Émerson Fittipaldi contra o rei Hiro

Tempo de leitura: 4 min

Fotos reprodução revista Time e arquivo pessoal

por Luiz Carlos Azenha, publicado originalmente em 2006

Levei um susto quando abri a revista Time e vi o anúncio da General Motors. Com o boné da GM, Émerson Fittipaldi comemorava a vitória nas 500 Milhas de Indianápolis.

O susto é porque apareço ao lado dele, de macacão azul.

Vivi com Émerson momentos de alegria, de tristeza, de pânico e de lazer.

Ele foi meu chefe, um campeão amigável, simples, talentoso e carismático.

Émerson Fittipaldi abriu caminho para uma geração de pilotos brasileiros.

Campeão da Fórmula 1 em 1972, quando eu iniciava no Jornalismo, nunca imaginei que teria o prazer de conviver com o homem da Lotus preta (campeão de novo em 74, pela McLaren).

Émerson comeu o pão que o diabo amassou depois do fracasso da Copersucar, lembram-se?

Por causa de dívidas na Grã Bretanha, ficou impedido de entrar no país enquanto não acertou as contas.

Eu só o conheci pessoalmente nos Estados Unidos, muitos anos depois, quando ele já tinha sido campeão da Fórmula Indy e vencido uma vez as 500 Milhas de Indianápolis.

Em 93, Émerson ganhou as 500 Milhas pela segunda vez. Foi um dos dias mais alegres da vida dele.

É uma das muitas tradições da corrida: o vencedor estaciona o carro sobre uma plataforma, que sobe feito um elevador.

Cercado pela família e por integrantes da equipe, festeja lá em cima.

Repórteres não podem subir no pódium. Mas, ajudado por Kika Concheso, assessora e fiel escudeira de Émerson, subi junto.

Acho que os fiscais me confundiram com algum mecânico.

Era um momento chave da transmissão da Rede Manchete: ouvir o campeão.

Mas o microfone falhou na hora agá. Ainda assim, foi possível registrar um “obrigado Brasil” de Émerson.

Foi no ano em que, ao celebrar, Émerson trocou o leite pelo suco de laranja (ele era produtor em Araraquara, São Paulo).

Deixou enfurecidos os produtores de leite do estado de Indiana. No dia seguinte, o brasileiro pediu desculpas por quebrar a tradição.

Quando a crise financeira da TV Manchete ameaçou as transmissões, Émerson montou a própria empresa e nos contratou.

Apesar de chefe, manteve o mesmo comportamento de cavalheiro e amigo. Nunca nos pediu tratamento especial.

Vi o batizado do filho dele, Luca, numa das pistas.

Estava ao lado de Teresa e dos filhos do piloto na porta de um hospital de Michigan, quando a vida de Émerson esteve por um fio.

Eles choravam, desesperados, e ainda assim eu precisava manter a calma para transmitir ao vivo informações sobre o estado de saúde do piloto.

Aquele acidente, na pista de Michigan, em 1996, acabou com a carreira de Émerson.

O impressionante vigor físico permitiu que ele se recuperasse, voltasse a andar normalmente e até se aventurasse a voar de ultraleve (acho que só desistiu de desafiar a morte depois de um acidente de ultraleve, com o filho).

Como profissional, nunca deixou de nos atender, qualquer que fosse a circunstância.

Quando não obteve tempo para se classificar para as 500 Milhas de Indianápolis, se escondeu num box para chorar. Depois, retomou a calma e deu entrevista.

Fotos arquivo pessoal e divulgação das 500 Milhas

Eu e o cinegrafista Luiz Carlos Novaes colávamos no Émerson, em dias de corrida (na foto acima, já transmitindo pelo SBT).

Émerson nos recebia na casa dele, na Flórida, para passear de barco ou andar de jet ski. Voamos juntos pelas águas de Key Biscaine.

Sempre teve tantos amigos que, durante a festa da segunda vitória em Indianápolis, mal teve tempo de celebrar.

O telefone não parava de tocar, chamadas do mundo todo. George Harrison, o ex-Beatle, ligou. Meses depois, veio pessoalmente ver uma das corridas.

Sentamos todos na tenda da Penske — a equipe de Émerson — enquanto Teresa Fittipaldi preparava a caipirinha que deixou Harrison fora de ritmo.

Por causa de Émerson, conheci um de meus ídolos na música, Tom Petty, que foi assistir a uma corrida.

O mesmo caráter do pai era visto nos filhos. Jason, que escapou do desejo paterno (que piloto não quer que o filho siga o caminho dele?), estudava artes plásticas.

Tatiana, que vi criança nas pistas, tem também a doçura dos Fittipaldi.

Émerson cercado por um milhão de dólares, depois da primeira vitória em Indianápolis.

Na verdade, só as notas expostas eram verdadeiras. O recheio era de papel.

Em seis anos como repórter de automobilismo, vi grandes duelos.

Um dos melhores envolveu Émerson e o britânico Nigel Mansell, em Cleveland, num circuito que aproveitava a pista de um aeroporto.

Disputando a liderança, lado a lado, eles trocaram de posição várias vezes.

Nigel tinha vindo da Fórmula Um — como Émerson e Mário Andretti, foi campeão das duas categorias.

A disputa de Émerson e Mansell foi limpa e emocionante. Naquele dia, o brasileiro chegou na frente.

Os críticos diziam que Émerson não era ousado.

Era, na hora certa. Tinha a combinação de ousadia, cautela e a estrela de um campeão.

Por causa dele, o piloto japonês Hiro Matsushita, que era lento nas pistas, ganhou um apelido.

Durante as corridas, Émerson falava pelo rádio com a equipe.

Sempre que ultrapassava o japonês, gritava: “King Hiro”. Em português, “Rei Hiro”.

Curiosos, os mecânicos da Penske um dia perguntaram a Émerson por que ele chamava Matsushita de rei. “Rei? Eu nunca disse rei”, respondeu Émerson.

É que o rádio do carro picotava.

Na verdade, o que Émerson dizia era “fucking Hiro”, porque se considerava atrapalhado pelo japonês.

Acho que até hoje o Hiro Matsushita não entendeu.

A partir daquele dia, entre os mecânicos, ele ganhou o apelido de Rei: “King Hiro, fucking Hiro”.

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Comentários

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francisco

como a grobo é baixo astral. seu espetaculosismo, com os galvões da vida, acabou com o romantismo do automobilismo. Apesar de não tão aficionado por carros de corrida, também tenho saudades do tempo de Wilson e Emerson, em que não se via aquele endeusamento falso e hipócrita da grobo.

Lucas Rafael Chianello

Belo relato.

O automobilismo é uma das coisas mais incríveis que existe no mundo.

E o Émerson é um dos incríveis do automobilismo.

mauro machado gonzaga

Obrigado ao Emerson e parabens ao Azenha pela justa homenagem.

Jorge Pereira – FITTIPALDI, O MAIOR DE TODOS!

Muitos, e eu, consideram o Fittipaldi o maior piloto brasileiro de todos os tempos. Ser o primeiro a ganhar tudo que ganhou é para gênio! Não tem o “Babão” Bueno e globo para ficarem repetindo um mantra até uma meia-mentira virar uma verdade. Parabéns Azenha. Parabéns Fittipaldi

manoel davi

Hi, como estou velho. Sou do tempo do GORDINY e do DAUPHANY.
abs.
Davi

Gilberto

esses textos funcionam como terapia… étanta coisa chata, tanta noticia ruim (ainda que bem escritas) que ler relatos como estes me deixa contente… parabens pelas carreiras… a do piloto e a do reporter… ambos campeões

nany

acho que para o brasileiro automobilismo surgiu com o nome fittipaldi , e viva o brasil , esses grandes exemplos de estrutura, dinâmismo e lealdade ao esporte e ao brasileiro!obrigada!

Diego Silva

Emerson Fittipaldi foi o responsável pela minha paixão pela Fórmula Indy

Wanderley

Vi o Emerson correndo em Campinas onde moro com um formula Super V. Em Interlagos nas mil milhas de 1967 com um prototipo parecido com uma Ferrari. Confeço que gostava mais do Wilson (irmão mais velho e piloto tambem). Depois me apaixonei pelo Emerson, pelo seu estilo de pilotar, por causa dele virei fã de carteirinha da Formula 1 e Formula Indy. E como disse a Luciana acima "acordar cedo para não perder a largada dos carros. Coisas que ainda me lembro dele e do irmão. Fusca de corrida com dois motores,O primeiro Kart que conheci era feito pelos irmão Fitipalldi. Karman Guia com motor Porche. O Emerson pilotou uma Lotus de Formula 1 com motor a Jato (de avião mesmo) não vingou, não tinha freio que parace o carro. Putz…. tem muitas historias e aventuras destes caras por ai. Como muito já disseram, o Emerson abriu as portas do automobilismo internacional para todos que vieram depois…

Mauricio

já lí e re lí esse texto anos atrás, simplesmente não me canço.

Thiago Silva

Você de macacão azul e cabelo!

Gilson cabral

Olá , gostaria de falar-lhes que a Sra, Irene, minha sogra, trabalhou , não sei se foi de babá, ou mesmo de empregada doméstica, na casa dos fitipaldi. Um monstro sagrado, deste esporte, auto velocidade, e você assim como eu , tinha-mos lindos cabelos, um forte abraço, vamos remar!

Felipe Massa

Melhor dos melhores, esse era o Emerson Fittipaldi. Foi a partir dos irmãos Fittipaldi que o Automobilismo se firmou por aqui. Todos devemos muito a Ele!

luciana

Iniciei minha paixão pela F1 por causa do Émerson…. E claro, meu irmão mais velho que reunia toda a garotada para assitir as corridas. Eu tinha apenas 8 anos de idade… Me lembro com saudosismo. Parabéns Azenha por me fazer recordar daqueles tempos em que o ronco dos motores me fazia acordar cedo para não perder a largada dos carros… e nem um minuto sequer.

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