Nossa guerra cotidiana é mais sobre covardia

Tempo de leitura: 2 min
Array

Por Marco Aurélio Mello

por Marco Aurélio Mello

No último fim de semana assisti a um filme de guerra.

Tenho muita resistência ao gênero porque sou um pacifista, daqueles que evitam até entrar em contato para não sofrer.

Nunca gostei de violência e abomino disputas sangrentas.

Mas com este filme foi diferente.

Primeiro, porque o inimigo não tem rosto.

Portanto, é impossível estabelecer uma relação de empatia com ele.

Em não havendo humanização do oponente, não há conflito moral.

Trata-se do filme Dunkirk, de Cristopher Nolan, o mesmo diretor de Amnésia, Insônia, da trilogia Batman (Begins, o Cavaleiro das Trevas e o Cavaleiro Ressurge) e de Interestelar, entre outros.

O filme é tenso do começo ao fim.

Trata-se de um resgate de tropas inglesas, francesas e belgas na Segunda Guerra mundial.

Cercadas pelos alemães, que avançam por terra e atacam pelo ar, elas estão encurraladas numa faixa de apenas 5 quilômetros de praia e só há uma chance de escapar, pelo mar.

A evacuação, que durou dez dias, é conhecida como Milagre de Dunquerque, ou Operação Dynamo.

Quase 340 mil soldados foram resgatados.

A captação de imagens pelo diretor é super realista.

E o ritmo de edição é eletrizante.

Em mais de 1h40 de filme quase não há texto, falas…

Só angústia, muita angústia.

Não há os clichês clássicos dos filmes de guerra.

Não há heróis e sim um apanhado de gente de carne e osso, comum, desesperada, lutando para sobreviver.

Em certo sentido o filme fala mais de covardia do que de heroísmo e faz a gente pensar não na barbaridade que é uma guerra, mas no quê estamos dispostos a fazer quando a regra é: salve-se quem puder.

Espero que não tenhamos que passar por isso aqui no nosso país.

Array

Marco Aurélio Mello

Jornalista, radialista e escritor.


Siga-nos no


Comentários

Clique aqui para ler e comentar

JUAREZ CAMPOS

Os relatos dos oficiais alemães é de que Hitler deixou que os militares fossem evacuados para manter um relacionamento com os ingleses. Isto tem sentido, visto que os alemães facilmente poderiam ter feito uma carnificina. Como Hitler perdeu a guerra, qualquer gesto fica esquecido e ele se torna um monstro, mesmo que os vencedores se tornaram bem piores que eles.

    Marco Aurélio

    Boa Juarez!

Valdeci Souza

Os ingleses, tentam transformar a derrota em uma vitória.
E não falam do abandono de um aliado(os francese). Os alemães só puderam marchar sobre Paris, porque o exercito inglês fugiu.

    Marco Aurélio

    Senhores, meu ponto não é enaltecer os ingleses. O filme é ficção, lembram-se?

Edgar Rocha

Pra dialogar com seu texto, teria de começar pelo fim: você espera não ter de passar por isto no teu país. Poxa, que sorte a tua. No meu, a covardia do salve-se quem puder dá o tom há muito tempo. Talvez porque no meu país o regime se chame cangaço. Funciona assim: vivemos num tipo de organização estatal que naturalizou o estado de sítio. A meta do Estado é defender o povo higienizado e branco do centro do inimigo interno preto e pobre da periferia. Aí, o morador periférico tem de se acovardar e escolher um lado pra defender só pra apanhar menos e diminuir em 50 por cento as chances de morrer à toa. São duas as opções: pedir a bênção a um chefe do crime organizado, ou pagar propina pra policial corrupto. Não faz muita diferença. Todo mundo sabe que eles estão do mesmo lado e que o dinheiro sujo que recebem é dividido entre eles. É só jogo de cena, mesmo. E não tem muito o que fazer porque aqueles representantes de esquerda ou se acovardaram também, ou entraram no esquema. Vide Assembleia Legislativa de São Paulo, entre outros exemplos.
Não sei qual é o teu país, mas o meu é o Brasil. Já ouviu falar? Então… covardia e salve-se quem puder. Vai por mim, não reclame do teu pais, não. Fica por aí que aqui tá brabo!

“Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu.
Como não sou judeu, não me incomodei.
No dia seguinte, vieram e levaram
meu outro vizinho que era comunista.
Como não sou comunista, não me incomodei.
No terceiro dia vieram
e levaram meu vizinho católico.
Como não sou católico, não me incomodei.
No quarto dia, vieram e me levaram;
já não havia mais ninguém para reclamar…”
Martin Niemöller – 1933 – Símbolo da resistência aos nazistas.

    Luiz Augusto Fonseca

    Edgar: embora eu possa entender seu ponto e achar que está correto quanto à verdadeira guerra civil que boa parte da população brasileira enfrenta diariamente, não entendi sua agressividade com o colunista. Em nenhum momento o que ele escreve pode ser entendido como negação da realidade que você descreve, apenas ele teme que todo o país( ou seja, mesmo os privilegiados que hoje não enfrentam a sua realidade) seja obrigado a assumir o “salve-se quem puder”.

    Marco Aurélio

    Edgar, estamos bem perto deste ponto de ruptura.

    Edgar Rocha

    Luiz Augusto e Marco Aurélio,

    Não tomem como pessoal minha afirmações. Embora tenham soado agressivas, garanto-lhes que são, em verdade angustiantes. A distopia já se concretizou na maior parte do Brasil faz muito tempo. Neste caso, não saber tem o mesmo peso de não querer ver.
    O Marco Aurélio aborda a guerra sob um aspecto que acredito ser bem pouco explorado: as implicações psicológicas, tanto da guerra genericamente falando, quanto da 2ª Guerra especificamente. Se quiserem ter uma real dimensão do quanto este contexto psicológico já se configurou por aqui, façam uma investigação na periferia.
    “Não há heróis e sim um apanhado de gente de carne e osso, comum, desesperada, lutando para sobreviver.
    Em certo sentido o filme fala mais de covardia do que de heroísmo e faz a gente pensar não na barbaridade que é uma guerra, mas no quê estamos dispostos a fazer quando a regra é: salve-se quem puder.” Nenhum pensamento descreveria melhor o estado de espírito nos cantões abandonados das cidades.

    O que pretendi questionar foi, em princípio, como e por que nenhum setor progressista percebeu isto? Seria um contraditório e deliberadamente negado afastamento das maiorias? Ou será que perceberam e acreditaram que tal fenômeno, nas circunstâncias e locais em que ocorrem, são passíveis de alguma tolerância? Há também a culturalização desta realidade de guerra, com gente pensando que esta é, em essência, a natureza da periferia. E, por último, o mais grave, será que acharam que isto não se expandiria? Que, em algum momento o monstro autoritário que massacra os discriminados não iria querer ampliar sua área de influência, que não iria exigir o espaço que ele julga ser exclusivamente seu?

    O que se pode questionar em minha comparação é a durabilidade das duas situações. Marco Aurélio fala de um episódio isolado. Imagine se esta situação de tensão se estende por tempo indeterminado, sem previsão de fim? A realidade aqui na periferia é comparável a do Haiti pós-terremoto. Não tenha dúvida disto. Somem todos os padrões éticos de convívio. Não é vida. Não há opção pelo amor que resista. Em algum momento, você deseja a morte de alguém. Mais do que a expulsão do paraíso, é o inferno que toma seu espaço.
    E sim, me desculpe. Também é textão.

    Meus respeitos.

Luiz B. Diogo

Marco Aurélio Mello, recomendo a voce Gloria feita de sangue, um filme quase desconhecido de Stanley Kubrick. Se antes quiser uma palhinha sobre o filme veja em http://www.gazetadopovo.com.br/blogs/cinema-em-casa/gloria-feita-de-sangue-kubrick-e-seu-manifesto-anti-guerra/.

    Marco Aurélio

    Obrigado pela dica Luiz.

Deixe seu comentário

Leia também