um partido que está dando uma grande guinada para a direita. Apesar das pisadas na bola, não acho que isso esteja ocorrendo.

Veja a manchete bandida do O Globo na internet:
"Dilma rechaça anistia e diz que grevistas ‘espalham pânico’ e afrontam a democracia". Oras, será mesmo que a Dilma agora acha que fazer greve é coisa de bandido?

Orai e vigiai, pois quem não aprende no amor, aprende na dor.

Araquem

É surpreendente a trajetória para a direita do senador Walter Pinheiro. De combatente da dinastia ACM passando pelas marchas do Malafaia para cair no AI-5 da Copa.
Acreditem ou não, ele antigamente foi autor de um projeto de lei obrigando o Executivo a usar preferencialmente software livre, para sair das garras da multinacional Micro$oft.
Esse cidadão foi da tendência DS, Democracia Socialista, que deixou de ser socialista por alguns cargos.

Dá muita tristeza ver o PT em tais frangalhos…

Deixe seu comentário

Leia também