Um pacto sinistro

Tempo de leitura: 2 min
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Por Marco Aurélio Mello

por Marco Aurélio Mello

Qual foi a última vez que você se viu abraçado a alguém dividindo silêncios, sem pressa, deixando o tempo passar?

Momentos assim são cada vez mais raros e enchem a gente de culpa.

Afinal, é um desperdício, não é mesmo?

Onde já se viu cultuar o ócio e a preguiça?

Estamos tão condicionados a cumprir tarefas, objetivos e metas que nos esquecemos de apenas deixar estar.

Deixar estar está na dimensão do ser, não na do ter.

E nossa ansiedade moderna é pelo que virá, não pelo que é.

Meu filho sempre pergunta: pai, o que vamos fazer depois?

Às vezes me impaciento.

Dia desses, num camping, respondi: veja só filho, que curioso, nós nem começamos a fazer o passeio e você já quer saber o que virá depois.

As crianças sofrem demais o impacto desta necessidade adulta de antecipar o que está para além dos olhos.

O triste disso é que o agora perdeu o significado para nós.

Culpa nossa, da escola, da sociedade?

Sim, culpa de todos.

Estamos sem tempo de dividir o tempo, jogá-lo fora, deixá-lo passar, sem pressa, sem cobrança e sem custo.

Hoje, as pessoas podem estar fazendo uma refeição juntas ou mesmo vendo TV, mas elas quase sempre não estão lá de fato, porque não trocam mais entre si.

Estão submersas nos seus interesses particulares, quase sempre presas a seus smartphones.

O passado e a experiência do outro já não importam mais.

O presente é virtual, instantâneo, efêmero.

E o futuro?

Bem, o futuro é a certeza da morte e a permanente incerteza de que aquilo que desejamos não possuímos e, por não possuirmos, não dividimos entre nós.

Enquanto não limitarmos nossa ambição e não nos convencermos de que menos é mais, não haverá presente (tempo) para nenhum de nós.

Porque a felicidade requer um tempo que não está fora, está dentro de nós.

Parece tudo tão óbvio e tão não inalcançável, não é?

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Marco Aurélio Mello

Jornalista, radialista e escritor.


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Comentários

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PREOCUPADO

Como vai, sr. Marco Aurélio. Acompanho as suas reflexões aqui no Viomundo e muito me agradam. Vez por outra escrevo algum comentário, tentando participar de temas e você aborda e que me são igualmente diletos.
Fiz um comentário neste post imaginando poder contribuir para as reflexões acima. Este não foi publicado. Fiquei meio chateado comigo, imaginando ter dito algo impróprio. Peço desculpas se foi o caso. Foi um relato pessoal em que tentei destacar a importância destes momentos de troca para a própria condição humana e a qualidade de sua existência. Quis demonstrar que, para a maioria das pessoas, o problema está no que hipoteticamente as aprisiona – a tal falta de liberdade e dos direitos individuais – quando, em verdade, a razão para muitos sofrimentos esteja naquilo que é capaz de promover o isolamento. São estes fatores que geram tantas necessidades irreais. Até as limitações mais desesperadoras não são capazes de impedir uma vida plena. A não ser o isolamento.
Espero ter explicado. E parabéns pela sensibilidade em discutir esta questão.

    Marco Aurélio

    Olá, não recebi o comentário em questão. Não sou de banir comentários. Não faz parte do meu jeito de ser. Um abraço. Marco.

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