Ana Costa: A MP 557 não terá impacto real na redução da mortalidade materna

Tempo de leitura: 3 min

por Ana Maria Costa, do Cebes

Nas duas últimas décadas, houve redução das mortes de mulheres relacionadas a gravidez, parto e puerpério, ou seja, a mortalidade materna. A taxa atual é de 68 mortes a cada 100 mil nascidos vivos e o Brasil definiu que iria reduzir para 34 como um dos Desafios do Milênio. A taxa caiu pela expansão do cuidado pré-natal e ao parto proporcionada pelo SUS. Estas mortes, na sua grande maioria, são evitáveis. Hoje, com o acesso melhor, há dois grandes problemas a serem confrontados: a baixa qualidade dos serviços de saúde incluindo os do setor privado e a condição clandestina do abortamento que expõe ao risco a vida das mulheres.

Para reduzir a mortalidade materna  é preciso consolidar o SUS constitucional, universal e de qualidade. É necessário resolver a crônica pendência do financiamento da saúde e qualificar a gestão do SUS, reduzir a mercantilização, a medicalização e o intervencionismo, estabelecer um sistema eficiente de vigilância aos óbitos, identificar e punir responsabilidades, e romper o silêncio que sempre envolveu as mortes destas mulheres. É preciso que as mulheres tenham acesso ao aborto seguro.

O sentido da integralidade preconizado para a saúde das mulheres deve garantir atenção qualificada em todas as fases, ciclos e situações de vida, já que há evidências de sobra de que estas condições prévias à gravidez interferem no curso da gestação e no seu desfecho. O Brasil foi exemplar quando criou o PAISM (Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher) em 1983, política que foi aperfeiçoada no governo Lula.

O eixo desta política é o princípio da integralidade que reafirma que a mulher é indivisível, que as relações de gênero interferem na situação de saúde, que são cidadãs de direitos e que os serviços de saúde devem promover sua autonomia e direitos sexuais e reprodutivos.

O Ministério da Saúde não pode adiar o real enfrentamento dos determinantes destas mortes. Os estudos realizados nos últimos anos mostram que a morte materna, que hoje temos que combater, ocorre dentro dos hospitais e está relacionada à baixa qualidade do cuidado, à medicalização, ao abuso de cesarianas,  ao descompromisso dos profissionais e dos serviços no cumprimento dos protocolos básicos nos casos de risco, como na eclâmpsia.

As mulheres morrem também por maus tratos, discriminação, racismo e outras formas de violência institucional nos serviços de saúde. No setor privado, onde a morte materna é problema grave, a mercantilização está aliada à baixa qualidade dos serviços.

Por tudo isso é que esta MP não terá impacto real sobre a morte das mulheres e, nesse contexto, é preciso esclarecer as intenções do Ministério da Saúde na criação do Sistema Nacional de Cadastro, Vigilância e Acompanhamento da Gestante e Puérpera para Prevenção da Mortalidade Materna e na concessão de benefício financeiro para garantir transporte das gestantes até a maternidade.

Mas por que a insistência em registrar as mulheres grávidas? As informações  que o SUS dispõe são suficientes para conhecer o problema da morte materna e definir estratégias nacionais e locais. Não há necessidade nem indicação de criar mais um sistema de informação, especialmente nos moldes adotados nesse Cadastro, impregnado do risco de expor as mulheres e suas vidas reprodutivas aos olhares públicos, em uma sociedade polarizada quanto à moralidade sobre os direitos sexuais e reprodutivos.

É preciso denunciar que, mesmo depois de revista, a MP 557 manteve o   registro de todas as gravidezes, nos mesmos moldes do PL do deputado Walter Brito que propõe o registro obrigatório das grávidas para “produzir evidências” sobre o aborto.

É preciso indagar sobre a necessidade de uma Medida Provisória para orientar essa política. Seria admissível a explicação de sua necessidade pela concessão da bolsa transporte? Outra pergunta é por que o Ministério da Saúde, ao optar pelo mecanismo de Medida Provisória, abdica de seu papel histórico institucional  de formulador de políticas de forma participativa e pactuada?

A MP 557 também vem sendo criticada por ter sido criada na esfera governamental sem a participação social, cartão de visita do SUS. Ao que parece, os setores corporativos religiosos atuaram para garantir a MP e impedir a ampliação do debate.

Felizmente, a sociedade está reagindo com manifestações oriundas de diversos setores, entidades cientificas, ativistas feministas, centrais sindicais e mesmo na forte posição contrária à MP no Conselho Nacional de Saúde. O que esta grande mobilização está nos ensinando é que não se constrói política de saúde  sem considerar o caminho percorrido, sem analisar profundamente a natureza complexa dos problemas atinentes à situação de saúde e sem atender aos interesses democráticos e coletivos.

A taxa atual de mortalidade materna constrange o Brasil e é incompatível com os indicadores sociais e econômicos. Mas precisa ser enfrentada de verdade, rompendo corporativismos e não se submetendo a pressão de grupos morais ou religiosos.

E a sociedade desta forma conclama: Senhoras  e Senhores Parlamentares do nosso Congresso Nacional, vamos derrubar essa MP 557 e orientar o governo para que ele reconduza à condição de prioridade a Políitica da Saúde Integral para as Mulheres.

Ana Maria Costa é médica, feminista e presidenta do Centro de Estudos Brasileiros em Saúde (Cebes).

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Wildner Arcanjo

Levanta que eu corto, tá bunitinho isso. Depois vamos ficar falando do PIG e CIA. Azenha, alguma reportagem (digna) de ser postada com o contraponto? Ou só aquelas que, mesmo quando falam sobre o outro lado, tem comentários contraditórios do seu próprio site?

Agora duas perguntas:

– Qual a porcentagem de mortes de mulheres por abortamento (sejam espontâneos ou provocados)? Continuam proporcionalmente as mesmas dos levantamentos dos últimos anos?

– Em caso de abortamento provocado, de forma clandestina e, segundo o nosso código penal criminoso, pode ser enquadrado como morte materna?

Alguém disposto a responder estas perguntas?

Outra pergunta, como faço para continuar ponstando com o Intensedebate, era melhor aquele troço lá…?

Alberto

Está claro que a MP557 é fruto de um conchavo fundamentalista do ministro Padilha com a Igreja Católica, com apoio dos evangélicos mais retrógrados, e que ela é absolutamente dispensável e que cabe ao governo cumprir o disposto no Programa Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher e o contido no Pacto Nacional de Combate à Morte Materna e Neonatal, aprimorando-o e fornecendo os recursos necessários, conquistas no governo Lula.
O ministro Padilha, alinhado com o que há demais atrasado na sociedade brasileira contra os direitos reprodutivos engabelou a presidenta. Até hoje o ministro não explicou quem contrabandeou o NASCITURO para claramente inconstitucional, levar para a presidenta assinar; a Casa Civil nem se tocou ou deixou passar por concordar e depois aparecer lá uma coisa que ninguém assume a responsabilidade, nem ele? E ainda fez cara de paisagem! E vai ficar por isso mesmo?
Com a Rede Cegonha aconteceu a mesma coisa: se apropriaram do conteúdo do Pacto contra a Morte Materna, que já existia, enfiaram lá umas ações sociais e pum: pariram a Rede Cegonha com feição de Programa materno-infantil, como se saúde materno-infantil fosse uma coisa que existisse. Há saúde materna e há saúde infantil, juntar as duas coisas como entidades únicas e indisssociáveis só mesmo nos escondidos do Vaticano, um lugar onde é proibida a entrada de mulheres e de criança, só homens, a maioria já bem idosos.

Fabio Passos

Todas as avaliações das organizações que lutam por direitos e saúde das mulheres condenam esta MP 557 do min padilha.

Como o governo espera convencer a sociedade de que houve debate e discussão se apenas religiosos fundamentalistas e reacionários pervertidos defendem esta MP 557?

É preocupante que o governo insista em políticas cujo objetivo é perseguir as mulheres. A população exige melhorias concretas na saúde e o governo só se preocupa em satisfazer os interesses das trevas…
Muito ruim.

    Mari

    Fábio vc acertou em cheio: o compromisso do Padilha é com as trevas mesmo e com a pirotecnia da exposição midiática. Dizem que foi proibido, recentemente de aparecer em tudo quanto é inauguração de UPA, sobretudo em São Paulo, queixa do próprio PT. bem, foi o que li em algum lugar

    25.março.2012 17:40:50
    Agenda de Padilha sugere pré-campanha em São Paulo

    O ritmo frenético de viagens do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, tem despertado ciúmes na Esplanada. Em todos os finais de semana deste mês, Padilha visitou municípios do interior de São Paulo. Em fevereiro, cumpriu agenda com o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab.

    Segundo fontes petistas, incomodado com a desenvoltura de Padilha, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, teria pedido a intervenção da presidente Dilma Rousseff para que o colega de Esplanada reduzisse as agendas no interior paulista. Padilha e Mercadante podem vir a disputar a vaga de candidato do PT ao governo de São Paulo em 2014.

    Desde o início do mês, Padilha já visitou sete municípios do interior paulista, em agendas pelo Ministério da Saúde. Foi a Barretos duas vezes, nos dias 3 e 24 de março. Também neste sábado (24), encontrou-se com o pré-candidato do PT a prefeito de São Paulo, Fernando Haddad. Ainda neste mês, o ministro da Saúde fez escalas em Amparo (dia 3), Guarulhos (dia 9), Embu das Artes (dia 10), Mauá e Guarujá (dia 17). Ainda no dia 17, almoçou com o prefeito de São Bernardo de Campo, Luiz Marinho. E no dia 17 de fevereiro, visitou a Santa Casa de São Paulo na companhia de Gilberto Kassa
    http://blogs.estadao.com.br/joao-bosco/agenda-de-padilha-sugere-pre-campanha-em-sao-paulo/

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