Celso Vicenzi: Através de imagens, a mídia comanda o retrocesso

Tempo de leitura: 4 min

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A mídia comanda o retrocesso


por Celso Vicenzi

Uma fotomontagem em que a presidenta Dilma Roussef aparece de pernas abertas, na boca de um tanque de gasolina de automóvel, jogou mais combustível na fogueira de ódio e insensatez que se espalha por todo o país. A imagem é chocante e não ofende apenas a mais alta autoridade do país, mas todos os cidadãos e, principalmente, as mulheres, no Brasil e no mundo. A metáfora visual é a de uma penetração sexual, de um estupro.

Essa afronta não é um caso isolado. Pelo contrário, a passividade das principais autoridades do país tem autorizado uma série de crimes, contra a democracia e contra a dignidade humana.

Por trás de gestos mais raivosos, tresloucados e imbecilizados, foi tecida uma competente estratégia de propagar o ódio e promover a agitação social necessária à aplicação de um golpe de estado para o qual só parece faltar o acerto de data. Mais que um golpe contra o resultado das urnas, seria um golpe contra boa parte dos avanços civilizatórios duramente conquistados desde o fim da ditadura de 64.

Some-se a isso uma intolerância religiosa que era até então desconhecida no país e que hoje grita seus slogans medievais muito além dos púlpitos, nos parlamentos e nas emissoras de rádio e tevê.

Depois da quarta derrota eleitoral à presidência, os setores mais conservadores da sociedade brasileira perceberam que, pela via democrática, suas chances de ascender ao Palácio do Planalto tornaram-se remotas. Se não foi possível convencer pelo voto, importantes setores da mídia, do parlamento e do judiciário desenharam nova estratégia.

Os principais veículos de comunicação passaram a desenvolver, diariamente, uma estratégia que consiste em omitir o que há de positivo no país e exagerar na análise pessimista. Mais que isso: o que poderia ser uma excelente oportunidade para desnudar como funciona o esquema de financiamento de campanhas políticas e o uso da máquina pública e de empresas estatais para troca de favores – em todas as esferas, federais, estaduais e municipais – resultou em uma justiça caolha, uma mídia manipuladora e um Congresso Nacional retrógrado, centrados no objetivo de criminalizar um único partido, um único governo e, especialmente, Lula e Dilma.

O festival de imagens agressivas vem sendo produzido há muito tempo. Um dos casos mais recentes ocorreu na coluna do jornalista Ricardo Noblat, no jornal O Globo (29/6/2015), que pôs a cabeça degolada da presidenta Dilma em uma bandeja. O título acompanha o “primor” da ilustração: “Em jogo, a cabeça de Dilma”.

O jornal Correio Braziliense publicou no dia 8/9/2014, na capa, uma foto de Beto Barata em que uma metralhadora é apontada contra a face da presidenta, durante desfile militar de 7 de Setembro.

O mesmo truque de angulação – usado à exaustão e, portanto, já sem nenhuma originalidade – deu a Wilton Júnior (O Estado de S. Paulo) o Prêmio Esso de Fotografia de 2012. Ilusoriamente uma espada trespassa o corpo da presidenta durante uma cerimônia na Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ).

Se alguns dos principais veículos de comunicação, por repetidas vezes, simulam que a presidenta deve ser executada – e aí não há nenhuma possibilidade de inocência nessa metáfora de “morte à presidenta” –, porque deveríamos estranhar que essa convocação à “malhação de Judas” não encontraria campo fértil em meio a milhares de internautas ávidos por exibir toda a sanha reacionária e a falta de escrúpulo no debate político? Por que nos surpreenderíamos com tantos cartazes pedindo a volta da ditadura em passeatas que a mídia louva como a fina flor da democracia? Por que nos espantaríamos com as bancadas evangélicas, da bala e do latifúndio a vociferar contra os direitos humanos?

Houve quem tenha se recusado a reproduzir, nas redes sociais, a imagem sórdida de uma mulher, de pernas abertas na boca do tanque de combustível de um automóvel.  Compreendo e louvo a tentativa de evitar a banalização da cena. Inclino-me, no entanto, na direção contrária, por uma razão: não podemos deixar de ver, compreender e estar alerta contra o que ameaça destruir a dignidade humana. Ver para não se iludir sobre o crescimento da barbárie. Ver para denunciar o ódio que cega tantas pessoas que se consideram humanas, amorosas.

Estranhamente, começaram a surgir, também na internet, os indignados contra quem se indignou. Houve muitas críticas aos que optaram por mostrar as imagens anexas aos textos de protesto a esse ato de misoginia. Boa parte dos críticos não atacou os autores da fotomontagem que escandalizou o país. Preferiu desviar o foco do debate, para tentar atingir apenas aqueles que se disseram profundamente impactados pelo ato vil.

A imagem é grosseira e não cabe banalizá-la com reproduções gratuitas e comentários machistas. Mas é preciso mostrá-la a quem ainda não viu, para que percebam a extensão do que acontece hoje no Brasil, e acordem a tempo de evitar o pior. Há uma profusão de atentados à democracia e à dignidade humana. E, por serem desferidas contra o atual governo, contra Lula, Dilma e o PT, não faltam incentivadores desse ódio que brota de nossas raízes racistas, conservadoras e elitistas.

Há coisas que precisam ser vistas. Não há como esconder as atrocidades que o ser humano já foi capaz de perpetrar, ao longo de milênios. Algumas imagens têm o poder de alertar contra a fera humana, sempre numa tênue fronteira entre civilização e barbárie.

A imagem que repugnou o país é somente o ápice de uma ação que tem os donos da mídia como principais articuladores. É um movimento que também grita contra os direitos humanos, que não se conforma com a inclusão social, não se importa em entregar as riquezas e o futuro do país aos interesses do capital internacional, não se importa com uma justiça de duas caras, dois pesos e duas medidas, que não aceita as mudanças que ocorreram nos últimos anos beneficiando sobretudo os mais pobres. Essa imagem é só uma amostra do nível de degradação a que estaremos expostos se as forças reacionárias dominarem novamente o Brasil.

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Comentários

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Urbano

Vá se esperar coisa melhor da cabeça dos bandidos da oposição ao Brasil…

Paulo Ribeiro

A foto supostamente premiada mostrando a presidenta Dilma sendo trespassada por uma espada foi uma provocação acintosa e um desrespeito que jamais deveria ter sido permitido. Esta premiação gerou um clima de impunidade e hoje circulam pelas ruas de São Paulo automóveis com adesivos da presidenta em posição pornográfica. Basta!

Leonardo

Só faltou citar a charge de Caruso em pleno dia internacional da mulher com a Dilma ajoelhada ao lado de um extremista islâmico que ameaçava decapitá-la.

Tania

Ainda não vi essa “coisa”. Nem quero ver!

FrancoAtirador

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Uma Ação para a Esquerda:
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Fazer da Informação Pública
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um Bem Público, de Fato.
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(http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Uma-acao-para-a-esquerda-fazer-da-informacao-publica-um-bem-publico/4/33919)
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Luana

Celso, não exagere. A intolerância religiosa sempre existiu no Brasil. Tanto que até 1940, era obrigatório por leiregistrar terreiros de candomblé nas delegacias, antes que eles entrassem em funcionamento.
A diferença é que agora, com a internet , com as redes sociais e com a programação maciça das igrejas neopetencostais na tv, temos acesso a um número muito maior de casos.
O momento é difícil, complicado, mas não podemos perder a coerência.

jose carlos lima

vamos divulgar
o povo brasileiro precisa saber pq odeia tanto, saber disso é terapeutico
saber das causas do odio sera bom
https://m.youtube.com/watch?v=snccaY3AcnU

    Severino de Oliveira, Bonobo

    Quando o grande capital, por meios diversos, coopta servidores públicos que corrompem as suas atribuições previstas na Constituição e passam a fazer politica partidária das mais rasteira a partir das emanações de moralidade, ética e moral da grande mídia, não há democracia que sobreviva. Nesse momento o “Sistema” elegeu o inimigo quem vem sendo atacado e linchado desde 2005 num processo muito parecido com esse fenômeno que produziu o nazismo, descrito por Hannah Arendt no livro “A banalidade do Mal”. É o preço que temos que pagar por termos aceitos que todo o aparato midiático extraordinariamente evoluído em tecnologia nas últimas décadas esteja entregue nas mãos de meia dúzia de empresários bandidos, sem nenhum controle social, aliás, sob um regramento vigente quando comunicação era jornal impresso e rádios dos tempos das válvulas. Nem transistores existiam. Ignoramos a advertência de Joseph Pulitzer propalada no século XIX e até da Constituição de 88, onde estão contempladas as regras para a operação dos sistemas de comunicação, nunca regulamentadas, tampouco implementadas. Muitos dirão que, não foram implementadas por culpa do Lula, ou dos petistas, ou dos judeus alemães…. talvez……

Elias

A TV Cultura e seu Roda Viva, às 22 horas e 25 minutos, do dia 6 de julho de 2015, através das respostas do ex-ministro do Supremo, Aires Brito, acaba de levar a público que se o TSE, “o mais célere dos tribunais”, cassar os mandatos de Dilma e Temer, deve dar posse ao “presidente da Câmara Federal que em 3 meses deverá chamar novas eleições.” A TV Cultura está nas mãos do PSDB que há vinte anos manda em São Paulo. Este Roda Viva, a exemplo de muitos outros, está explicitamente sugerindo um golpe de estado.

    a

    Tinha o Ayres Brito em alta conta. Até esse programa da TV Cultura. Um ministro do STF (ex) usando fitinha do senhor do Bonfim no punho direito?? Tenha dó…

FrancoAtirador

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A Mídia-Empresa Fascista Naturaliza a Barbárie.
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Carlos

Tá tudo no 1984, de Orwell. Manipulação da informaçaõ com uso do medo e do ódio disseminados pela mídia para manter a sociedade sob controle.

Afonso Guedes

É preciso deixar claro que o povo que votou em Dilma Roussef não aceitará calado qualquer golpe contra a presidente. Esses perdedores, hoje ensandecidos, loucos de ódio, agridem de todas as maneiras a figura de uma mulher digna com os mais rasteiros e pusilânimes métodos. Esse mentecapto no qual a oposição tem sua principal voz, vocifera, louco do ódio que ele chama de patriotismo, babando juntos aos seus comparsas, palavras que poderão jogar o país num crise gravíssima que pode inclusive se transformar em algo impensável. Seria melhor que essa oposição raivosa pensasse bem no que estão urdindo. Na realidade eles não tem nada contra a presidente. Eles querem esmagá-la agora porque sabem que em 2018 vão perder pela quinta vez.

    bonobo de oliveira, severino

    Como diz um comentarista do Blog Luiz Nassif On Line, da GGN, há um ataque em andamento do Brasil improdutivo contra o Brasil que produz e realiza o milagre que parecia impossível. O país construiu o projeto que lhe permitirá arrancar definitivamente da condição de emergente, outrora subdesenvolvido, para a sua posição devida no cenário internacional. A burocracia e os rentistas, ambos extraordinariamente onerosos e socialmente inúteis, se aliaram para evitar que isso aconteça.

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